Correio Braziliense, n. 21549, 17/03/2022. Política, p. 2

Bolsonaro soube antes de reajuste e quis interferir

Ingrid Soares
Cristiane Noberto
Michelle Portela


O presidente Jair Bolsonaro (PL) admitiu que foi avisado com antecedência sobre os reajustes nos preços dos combustíveis e que tentou interferir para adiá-los. O chefe do Executivo voltou aos ataques à Petrobras, acusando a estatal de “crime” contra a população, e ameaçou de demissão o presidente da empresa, o general Joaquim Silva e Luna.

Bolsonaro relatou ter enviado um pedido informal a Silva e Luna para que o aumento fosse atrasado em um dia, tempo suficiente para aprovar os projetos do governo sobre o tema no Congresso. E completou que “se pudesse interferir, as decisões seriam outras”.

“Chegou para nós que eles iam ajustar na quinta-feira da semana passada. Foi feito pedido para que deixasse para o dia seguinte, atrasasse um dia. Não nos atenderam”, reclamou Bolsonaro, em entrevista à TV Ponta Negra, afiliada do SBT no Rio Grande do Norte. “Por um dia, a Petrobras cometeu esse crime contra a população, desse aumento absurdo no preço dos combustíveis. Isso não é interferir na Petrobras na ação governamental. É apenas bom senso, poderiam esperar.”

A intenção de Bolsonaro era de que a elevação só ocorresse após a aprovação, pelo Congresso, do Projeto de Lei Complementar 11/2020, que altera a cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) incidentes nos combustíveis. Assim, o impacto seria menor no bolso dos brasileiros. O texto recebeu o aval de Senado e Câmara na quinta-feira, horas depois de a estatal anunciar aumento de 18,7% na gasolina; 24,9%, no diesel; e 16%, no gás de cozinha nas refinarias. O presidente sancionou o projeto no dia seguinte.

O chefe do Executivo enfatizou que, por ele, a estatal “poderia ser privatizada hoje” para “ficar livre do problema”. Também cobrou da empresa a redução dos preços, já que vem caindo a cotação do petróleo no mercado internacional. “Quando eles deram o aumento, o preço do petróleo, lá fora, estava em US$ 130. Hoje, está em US$ 100. Agora, eu pergunto à Petrobras — porque eu não tenho ascendência sobre ela, eu não mando na Petrobras: vão reduzir o aumento absurdo concedido na semana passada ou está muito bom para todos vocês da Petrobras?”, disparou.

De acordo com Bolsonaro, “a Petrobras se transformou em Petrobras Futebol Clube, clubinho que só pensa neles, jamais no Brasil”. “Até mesmo repasse para o gás de cozinha, impensável, fizeram também”, reprovou.

Demissão

Questionado sobre uma eventual substituição de Silva e Luna, o presidente voltou a dizer que “existe a possibilidade” e que todo mundo no governo pode ser trocado “se não estiver fazendo trabalho a contento”.

Integrantes da base de apoio do governo também pressionam a Petrobras. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), endossou, mais uma vez, os protestos de Bolsonaro contra a estatal. “Não tenho a visão interna da empresa, a única crítica que fiz é de que não precisava ter dado o aumento que deu, do tamanho que deu, de uma vez só. O barril sobe, a gente aumenta; e o barril baixa, a gente mantém? É preciso que a Petrobras recue do preço e do aumento que deu, porque o dólar está caindo e o barril está caindo, são os dois componentes que fazem a política de preços da Petrobras”, sustentou.

Em meio às críticas, o vice- presidente Hamilton Mourão (PRTB) voltou a defender a estatal. Ele frisou que o preço do litro da gasolina não deverá voltar a R$ 4, mas disse ser possível ficar em R$ 6. “O mercado começa a se reequilibrar. Bateu nos US$ 139 (o barril de petróleo), já está em US$ 99, US$ 98. É óbvia essa flutuação.

Acredito que a Petrobras vai encaixar isso aí e haverá uma redução”, destacou. “Uma realidade a gente tem de entender: o preço do combustível, fruto até da questão da transição energética que nós temos de viver, não vai voltar aos patamares que a gente gostaria. Não vamos mais, na minha visão, pagar R$ 4 por litro de gasolina.”