O Estado de São Paulo, n. 46686, 13/08/2021. Economia p.B3

 

Especialista vê impacto desigual com reforma do IR

 

Para economista, corte de tributos não será igual para todos os setores e regimes de tributação; texto deve ser votado na 3ª-feira

Adriana Fernandes

 

A reforma do Imposto de Renda prevista pelo parecer do deputado Celso Sabino (PSDBPA) prevê uma desoneração em torno de 0,5% do Produto Interno Bruto (PIB), mas isso não significa benefícios iguais para todos os setores nem para todos os regimes de tributação. A pedido do Estadão, o economista Sérgio Gobetti traçou uma radiografia do impacto do projeto, inclusive com as mais novas mudanças introduzidas pelo relator. Especialista na tributação do Imposto de Renda, Gobetti faz simulações sobre o impacto da proposta desde junho, quando o projeto foi enviado ao Congresso.

Sócios de empresas que usam o regime de lucro presumido e faturam até R$ 4,8 milhões por mês, como profissionais liberais (médicos, advogados, economistas), serão duplamente beneficiados: pagarão menos impostos por causa da queda da alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL) e ficarão totalmente isentos da tributação sobre a distribuição de lucro e dividendos com as novas mudanças divulgadas ontem pelo relator.

Já para as empresas do lucro real, a possibilidade de ganho ou a perda dependerá do porcentual retido ou distribuído dos dividendos, que com o projeto vão passar a ser taxados com uma alíquota de 20%.

Se a empresa retiver pelo menos 30% do lucro, já terá redução da carga tributária. Se for do setor financeiro ou fizer uso expressivo das deduções dos chamados Juros de Capital Próprio (JCP), que estão sendo eliminados pelo projeto, aí o mais provável é que haja aumento de imposto, mesmo com a retenção parcial dos lucros. O JCP é uma forma alternativa que as empresas de capital aberto usam para remunerar os seus acionistas e depois conseguirem deduzir do imposto a pagar.

O impacto muito diferente da proposta nos diversos tipos de empresas é a razão principal para a polêmica em torno do projeto, que já teve quatro versões de pareceres, o último ontem à noite.

Além das empresas, Estados e municípios reclamam que vão perder arrecadação. Eles conseguiram impedir ontem a votação da proposta pelo plenário da Câmara. O projeto deve ser votado na próxima terça-feira.

Desde que o projeto foi enviado ao Congresso, muitos setores empresariais reclamam do aumento da carga tributária com a volta da tributação de lucro e dividendos – que deixou de existir há 25 anos.

Para aumentar o apoio, o relator antecipou ao Estadão que vai conceder isenção total aos dividendos pagos por empresas do lucro presumido (com faturamento de até R$ 4,8 milhões anual). Até as novas modificações, os dividendos pagos por essas empresas seriam tributados acima de R$ 20 mil por mês (R$ 240 mil por ano). De modo que, para empresas que faturam até R$ 400 mil de renda per capita, a queda do IRPJ e da CSLL compensaria a tributação de dividendos. Com a isenção integral, mesmo empresas que faturam mais serão beneficiadas.

As empresas do Simples já tinham conseguido a isenção numa rodada anterior de negociação por pressão da bancada do Congresso que defende as micro e pequenas empresas.

Para Gobetti, a ampliação das isenções para pequenas empresas vai na contramão do que são as recomendações internacionais para combater o fenômeno da “pejotização” (prestar serviço como pessoa jurídica em vez de pessoa física para pagar menos imposto). “O pior é que, além de isentar dividendos, estão reduzindo o IRPJ e a CSLL das pequenas empresas, justamente o contrário do que deveria ser feito para restabelecer um mínimo de equidade ao sistema tributário brasileiro.”

Segundo Gobetti, não faz sentido um profissional liberal pagar entre 6% e 16% de imposto se prestar serviço como empresa e 27,5% como pessoa física (maior alíquota da tabela, para quem ganha acima de R$ 4.664,68 por mês). Hoje, um prestador de serviços do Simples que fature R$ 360 mil no ano paga 8,6% de imposto. No lucro presumido, ele desembolsa hoje 16,3% e passará a pagar 12,9%, caso seja aprovado o substitutivo do relator.

 

Avaliação

“O pior é que, além de isentar dividendos, estão reduzindo o IRPJ e a CSLL das pequenas empresas, justamente o contrário do que deveria ser feito para restabelecer um mínimo de equidade ao sistema tributário.”

Sérgio Gobetti

ECONOMISTA

 

O QUE MUDA

Veja como fica a tributação do lucro para empresas antes e depois da reforma do IR. Todos os exemplos levam em conta IRPJ + CSLL

• Empresa do Simples

Hoje: paga entre 0,45% e 1,31% do faturamento

Pós-reforma: inalterado

Impacto: neutro

 

• Empresa do lucro presumido com faturamento anual de R$ 300 mil

Hoje: paga 7,68% do faturamento

Pós-reforma: vai pagar 4,33%

Impacto: queda da carga tributária

 

• Empresa do lucro presumido com faturamento anual de R$ 1 milhão

Hoje: paga 8,48% do faturamento

Pós-reforma: vai pagar 5,12% do faturamento

Impacto: queda da carga tributária

 

• Empresa do lucro real (se distribuir 100% do lucro em dividendos)

Hoje: paga 34% do lucro

Pós-reforma: vai pagar 38,8%

Impacto: aumento da carga tributária

 

• Empresa do lucro real (se distribuir 50% do lucro em dividendos)

Hoje: paga 34% do lucro

Pós-reforma: vai pagar 31,2%

Impacto: queda da carga tributária

 

• Banco (se distribuir 50% de lucro e dividendos)

Hoje: paga 27,5% do lucro com uso de JCP (Juros sobre Capital Próprio)

Pós- reforma: vai pagar 36,6%

Impacto: aumento da carga tributária

 

OS REGIMES TRIBUTÁRIOS

• Simples Nacional

Chamado de "simples" porque unifica a cobrança de todos os impostos em uma única guia, o DAS. Pode fazer a adesão micro e pequenas empresas com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões

 

• Lucro presumido

Segundo tipo de tributação mais escolhido entre as empresas, atrás do Simples, e muito comum entre prestadores de serviços, como médicos, dentistas, economistas, advogados. O faturamento deve ser de até R$ 78 milhões. A empresa faz a apuração simplificada do IRPJ e da CSLL. A Receita Federal presume que uma determinada porcentagem do faturamento é o lucro. Com esse porcentual de presunção, não é preciso comprovar ao Fisco se houve ou não lucro no período do recolhimento dos impostos

 

• Lucro real

Geralmente escolhido pelas empresas de grande porte. Tudo é apurado por meio de lançamentos contábeis, gerando receitas, custos e despesas. Ao final de um certo período, o resultado (lucro ou prejuízo) tem a devida tributação

 

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Sob pressão, Lira volta a adiar votação do projeto

 

A pedido do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), o relator da reforma do Imposto de Renda, Celso Sabino (PSDB-PA), fez novas mudanças no parecer, mas a segunda tentativa de aprovar o projeto esta semana acabou frustrada após uma articulação dos Estados para interromper o processo de votação.

Uma hora antes do início da votação, Sabino havia antecipado ao Estadão que as empresas que pagam o Imposto de Renda pelo lucro presumido com faturamento de até R$ 4,8 milhões ficariam isentas totalmente na distribuição de lucros e dividendos. "A isenção atende médicos, advogados, dentistas, restaurantes, bares, lanchonetes, construtoras, comércio que são microempresas, mas não estão no Simples", disse Sabino. Ele estimou em 1 milhão os beneficiados com a mudança.

A mudança, porém, não foi suficiente para afastar as resistências, que continuam. A análise do texto de Sabino já havia iniciado no plenário, mas, sem consenso, líderes de centro e de oposição iniciaram um movimento para adiar a votação.

A sugestão foi levada pelo líder do DEM, Efraim Filho (PB). Líderes do PT, PDT, PSDB e Novo concordaram com proposta.

"Colocar para semana que vem é sem dúvida nenhuma o caminho mais prudente", afirmou o líder do MBD, Isnaldo Bulhões (AL). Ele articulou com representantes do Comitê Nacional de Secretários de Fazenda Estaduais (Comsefaz) o movimento.

Contrariado, Lira acatou a sugestão dos líderes da Casa e adiou a votação da reforma do imposto de renda para a próxima terça-feira. "Está fora de pauta, a pedido dos líderes, para votar na terça-feira, sem compromisso de mérito", determinou Lira.

Ele negou que a reforma possa tirar recursos de Estados e municípios. E avisou: "Não vai se chegar a um consenso nunca em relação a isso quando não se tem boa vontade de sentar e fazer a conta", disse.

Logo após o adiamento, o relator mudou o parecer de novo e, para compensar a perda de arrecadação, resolveu reduzir em 0,5 ponto porcentual a queda da alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) previsto no parecer divulgado anteriormente . A redução da alíquota do IRPJ será de 8,5 pontos porcentuais ao invés de 9,5 pontos porcentuais, passando de 25% para 16,5%.

 

Cobrança. Os Estados cobram do relator que inclua no seu parecer as emendas apresentadas pelo Comsefaz para evitar perda de arrecadação com a aprovação do projeto. O secretário de Fazenda de Pernambuco, Décio Padilha, disse que a votação do projeto do IR cria "inquietação" muito grande aos Estados. Segundo ele, a última versão do parecer traz perda de R$ 16,5 bilhões aos cofres dos Estados e municípios.