O Estado de São Paulo, n. 46686, 13/08/2021. Política p.A6

 

Câmara aprova limite à atuação do TSE e do STF nas eleições

 

Texto que vai a sanção ou veto de Bolsonaro diz que decisões das Cortes só valem se aprovadas até um ano antes da disputa

Camila Turtelli

A Câmara aprovou ontem a proposta que limita a atuação do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e até do Supremo Tribunal Federal (STF) no processo eleitoral, a partir das disputas de 2022. Caso essa versão seja mantida, qualquer decisão das duas Cortes só poderá começar a valer se tiver sido aprovada um ano antes das eleições, respeitando a regra da anualidade.

Se essa norma estivesse em vigor, a determinação do Supremo para que os partidos dividissem os recursos do fundo eleitoral e do horário de propaganda no rádio e na TV respeitando a proporção de candidatos negros e brancos não poderia ser aplicada. Em setembro de 2020, o ministro do STF Ricardo Lewandowski decidiu que a regra deveria valer para as eleições de 15 de novembro daquele ano e o plenário do tribunal manteve o entendimento.

Ainda ontem, a Câmara também aprovou projeto que permite a criação de federações de partidos. O modelo é visto como “tábua de salvação” para driblar a cláusula de barreira, dispositivo que atinge siglas com baixa votação, retirando delas recursos do Fundo Partidário e acesso à propaganda eleitoral, entre outros benefícios.

Para líderes de partidos, a medida também tira o impacto negativo da volta das coligações, que recebeu sinal verde do plenário em um acordo firmado para derrotar o “distritão”. Enquanto as federações obrigam os partidos a permanecer unidos pelo menos durante um mandato, as coligações proporcionais são firmadas de acordo com interesses pragmáticos de uma eleição e se encerram logo após a disputa.

A proposta das federações partidárias obteve 304 votos favoráveis e 119 contrários. A maioria dos partidos apoiou a medida com exceção do PSL, do PSD, do DEM e do Novo. O texto segue agora para apreciação do presidente Jair Bolsonaro e, caso não seja vetado, poderá valer já nas eleições de 2022.

 

Redução. O texto original é de autoria do senador Renan Calheiros (MDB-AL) e permite que dois ou mais partidos se reúnam para que a federação atue como se fosse uma única sigla nas eleições. “A federação, como nova forma de organização partidária, passa a funcionar independentemente do sistema eleitoral, seja ele proporcional ou majoritário. Em qualquer hipótese, participará do processo eleitoral com um só partido e seus candidatos eleitos dessa forma atuarão nas diversas Casas parlamentares e nos governos”, observou o relator da proposta na Câmara, deputado Silvio Costa Filho (Republicanos-PE). Segundo ele, o resultado concreto dessa nova formação “é a redução efetiva do número de partidos, que concorrem às eleições, que atuam nos parlamentos”.

Os partidos da federação serão obrigados a atuar como uma bancada no Congresso, embora possam manter seus símbolos e programas. O tema entrou em debate após o “endurecimento” da cláusula de desempenho, que funciona como “filtro”. O PCdoB, por exemplo, era um dos partidos ameaçados por essa regra. Levantamento do Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) mostrou que, das 33 legendas em funcionamento no País, 15 tiveram menos de 2% dos votos totais nas eleições para vereador no ano passado.

 

_______________________________________________________________________________________________________________________

 

A personalização na política cresce, e o partido enfraquece

 

ANÁLISE: Fernando Guarnieri

 

Abelardo Barbosa, o Chacrinha, dizia ter vindo para confundir, e não para explicar. Observando o relatório da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 125/2011 da reforma eleitoral, a impressão é de que a intenção da relatora, deputada Renata Abreu (Podemos-SP), seria a mesma. Nunca houve uma proposta tão confusa de reforma eleitoral.

Propunha-se a combinação do sistema atual com o de voto único não transferível (conhecido como “distritão”) nas eleições para o Legislativo e o voto alternativo nas eleições para o Executivo. Segundo a justificativa da relatora, nosso sistema eleitoral, por conta da representação proporcional de lista aberta, não seria “inteligível ao eleitor médio” (sic). Por que não, então, complicá-lo um pouco mais?

Com a derrota dos principais pontos do projeto, ao fim e ao cabo parece que se tratou apenas de uma finta. Ao colocar esse bode na sala promoveu-se o retorno das coligações nas eleições proporcionais, o que beneficia diretamente partidos pequenos, como o Podemos da relatora.

A Proposta de Emenda à Constituição ameaçava pulverizar o sistema partidário e, para evitar isso, os partidos “fortes” aceitaram abrir mão de avanços no sentido de diminuir o número de partidos, como a proibição das coligações. Seguiremos o sistema mais fragmentado do mundo, mas evitamos sua atomização.

Passado o susto, o teor do relatório nos alerta para uma tendência em reformas políticas por todo o mundo. O sentimento antissistema tem levado à crescente personalização da política e a um enfraquecimento dos partidos, o que, em uma época que demanda cada vez mais ação coletiva, pode ser um problema.