O Estado de S. Paulo, n. 46658, 16/07/2021. Política, p. A6

Cenário Vitimismo nas redes contraria aliados

Vera Rosa


Dirigentes de partidos do Centrão esperam que a internação de Jair Bolsonaro e o recesso do Congresso, nos próximos dias, sirvam como pausa para um freio de arrumação política. Após a ofensiva de Bolsonaro contra ministros do Supremo Tribunal Federal e ameaças golpistas, o presidente foi instado a adotar o estilo "Jairzinho paz e amor", que não durou 48 horas. Agora, o discurso de aliados mais ideológicos para desviar o foco da crise é puxado pela hasthag #QuemMandouMatarBolsonaro. Pragmático, o Centrão avalia que não se vence a tempestade no gogó e quer um nome do Senado como ministro, para ajudar na articulação do governo.

O presidente tem usado sua doença como mais uma arma contra o PT, ao lembrar da facada sofrida em setembro de 2018, durante a campanha eleitoral. Além disso, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) disse não entender os critérios usados pelo Judiciário para quebrar o sigilo telefônico de "algumas pessoas" e "proteger outras". Nesse capítulo, voltou à cena a acusação de que Adélio Bispo – autor da facada em Bolsonaro – foi financiado por forças ocultas da esquerda para cometer o atentado.

As quebras de sigilo telefônico criticadas por Flávio estão relacionadas a uma nova frente de investigação aberta pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes sobre uma "organização criminosa" envolvendo o "gabinete do ódio" instalado no Palácio do Planalto.

Pressionado pela CPI da Covid, por denúncias de corrupção e pelo crescente desgaste de imagem, agravado por protestos de rua pedindo o impeachment, Bolsonaro ouviu de aliados, dias antes da internação, o conselho para "submergir" e fazer mudanças no ministério. Uma das trocas sugeridas para apaziguar os ânimos seria a nomeação de um senador para o "núcleo duro" da equipe. No diagnóstico desses interlocutores, a estratégia diminuiria as resistências à indicação de André Mendonça para ocupar uma cadeira no Supremo. Mendonça ainda precisa ter o nome aprovado pelo Senado e será sabatinado em agosto, após o recesso.

Um dos líderes do Centrão chegou a dizer ao presidente que, se cada um dos Poderes voltar para "sua casinha", será possível virar a página da crise. Bolsonaro, porém, não quer substituir o ministro da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, seu amigo de mais de 40 anos, apesar dos apelos de aliados, que dão como certa a queda do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR).

Ex-ministro da Saúde, Barros teve o nome citado pelo deputado Luiz Miranda (DEM-DF) em depoimento à CPI da Covid. Até agora Bolsonaro não desmentiu que atribuiu a Barros o "rolo" nas negociações para compra da vacina indiana Covaxin. Na prática, o articulador político do Planalto tem sido Flávio, o filho "01", que encerra as postagens nas redes sociais com a hasthag #QuemMandouMatarBolsonaro. O contra-ataque do governo para sair das cordas passa por criar um novo fato, que une a facada, a esquerda, o mártir e, agora, as eleições de 2022.

A tese da conspiração serve para construir a narrativa do salvador da Pátria sacrificado, que embala a campanha à reeleição com um sofrido "Jairzinho paz e amor". Como na fábula do sapo e do escorpião, no entanto, Bolsonaro sempre seguirá a sua natureza.