O Globo, n. 32773, 30/04/2023. Política, p. 9

PRF planejou blitzes no 2º turno em reunião sigilosa

Malu Gaspar
Johanns Eller


A Polícia Rodoviária Federal (PRF) selou o destino das operações que dificultaram o trânsito de eleitores em redutos lulistas no segundo turno da eleição de 2022 numa reunião convocada às pressas para a sede da corporação, em Brasília. O encontro ocorreu em 19 de outubro, pouco mais de duas semanas após o primeiro turno e a 11 dias da disputa final entre Luiz Inácio Lula da Silva e Jair Bolsonaro. A discussão foi realizada na sessão extraordinária do Conselho Superior da PRF e cercada pelo esforço da cúpula da corporação para eliminar rastros do conteúdo debatido ali.

O plano “Operação Eleições 2022” foi repassado pelo então diretor-geral bolsonarista, Silvinei Vasques, aos superintendentes da PRF na reunião do colegiado. Até mesmo a ata do encontro, que não consta na agenda de Vasques, foi manipulada para que não houvesse registro oficial da operação prevista para o segundo turno. No documento obtido pelo GLOBO, via Lei de Acesso à Informação (LAI) em dezembro, era indicada a participação de 44 dos 49 integrantes do colegiado, entre diretores e superintendentes da PRF nos estados, e informava apenas a discussão de temas triviais, como o cálculo das escalas de serviço em situações excepcionais, mas não o principal objetivo do encontro: planejar as blitzes que impuseram obstáculos aos eleitores de Lula.

Convocação às pressas

Em cinco meses de apuração, a reportagem reconstituiu o que se passou no dia da reunião. As informações foram confirmadas por cinco integrantes da PRF, dos quais três estiveram no encontro e reafirmaram que as operações foram o principal tema naquele dia. Além da convocação de última hora, todos os superintendentes precisaram viajar a Brasília, diferentemente do que ocorre normalmente; para evitar gastos com o deslocamento de 26 chefes, reuniões costumam ser virtuais. Na entrada do auditório em que ocorreu a reunião, participantes precisaram entregar celulares e relógios para evitar gravações.

Segundo interlocutores, a conduta era praxe na gestão de Silvinei Vasques. Os agentes ouvidos pela reportagem contaram que Vasques disse que havia chegado a hora de a PRF tomar lado na disputa e pediu engajamento dos presentes nas operações de 30 de outubro, especialmente no Nordeste. Enfatizou, ainda, que um segundo mandato de Bolsonaro traria benefícios a todos ali e à corporação, que teve suas prerrogativas expandidas no primeiro mandato do então presidente. Dois dos três membros da PRF, contudo, disseram que havia justificativas concretas para o reforço das operações no Nordeste. O argumento era que a permissão dada pelo ministro do STF Luís Roberto Barroso para que prefeituras e governos estaduais fornecessem transporte a eleitores levou a um aumento na previsão de ônibus nas estradas, o que justificaria a operação.

Argumento da PRF

Outro argumento utilizado, a exemplo do que fez também o então ministro da Justiça, Anderson Torres, em uma visita à superintendência da PF na Bahia, uma semana depois do encontro em Brasília, foi o de que havia muitas denúncias de compras de votos na região. A orientação de Vasques para que a PRF preparasse bloqueios em regiões nas quais o candidato petista havia assegurado vantagem no primeiro turno causou perplexidade em alguns dos participantes. Segundo relatos, “houve uma votação para chancelar as operações, e os contrários concordaram em não manifestar suas divergências publicamente”. Ao final, nove participantes da reunião não assinaram a ata. Dos 44 participantes citados no documento, 37 registraram ter estado no encontro do dia 19.

Os outros não colocaram suas assinaturas eletrônicas no documento salvo no sistema do governo até 12 de dezembro, quando a ata foi fornecida ao GLOBO. Um dos participantes tidos como ausentes assinou o texto depois, e outro se recusou a assiná-lo e ficou de fora do arquivo. A primeira assinatura do documento só foi registrada 22 dias após a reunião, em 10 de novembro, 53 minutos após a reportagem solicitá-lo por meio da Lei de Acesso à Informação na plataforma Fala.BR do governo federal.

A segunda assinatura só viria seis dias depois, em 16 de novembro. Outros 23 participantes da reunião assinaram no mesmo dia 16, alguns com intervalo de dois minutos entre si. A última só seria protocolada em 29 de novembro, mais de um mês após o encontro. Já a íntegra do documento só seria disponibilizada pela PRF no dia 12 de dezembro —42 dias depois de registrado o pedido de acesso à informação. O GLOBO tentou o contato de Silvinei Vasques, mas não houve retorno. A PRF informou que apenas os policiais poderão esclarecer suas assinaturas na ata.