O Globo, n. 32771, 28/04/2023. Política, p. 4

Esforço duplo

Sérgio Roxo
Thiago Prado


Avalizada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL), a CPI do MST virou alvo de preocupação do governo e de parlamentares petistas. Para evitar o desgaste do aliado histórico e também do próprio presidente Lula, ministros já começaram a se movimentar para inviabilizar o funcionamento do colegiado.

O temor foi ampliado com a possibilidade de que o ex-ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles (PL-SP) seja indicado relator. Na Esplanada, integrantes do primeiro escalão cogitam atrasar ou boicotar a instalação da CPI. Por isso, já há apelos a Lira para que ele volte atrás e reconheça a ausência de “fato determinado” no pedido de criação da comissão, um dos pré-requisitos para a sua instalação.

Na noite de quarta-feira, Lira fez a leitura de requerimento que cria a CPI. Isso significa que os partidos já podem fazer as indicações de parlamentares que vão compor o grupo.

Lideranças do movimento avaliam que se a comissão for instalada com Salles na relatoria e o deputado Tenente Coronel Zucco (Republicanos) na presidência significa que o governo federal lavou as mãos —as invasões promovidas pelo MST durante o Abril Vermelho, que incluiu uma área da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) em Pernambuco, provocaram descontentamento no Palácio do Planalto.

Os sem-terra, então, planejam, em outra frente, recorrer à Justiça para barrar a CPI com a alegação de falta de objeto específico. O argumento é que o requerimento pede a investigação do movimento em si, e não de uma ação específica praticada. O receio principal é que o relator crie uma narrativa para “criminalizar” o movimento.

Na quarta-feira, a instalação da comissão foi discutida em uma reunião no Planalto entre os ministros Paulo Teixeira (Desenvolvimento Agrário) e Alexandre Padilha (Relações Institucionais). A expectativa é que Padilha, responsável pela relação do governo com o Congresso, interceda junto a Lira.

Gesto convincente

Teixeira argumenta que os sem-terra já deixaram todas as áreas invadidas durante o Abril Vermelho — desde o início do governo Lula, o MST já promoveu atos ou ofensivas em 19 estados.

— Espero que o Arthur Lira reveja a sua posição. Não tem objeto para instalar uma CPI contra o MST. Eles já saíram de todas as ocupações —afirmou o ministro.

Em conversas com integrantes do governo, Lira tem dito que não conseguiu impedir a instalação da CPI porque o MST segue invadindo propriedades mesmo depois de uma reunião na residência oficial com promessas de recuos por parte de suas lideranças. No último domingo, o movimento invadiu três áreas na Bahia, mesmo após ter se comprometido com o deputado a estar mais aberto ao diálogo.

O MST reivindica ainda o comando do Incra em Alagoas, hoje com o primo do presidente da Câmara, Cesar Lira. O governo sinalizou a Lira que vai mantê-lo no cargo, mas ainda assim, como as invasões ainda estão ocorrendo no Nordeste, a instalação da CPI, por ora, está mantida se o movimento não fizer um gesto mais firme de fim das ocupações.

Se não for possível barrar a comissão, integrantes do governo querem, ao menos, negociar para que o presidente e o relator não sejam nomes tão hostis ao movimento, como Salles e Zucco.

Essa missão também é difícil. Como informou O GLOBO, o maior partido do Congresso, o PL, negociou com Lira uma posição de destaque na CPI do MST por ter ficado fora do comando da CPMI dos Ataques Golpistas, que terá maioria governista.

João Paulo Rodrigues, da coordenação nacional do MST, disse, no Twitter que “sem um objeto definido, (a CPI) é mais um palco para destilar ódio contra nossa luta”.

Enquanto isso, a oposição na Câmara já prepara estratégias para o avanço da investigação. Uma das primeiras ações no colegiado, por exemplo, deve ser pedir informações sobre o fluxo de recursos do MST e a quebra de sigilo bancário de suas lideranças. Também há incômodo de ruralistas, insatisfeitos com a condução do governo diante das invasões, já que algumas reivindicações do movimento, como troca de superintendentes do Incra, foram atendidas.

Além das ocupações a sedes do Incra, à área da Embrapa e as recentes na Bahia, o movimento já protestou em propriedades da Aracruz, no Espírito Santo, e da Suzano, também no estado baiano, ambas produtoras de papel e celulose, o que causou mais desgaste junto ao governo federal e aos ruralistas.

Ministro desconvidado

Ontem, em entrevista à CNN, o ministro da Agricultura Carlos Fávaro afirmou que foi “desconvidado” da Feira Internacional de Tecnologia Agrícola em Ação, o Agrishow, que ocorre a partir de segunda-feira em Ribeirão Preto (SP). O desconforto ocorreu após a confirmação de presença de Jair Bolsonaro (PL) na abertura do evento.

De acordo com o ministro de Lula, ele foi informado da participação de Bolsonaro, o que poderia causar tumulto ou constrangimento. Contou que a organização teria sugerido que comparecesse ao segundo dia. Ele recusou e disse ter entendido o recado: —Sem rancor.

A direção da Agrishow negou ter desconvidado Fávaro.