O Globo, n. 32771, 28/04/2023. Economia, p. 15

Armínio: Brasil corre risco de “desembocar em grande fiasco''

Manoel Ventura
Renan Monteiro


O ex-presidente do Banco Central Arminio Fraga criticou duramente o arcabouço fiscal proposto pelo governo federal, em audiência ontem no Senado sobre juros, inflação e crescimento. Ele afirmou que a aritmética da proposta não fecha. Durante o debate, Arminio também comentou que 2023 é o ano da economia e que há risco de o país “desembocar em um grande fiasco”.

— A aritmética não fecha. Não é suficiente zerar o primário (déficit público). Porque zerando o primário significa que você está tomando dinheiro emprestado para pagar os juros. E o juro é esse que a gente conhece. É fundamental caminhar na direção de um saldo primário maior. A aritmética simplesmente não fecha — disse ele, ao lado do ministro da Fazenda, Fernando Haddad, autor da proposta.

Além de Haddad, estavam presentes na sessão comandada pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco (PSDMG), a ministra do Planejamento, Simone Tebet, e o presidente do Banco Central (BC), Roberto Campos Neto.

O governo Lula prevê zerar o rombo nas contas públicas em 2024 e gerar um superávit primário (ou seja, sem contar o pagamento de juros) de 1% do PIB em 2026. A nova política vai substituir o teto de gastos, que impede o crescimento das despesas acima da inflação do ano anterior e que foi criado pelo ex-presidente Michel Temer em 2016.

O arcabouço permitirá o crescimento dos gastos acima do índice de preços, mas isso dependerá do comportamento das receitas. O aumento real das despesas será equivalente a 70% do incremento das receitas acima da inflação. E haverá ainda uma faixa para essa expansão das despesas, que vai variar de 0,6% a 2,5% ao ano.

Arminio defendeu o teto de gastos e criticou a ênfase nas receitas dada pela nova regra:

— Outro ponto que gostaria de comentar é a ênfase no lado da receita. Tudo bem, mas até onde isso vai? A sociedade já sentiu que não dá para ir muito mais longe e falta espaço.

Impacto na arrecadação

O ex-presidente do BC terminou sua fala lembrando que, se 2022 foi o ano da democracia, 2023 é o ano da economia. Arminio assinou a “Carta pela democracia” da USP e declarou apoio a Lula contra Jair Bolsonaro nas eleições. Mas alertou que o Brasil agora corre o risco de “desembocar em um grande fiasco”:

— O ano de 2022 foi um ano de mobilização em apoio à nossa democracia. Foi um ano dificílimo. Foi bom, deu certo. Porém, as coisas agora chamam atenção do lado econômico. Se o ano passado foi o ano da democracia, este é o ano da economia. Eu digo isso porque, na minha avaliação, do jeito que as coisas andam, estamos arriscados a desembocar em um grande fiasco e daqui a pouco abrirmos outra vez a discussão sobre a nossa democracia. Vossas excelências têm poder de virar esse jogo — afirmou, dirigindo-se aos senadores e ministros.

Haddad, por sua vez, voltou a pedir uma “harmonização” da política monetária com a trajetória das contas públicas. Segundo o ministro, se a economia brasileira desacelerar por causa dos juros altos, a queda da arrecadação ocasionará problemas fiscais.

Campos Neto tem sido alvo de críticas do governo pelo patamar da taxa Selic, atualmente em 13,75%. Por conta do nível elevado, essa taxa tende a restringir a atividade econômica.

—Se a economia continuar desacelerando por razões ligadas à política monetária, nós vamos ter problemas fiscais, porque a arrecadação será impactada. Eu não tenho como dissociar o monetário do fiscal —disse Haddad.

Durante sua fala, o ministro disse ainda que tem recebido diversos setores da economia com dificuldades:

— Nós estamos com vários setores da economia drasticamente afetados. Estou a todo instante recebendo setores econômicos de vários tipos dizendo das dificuldades, que vão desde de uma Santa Casa até uma companhia aérea, passando pelo varejo. Essa harmonização é imprescindível para a gente, a partir do ano que vem, crescer com robustez e segurança.

Já Campos Neto voltou a defender a atuação da autarquia no combate ao aumento de preços com o aperto monetário. Segundo ele, o nível de inflação no Brasil “precisa do trabalho que está sendo feito”, isto é, com a taxa básica de juros em 13,75%:

— Temos coletivamente, no governo, caminhado na direção correta e precisamos persistir no processo de garantir a estabilidade de preços, tão importante para os mais pobres. Não se consegue estabilidade social com inflação descontrolada.

BC busca‘suavizar’ o ciclo

Na estimativa do Banco Central, o alcance da meta de inflação de 3,25%, para este ano, poderia ser atingido em menor prazo com uma taxa de juros de 26,5%. Mas, segundo Campos Neto, o BC não subiu os juros a essa taxa porque está buscando “suavizar” o ciclo de aperto monetário e os efeitos na economia:

— O Banco Central sempre suaviza os ciclos, o máximo possível. Então a nossa tarefa é trazer a inflação para a meta com mínimo de custo possível para a sociedade. O crédito segue desacelerando de forma organizada.

A ministra do Planejamento tentou estabelecer um ponto de equilíbrio entre a fala crítica sobre a taxa de juros e a defesa do Banco Central em relação à restrição monetária para conter a inflação:

— Juros, inflação e crescimento são três coisas que devem andar juntas, não isoladas. O crescimento não pode ficar no meio do caminho. O governo tem batido muito nessa questão. A autonomia do BC é importante, mas o BC também não pode considerar que suas ações são apenas técnicas, são decisões que interferem na política, especialmente seus comunicados e atas.

Haddad disse ainda é necessário recuperar a capacidade do Brasil de investir, pediu cortes de gastos e voltou a mirar no que chamou de “caixa-preta das renúncias fiscais” como um fator a ser combatido de forma a aumentar a captação de recursos pela União.

Também defendeu a realização de uma reforma tributária, uma vez que o sistema de impostos brasileiro se tornou um “descalabro”.

— Há que se falar de corte de gastos? Sim, sobretudo o gasto tributário.