O Globo, n. 32770, 27/04/2023. Política, p. 7

Bolsonaro diz que postou sob efeito de morfina

Paolla Serra


O ex-presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem em depoimento à Polícia Federal, em Brasília, que postou sem querer um vídeo em que contesta o sistema eleitoral, dois dias após os ataques golpistas de 8 de janeiro. O advogado Paulo Cunha Bueno, que acompanhou o ex-chefe do Executivo nas cerca de duas horas em que ele foi ouvido pelos agentes, disse que, na ocasião, Bolsonaro estava sob efeito de morfina, usada por causa de uma “crise de obstrução intestinal”.

O ex-presidente depôs no inquérito que investiga quem são os autores intelectuais dos ataques às sedes dos três Poderes. A oitiva foi determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que atendeu a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR).

— Este vídeo foi postado na página do presidente no Facebook quando ele tentava transmitir para o seu arquivo de WhatsApp para assistir posteriormente. Por acaso, justamente nesse período, ele estava internado em um hospital em Orlando — afirmou Bueno. —Ele teve uma crise de obstrução intestinal, foi submetido a tratamento com morfina, foi hospitalizado e só recebeu alta na tarde do dia 10. Esta postagem foi feita de forma equivocada. Tanto que pouco depois, duas ou três horas depois, ele foi advertido e imediatamente retirou a postagem.

Ao justificar a postagem, o ex-secretário de Comunicação Social Fabio Wajngarten, que passou a atuar como assessor do ex-presidente, afirmou que Bolsonaro estava “muito debilitado”:

— A postagem se deu de forma equivocada, poucos momentos após a saída do expresidente do hospital, quando estava sob efeito de remédios e ainda muito debilitado. A mecânica de postagem no Facebook se dá com meros dois cliques no ícone “compartilhar”. A gente juntou ao depoimento o vídeo ilustrativo de como se dá a devida postagem. Ele sequer havia percebido que havia postado o referido conteúdo.

Wajngarten disse ainda que, “em nenhum momento, o presidente fez qualquer juízo de valor quanto ao conteúdo do vídeo” postado.

— Bolsonaro recriminou, no depoimento de hoje, todo e qualquer ato antidemocrático e que visa a gerar instabilidade da ordem democrática. Ele ainda consignou que as eleições de 2022 são páginas viradas —disse o ex-secretário.

O ex-presidente chegou à sede da Polícia Federal, por volta das 9h. Ele foi incluído no inquérito justamente por ter compartilhado, em 10 de janeiro, o vídeo que sugeriu, sem apresentar provas, que a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva foi fraudada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e pelo STF.

Relação com Torres

Questionado se Bolsonaro respondeu perguntas sobre sua relação com o ex-ministro Anderson Torres ou com a minuta golpista encontrada na casa de seu ex-auxiliar, Bueno informou que os investigadores se limitaram a questões relacionadas ao vídeo compartilhado, que seria o objeto da representação do Ministério Público:

— Mas o presidente se colocou à disposição para retornar (a Polícia Federal) a qualquer momento e esclarecer qualquer outro ponto.

Esta é a segunda vez que o expresidente é ouvido pelos investigadores desde que retornou ao Brasil após uma temporada de quase três meses nos EUA. O primeiro depoimento foiem 5 de abril, no âmbito da apuração sobre o caso das joias sauditas que entraram ilegalmente no Brasil com a comitiva do ex-ministro Bento Albuquerque.