O Globo, n. 32770, 27/04/2023. Mundo, p. 22

Papa permite voto feminino em Sínodo dos Bispos



O Vaticano anunciou ontem que o Papa Francisco vai permitir que mulheres votem no próximo Sínodo dos Bispos, um movimento inédito que pode abrir caminho para maior inclusão feminina nas decisões internas da Igreja Católica — causa defendida pelo Pontífice ao longo de seu papado. Francisco também aumentou o número de leigos que vão participar do Sínodo, que é o principal colegiado de deliberação da Igreja.

Reivindicação antiga

As novas regras foram publicadas ontem, em um documento sobre o próximo Sínodo. Pelo documento, a maior parte dos participantes ainda é formada por bispos, mas o Papa adicionou 70 integrantes além deles, com orientação de que 35 sejam mulheres e que a presença de jovens seja incentivada. O texto determina que, por serem integrantes, “eles terão o direito a voto".

Também poderão votar cinco freiras, que vão se juntar a cinco padres como representantes de ordens religiosas. Nos Sínodos passados, as mulheres puderam apenas atuar como auditoras.

O Sínodo dos Bispos é uma instituição permanente de aconselhamento do Papa que reúne bispos de todo o mundo, em encontros periódicos para discutir e votar propostas sobre orientações da Igreja que são enviadas para deliberação do Papa. O tema do evento deste ano gira em torno do estímulo ao maior envolvimento dos fiéis nas questões da Igreja.

O direito de voto era uma reivindicação antiga das mulheres católicas, que chegaram a entregar uma petição com mais de 9 mil assinaturas em 2018.As mudanças vêm ao encontro de manifestações do Papa em defesa da ampliação do poder decisório de mulheres, assim como do estímulo à integração de leigos nos assuntos da Igreja.

Quando Francisco se tornou Papa há uma década, seu tom inclusivo e abertura para mudanças alimentaram as expectativas entre muitas mulheres católicas sobre um papel maior para elas na Igreja Católica.

Em uma coletiva de imprensa em 2013, a bordo do avião papal, Francisco afirmou que a contribuição das mulheres não deveria se limitar “às coroinhas ou a presidentes de ações de caridade”.

Desde então, Francisco nomeou mulheres para cargos na Cúria Romana — o órgão central de governo da Igreja. Em 2021, o Papa fez uma alteração no regulamento da Igreja para permitir que mulheres pudessem fazer a leitura da Bíblia nas missas e distribuir a comunhão nas missas.

Oposição conservadora

A mudança para o Sínodo, embora aparentemente procedimental, representa um avanço concreto em direção à democratização da Igreja, um princípio central do papado de Francisco, que vê o abuso de poder em uma hierarquia distante como a causa de muitos dos problemas da instituição. Há uma década, os conservadores alertam que os esforços de Francisco para abrir a Igreja irão diluir suas tradições e expô-la à ideologia secular. Os conservadores viram o documento apresentado ontem como mais uma prova dessa erosão.

“Está claro que o Papa Francisco [e os cardeais que lideram o Sínodo] estão tentando, de todas as maneiras, trazer para esta instituição todas aquelas pessoas que têm interesse em perturbar a Igreja por suas próprias ambições pessoais”, dizia uma publicação no site católico conservador “Silere non possum”. “Não encontrando mais muitos bispos dispostos a atropelar os ensinamentos de Cristo, eles agora estão se voltando para leigos ambiciosos.”

Mas mesmo cardeais geralmente progressistas que falaram sobre as novas regras insistiram que a influência esmagadora no Sínodo permaneceu nas mãos dos bispos.

— Os 70 novos membros são 21% da assembleia, que continua sendo uma assembleia de bispos — disse JeanClaude Hollerich, arcebispo de Luxemburgo e um dos principais organizadores evento, a repórteres, recusando-se a falar pelas mulheres quando perguntado como elas se refeririam a si mesmas.

O cardeal Mario Grech, outro alto funcionário do Sínodo, foi ainda mais enfático:

— O Sínodo continuará sendo um Sínodo dos Bispos—disse ele, embora também enaltecendo a participação dos membros leigos.