O Estado de São Paulo, n. 46685, 12/08/2021. Política p.A10

 

Câmara cassa mandato de Flordelis, ré por homicídio

 

Camila Turtelli

 

Quase um ano após o Ministério Público apresentar denúncia contra a deputada Flordelis (PSD-RJ), acusada de mandar assassinar o marido, a Câmara cassou o mandato da parlamentar, ontem, por quebra de decoro. Foram 437 votos favoráveis à cassação, sete votos contrários e 12 abstenções. Com a decisão, Flordelis perde a imunidade parlamentar.

“Vocês colocarão a cabeça no travesseiro e vão se arrepender por condenar uma pessoa que não foi julgada”, afirmou a deputada ontem, no plenário da Câmara, antes do início da votação. “Ainda dá tempo de fazer justiça. Não me cassem”, disse.

Os votos contrários à cassação foram dados pelos deputados Carlos Gaguim (DEM-TO), Dimas Fabiano (PP-MG), Fausto Pinato (PP-SP), Glauber Braga (PSOL-RJ), Jorge Braz (Republicanos-rj), Leda Sadala (Avante-ap) e Maria Rosas (Republicanos-sp). As abstenções foram registradas por Tiririca (PL-SP), Dulce Miranda (MDB-TO), Eli Borges (Solidariede-TO), Gutemberg Reis (MDB-RJ), Haroldo Cathedral (PSD-RR), Hugo Leal (PSDRJ), Jefferson Campos (PSBSP), Laerte Bessa (PL-DF), Márcio Labre (PSL-RJ), Paulo Ramos (PDT-RJ), Marco Feliciano (Republicanos-SP) e Stefano Aguiar (PSD-MG).

A perda do mandato de Flordelis já tinha sido aprovada pelo Conselho de Ética da Câmara, por 16 votos a um. O relator, deputado Alexandre Leite (DEMSP), afirmou que a deputada violou o Código de Ética e Decoro Parlamentar e se contradisse sobre fatos envolvendo o crime. “As provas coletadas tanto por esse colegiado quanto no curso do processo criminal são aptas a demonstrar que a representada tem um modo de vida inclinado para a prática de condutas não condizentes com aquilo que se espera de um representante do povo”, escreveu Leite.

Flordelis é acusada de ser a mandante do assassinato de seu marido, o pastor Anderson do Carmo, ocorrido em 16 de junho de 2019, na porta da casa onde os dois viviam com os filhos, em Niterói (RJ). O casal havia conquistado notoriedade por ter criado 55 filhos, a maioria deles adotada.

A deputada, que sempre negou ser a mandante do crime, é ré na Justiça e responde por homicídio triplamente qualificado, tentativa de homicídio, uso de documento falso e associação criminosa armada. Flordelis não podia ser presa até agora por causa da imunidade parlamentar. Ela tem sido monitorada por tornozeleira eletrônica, desde o ano passado.

Ontem, o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al), decidiu levar o caso ao plenário em um formato de “projeto de resolução”, o que permitiu aos parlamentares apresentarem destaques, ou seja, adendos à proposta original. Com isso, a decisão poderia ser revisada, com aplicação de uma pena mais branda, por exemplo, e não apenas se resumir ao “sim” ou “não” sobre a cassação do mandato, caso fosse essa a vontade do plenário.

“Alterei a regra de discussão de cassação de parlamentar no plenário desta Casa por um entendimento da presidência, no sentido de que o plenário é soberano e órgão maior de decisão na Casa Legislativa”, justificou Lira no plenário. “Como projeto de resolução e não como parecer, se 103 parlamentares individualmente acharem que (Flordelis) merece, em vez de uma cassação ou absolvição, uma suspensão de seis meses”, afirmou o presidente da Câmara aos advogados de defesa de Flordelis. Apesar da nova possibilidade, a deputada foi cassada e não houve apoio suficiente para abrandar a pena.

 

Apelo. Durante a votação, que durou mais de duas horas, Flordelis passou a maior parte do tempo sozinha, sentada no fundo do plenário da Câmara, na companhia de seus advogados.

Anteontem, ela enviou uma carta, pedindo “uma chance” aos colegas de Câmara. “Uma chance para que eu possa me defender de um processo injusto de homicídio do meu próprio marido. Uma chance para que eu possa cumprir o mandato que eu fui legitimamente eleita. Uma chance para que minha dignidade seja, um dia, restabelecida”, escreveu Flordelis na mensagem encaminhada por e-mail aos parlamentares.

Os advogados de Flordelis defenderam que ela tivesse a mesma pena dada ao deputado Daniel Silveira (PSL-RJ). O parlamentar foi suspenso por seis meses, no caso em que ele é acusado de fazer ataques a ministros do Supremo Tribunal Federal, mesmo motivo pelo qual o parlamentar foi preso em flagrante em fevereiro.

Foram mais de 11 meses até o Parlamento decidir o destino político da deputada desde que o deputado Léo Motta (PSLRJ) apresentou um requerimento à Mesa Diretora da Casa pela perda do mandato. O processo começou a tramitar no Conselho de Ética em fevereiro deste ano, depois de um hiato do colegiado que ficou suspenso em decorrência da pandemia.

O suplente de Flordelis é o vereador do Rio Jones Moura (PSD), conhecido por ser autor de projeto que autoriza o uso de armas de fogo por agentes da Guarda Municipal carioca.