O Globo, n. 32769, 26/04/2023. Política, p. 4

Avanço na regulação

Lauriberto Pompeu
Camila Turtelli


Com acordo firmado para a votação do mérito do PL das Fake News na próxima terça-feira, a Câmara dos Deputados aprovou ontem, por 238 votos a favor e 192 contrários, um requerimento de urgência para a tramitação da proposta. O texto institui medidas para o combate à desinformação nas redes sociais e prevê a punição de plataformas que violem as regras da nova legislação.

O instrumento de urgência acelera a tramitação do texto ao fazer com que a proposta pule as etapas das comissões e possa ser pautada diretamente em plenário. Caso o texto seja aprovado pelos deputados na próxima semana, a redação ainda precisará passar por uma nova votação no Senado, que dará a palavra final.

Entre os principais pontos previstos estão a responsabilização das plataformas por disseminação de conteúdo ilegal, a determinação de que relatórios de transparência sejam divulgados semestralmente e a criação de uma entidade autônoma para fiscalizar as big techs.

O projeto também estabelece o “dever de cuidado”, que obriga as plataformas a fiscalizar materiais veiculados para impedir propagação de conteúdo ilegal.

Relator da iniciativa, o deputado Orlando Silva (PCdoB-SP) defendeu em plenário a votação da urgência ao ressaltar os “três anos de debates”, com discussão entre diversos setores.

— Esse projeto veio do Senado, tramitou rapidamente lá, e foi objeto de uma série de eventos, seminários internacionais, dezenas de audiências públicas, centenas de reuniões bilaterais, onde a sociedade brasileira, especialistas, as empresas vinculadas ao tema, o governo anterior, o governo atual, todos tiveram a oportunidade de apresentar suas sugestões —afirmou.

Liberdade de constestação

O deputado do PCdoB citou o fato de que a contestação de conteúdos pode ser feita pelo usuário e disse que isso fortalece a liberdade de expressão:

— É muito importante termos uma regra para garantir a liberdade de expressão de todos na internet. A liberdade de expressão está fortalecida em um processo em que o próprio usuário pode contestar quando se sentir prejudicado.

Orlando Silva disse ainda que há uma necessidade de que as plataformas sejam responsabilizadas e que sejam mais transparentes em relação ao seu conteúdo.

O acordo para votar a urgência e o mérito foi construído na tarde de ontem durante uma reunião do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), com líderes partidários.

Parlamentares do PL, que são contrários ao texto, fizeram sugestões, e o relator deve avaliar mudanças. A previsão é que uma nova versão do parecer seja apresentada amanhã. Um dos pedidos já acatado foi a retirada do termo “violência de gênero” do projeto.

Após a aprovação, parte dos parlamentares comemorou nas redes sociais o avanço do projeto. “Acabamos de aprovar a urgência do PL das Fake News na Câmara! Semana que vem vamos votar e aprovar a lei. Basta de mentiras e difusão do ódio pelas redes!”, postou o líder do PSOL na Câmara, Guilherme Boulos (SP).

Da mesma forma, o deputado Alencar Santana (PT-SP) disse que “só é contra o PL das Fake News quem quer continuar espalhando ódio, mentiras e violência”.

Durante a sessão, deputados do PL se recusaram a apoiar o texto e gritaram palavras de ordem no plenário. Em reação, Lira disse que eles estavam promovendo “balbúrdia”.

— Esse assunto não é de brincadeira, é um assunto sério, perdemos três horas discutindo com todos os líderes ponto a ponto as matérias. Teve acordo no colégio de líderes para votar a urgência — disse o presidente da Câmara.

Deputados do PL e do Novo questionaram a necessidade da urgência e reclamaram que o relatório final ainda não havia sido divulgado. Eles sustentaram ainda que havia um acordo para que a votação fosse nominal, com o registro do nome de todos os votantes. Após Lira defender a votação simbólica, sem registro dos nomes, uma solução intermediária foi encontrada.

A votação nominal foi feita, mas com outro instrumento de urgência, que demanda maioria simples para aprovação — ou seja, a maioria dos presentes. Se fosse usada a regra que exige maioria absoluta, prevista anteriormente, seriam necessários 257 votos.

Sugestões do TSE

À tarde, antes da sessão, o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Alexandre de Moraes, entregou a Lira e ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSDMG), sugestões de acréscimos ao texto. Entre as propostas está a previsão de multa de até R$ 150 mil à rede social que não apagar postagens que violem normas previstas na nova regulamentação.

Além da multa, Moraes sugeriu acrescentar um artigo prevendo que as empresas de tecnologia sejam solidariamente responsáveis, civil e administrativamente, por conteúdos direcionados por algoritmos, impulsionados e publicitários pagos, além de contas falsas. O texto entregue pelo magistrado foi elaborado com base nas discussões de um grupo de trabalho criado pelo TSE.

A proposta da Corte Eleitoral inclui ainda a previsão de responsabilidade civil para provedores que não tirarem do ar imediatamente conteúdos e contas quando houver risco ou “dúvida fundada de risco” de dano imediato de difícil reparação e crime de racismo, entre outras ações.

Algumas dessas medidas já estavam previstas no texto do Senado, mas Moraes acrescentou ainda outros itens, como a punição a divulgação de fake news que atinjam as eleições.