O Globo, n. 32769, 26/04/2023. Mundo, p. 16

Biden na urna em 2024



O presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, anunciou formalmente ontem sua candidatura à reeleição, pedindo mais uma chance aos americanos para terminar o que começou. A disputa do ano que vem caminha para ser um repeteco do pleito de 2020, quando o democrata venceu o então presidente Donald Trump —e a recusa do republicano em reconhecer a derrota mergulhou os EUA na maior crise institucional de sua História recente, levando à invasão do Congresso por uma horda de trumpistas radicais.

Biden, que caso seja reeleito terminará o segundo mandato aos 86 anos, fez o anúncio em um vídeo de três minutos compartilhado nas redes sociais às 6h (7h no Brasil). Na gravação, o presidente retrata a disputa eleitoral de 2024 como uma batalha contra a extrema direita.

— Quando me candidatei a presidente há quatro anos, disse que estávamos em uma batalha pela alma dos EUA. E ainda estamos — afirmou Biden no vídeo, que começa com imagens do ataque ao Capitólio em 6 de janeiro de 2021.

— O dilema com o qual nos deparamos agora é se nos anos adiante teremos mais ou menos liberdade, mais ou menos direitos. Sei qual eu quero que seja a resposta e acho que você também. Não é hora de ser complacente. É por isso que concorro à reeleição.

‘Defender a democracia’

O anúncio de Biden ocorreu exatos quatro anos após o lançamento de sua pré-candidatura à vaga democrata na eleição de 2020. Sem mencionar Trump, o presidente diz que os “extremistas MAGA” — sigla em inglês para “Tornem os EUA grandes novamente”, slogan da campanha que levou republicano ao Salão Oval em 2016 —ameaçam a liberdade do povo americano.

—Toda geração de americanos enfrentou um momento em que precisaram defender a democracia — disse Biden.

— Defendam nossas liberdades pessoais. Defendam o direito ao voto e nossos direitos civis. Este é o nosso momento.

Em seu primeiro discurso pós-anúncio, em um sindicato de Washington à tarde, falou sobre devolver a “dignidade” ao povo “esquecido”. Há quatro anos, fez seu primeiro pronunciamento como candidato em um sindicato de Pittsburgh, na Pensilvânia, após divulgar o vídeo lançando-se na corrida à Casa Branca.

Pedidos de doações

Ao New York Times, conselheiros do presidente disseram que ele não deve mudar muito sua rotina nos próximos meses, apostando que os republicanos se engalfinharão nas primárias para definir o candidato do partido, e o trabalho democrata à frente do país se sobressairá.

O foco da agenda democrata deverá ser na recuperação da economia e em atribuir aos opositores a culpa por questões como os retrocessos no direito constitucional ao aborto e a dificuldade de impor mais controles à posse de armas de fogo. Todos os temas foram centrais em suas viagens pelo país nos últimos meses.

Os principais doadores do presidente já foram convidados a um evento em Washington na sexta que dará o pontapé inicial na campanha de arrecadação. O site da candidatura de Biden e sua vice, Kamala Harris, já aceita doações, afirmando que, “juntos, podemos terminar o trabalho pelo povo americano”.

Há problemas, contudo, que podem eclipsar a candidatura: entre eles, investigações sobre os negócios financeiros de seu filho Hunter e a idade avançada, que desperta desconfiança de parte do eleitorado. Nas eleições, Biden estará a semanas de completar 82 anos. Trump terá 78 anos. Segundo uma pesquisa da NBC News no fim de semana, 70% dos americanos, incluindo 51% dos democratas, acreditam que ele não deveria concorrer a um segundo mandato.

Mas a legenda enfrenta dificuldades de renovação, e não há um nome de peso para substituí-lo, frustrando os desejos de alas da esquerda democrata, que gostariam de alguém mais jovem, mais progressista e mais representativo da diversidade do partido —e dos EUA. Apesar disso, não há grandes desafios internos à candidatura de Biden, com os dois desafiantes até agora, Marianne Williamson e Robert Kennedy Jr., sem fôlego.

A campanha pela reeleição será chefiada por Julie Chávez Rodríguez, sua conselheira e a latina a ocupar o cargo mais alto no atual governo americano, dirigindo o Escritório da Casa Branca para Assuntos Intergovernamentais.

Legado em aberto

O resultado do pleito deve ser fundamental para determinar qual será o legado de Biden, que já havia sido vice-presidente de Barack Obama entre 2009 e 2016. Uma segunda vitória sobre Trump —o favorito para abocanhar a indicação do Partido Republicano — sedimentaria o democrata como um presidente bem-sucedido que venceu as afrontas trumpistas à democracia. Uma derrota, por sua vez, iria na direção contrária.

O anúncio da candidatura também coincide com o início do julgamento civil de Trump por difamação e um suposto estupro cometido na década de 1990, após o estado de Nova York aprovar uma lei que permite a vítimas de abuso sexual denunciarem seus agressores independentemente de o crime já ter prescrito.

No início do mês, Trump se tornou o primeiro ex-presidente americano denunciado criminalmente, acusado de falsificar registros comerciais antes das eleições de 2016 para esconder o suposto suborno de US$ 130 mil da atriz pornô Stormy Daniels, a fim de abafar um caso extraconjugal que teriam mantido dez anos antes. Ele nega as acusações.