Correio Braziliense, n. 21614, 21/05/2022. Política, p. 2

Acordo pela “verdade”  sobre a Amazônia

Cristiane Noberto


O presidente Jair Bolsonaro (PL) e o bilionário Elon Musk — dono das empresas SpaceX, Tesla e Starlink — anunciaram, ontem, em São Paulo, o lançamento de um programa de internet via satélite que pretende conectar 19 mil escolas em áreas rurais e promover um monitoramento ambiental “mais tecnológico” na Amazônia. Não foram divulgados, porém, detalhes do acordo.

Bolsonaro buscou no empresário sul-africano um aliado para refutar pressões sobre sua gestão da Amazônia. Ele é muito criticado, no Brasil e no exterior, por sua política ambiental e os números recordes de desmatamento e incêndios na maior floresta tropical do planeta. O chefe do Executivo disse contar com Musk para “mostrar a verdade para o mundo sobre a região tão cobiçada por outros países”.

“Nós vamos mostrar que a Amazônia é preservada. Lógico que existem os nichos de exploração, de queimada e desmatamento irregular, mas a chegada dos satélites vai nos ajudar a preservar. Agora, precisamos, também, desenvolver aquela região, que é riquíssima em biodiversidade e em riquezas minerais”, enfatizou Bolsonaro, reclamando de “quanto malefício causam para nós aqueles que difundem mentiras sobre essa região”.

Presente ao encontro, o ministro das Comunicações, Fábio Faria explicou, durante coletiva de imprensa, que os satélites darão ao governo ferramentas para colaborar no controle do desmatamento. São equipados — conforme destacou — com laser que detectam o ruído das motosserras de quem desmata, e além disso, vão ajudar a vigiar os “focos de calor” na região para controlar possíveis queimadas ilegais. Em novembro, o governo já tinha informado que negociava um acordo com Musk para o fornecimento de internet via satélite na Amazônia.

A notícia sobre o monitoramento amazônico pela Starlink foi recebida com ressalvas por especialistas em Amazônia, já que o Brasil possui um robusto sistema de acompanhamento da situação da floresta — pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), Imazon e Mapbiomas, entre outros.

Ludmila Rattis — pesquisadora do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam) e do Woodwell Climate Research Center — frisou que o controle da situação da Amazônia é feito por um conjunto de monitoramentos que incluem até satélites da Nasa. Ela disse não ver problemas em ter mais um componente que mapeie o bioma, mas ressalvou: “Não pode ser algo para lucro. Se está vindo por garantir o bem-estar de todo o planeta, é muito bem-vindo, para somar esforço”.

Tasso Azevedo, coordenador do Mapbiomas — consórcio de ONGs, universidades e startups que usa imagens de satélite para rastrear a destruição da floresta —, destacou que “trazer internet é ótimo, conectar escolas faz sentido”. “Mas monitorar o desmatamento não faz muito sentido, porque no Brasil isso já é feito com excelência. O que falta é ação, não monitoramento”, frisou.

Custos

Para Basílio Perez — presidente da Federação Latino-Americana e do Caribe das Associações de Provedores de Internet (LAC-ISP) e conselheiro da Associação de Provedores de Internet e Telecomunicações (Abrint) —, não tem lógica o governo contratar um serviço diferente, haja vista que o fornecido por um provedor local “vai sair pelo menos 10 vezes mais barato”.

“O satélite é caro, o equipamento, a instalação e a mensalidade são caros. O satélite é e vai ser útil em determinados locais, mas não pode generalizar. Obviamente que, pelo tamanho da Amazônia, sempre vai ter uma localidade em que não é vantajoso levar um cabo de fibra óptica, será mais fácil um satélite levar o serviço, mas o critério não pode ser porque é da Starlink, tem que ser para quem fornece o serviço mais barato e com maior qualidade”, ressaltou. (Com AFP)