O Estado de São Paulo, n. 46683, 10/08/2021. Política p.A6

 

Câmara define PEC do voto impresso

 

Lauriberto Pompeu

Anne Warth

 

O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), marcou para hoje a sessão que analisará no plenário a proposta de emenda à Constituição (PEC) do voto impresso. A defesa dessa proposta tem feito o presidente Jair Bolsonaro lançar reiteradas ameaças golpistas ao dizer que não haverá eleições em 2022 se não houver mudança no sistema eleitoral.

Nos últimos dias, o confronto entre Bolsonaro, o Supremo Tribunal Federal (STF) e o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) se avolumou. A PEC do voto impresso foi rejeitada na comissão especial da Câmara, na última quinta-feira, por ampla margem – 23 a 11 votos –, mas Lira decidiu levar o assunto a plenário. A tendência é que o Palácio do Planalto seja novamente derrotado nesta votação.

Ao mesmo tempo em que a Câmara apreciará o voto impresso, o Exército, a Marinha e a Aeronáutica farão exercícios militares na Praça dos Três Poderes. Embora a Operação Formosa já estivesse marcada, não se sabia que passaria por Brasília. Até mesmo Lira admitiu que se trata de um procedimento pouco usual, “uma trágica coincidência”.

Bolsonaro acusou mais uma vez o presidente do TSE, Luís Roberto Barroso, a quem chamou de “mentiroso” e “trotskista”, de ser o responsável pela provável nova derrota do governo na Câmara. “Se não tiver uma negociação antes, um acordo, vai ser derrotada a proposta porque o ministro Barroso apavorou alguns parlamentares”, afirmou o presidente. “E tem parlamentar que deve alguma coisa na Justiça, que deve no Supremo, né?”

Lira destacou que políticos eleitos pela urna eletrônica -como é o seu caso e mesmo o de Bolsonaro - não deveriam contestar um sistema que funciona. Mesmo assim, no papel de aliado do governo, o presidente da Câmara disse não descartar alterações que possam tornar a auditoria dos votos mais clara à população.

Entre as medidas, Lira sugeriu uma proposta de ampliação dos atuais programas de auditagem, que pulariam de uma amostra de aproximadamente 100 urnas para 2,5 mil. O deputado disse que, com o voto impresso, a medida teria de valer para 100% das urnas. O TSE assegura que modelo existente no País já é auditável.

Ao comentar sobre o motivo de ter citado um “botão amarelo” quando anunciou que levaria a proposta do voto impresso para o plenário, na sexta-feira, Lira disse que o símbolo mencionado não era apenas para Bolsonaro. “Os Poderes todos do Brasil tem que ter autocontenção, e, talvez, o mais contido dentre todos seja o mais forte para a população que é o Legislativo”, afirmou o presidente da Câmara, em entrevista ao site O Antagonista. Disse, porém, que a abertura de um processo de impeachment a um ano das eleições seria “traumático”.

 

Saída. A perspectiva de nova derrota do Planalto, desta vez no plenário da Câmara, fez com que representantes dos três Poderes articulassem uma saída, na tentativa de baixar a temperatura da crise. “O que precisa haver neste momento é serenidade. Colocar água nesta fervura e que não haja vencedores nem vencidos”, argumentou Lira. “É preciso pacificar o País”.

Na quinta-feira, dia em que a PEC foi rejeitada pela comissão especial, uma reunião foi realizada para tentar amarrar um acordo. Além de Lira, participaram do encontro o chefe da Casa Civil, Ciro Nogueira, os ministros do Supremo Alexandre de Moraes e Gilmar Mendes e o deputado Aécio Neves, ex-presidente do PSDB.

De posse da avaliação de que a proposta da deputada Bia Kicis (PSL-DF) não tem apoio para ser aprovada pelo Congresso, o acordo seria deixar o texto ser rejeitado para, depois, encarregar o TSE de apresentar uma nova iniciativa de aperfeiçoamento do sistema das urnas, que não valeria para as eleições de 2022.

“Essa discussão passou de todos os limites. Após o resultado, se for não aceitar o seu prosseguimento, é importante que o STF e o TSE possam encontrar uma maneira administrativa para serenar as dúvidas mais firmes”, afirmou Lira, em entrevista à Rádio CBN.

O Estadão apurou que Barroso mostrou resistência à proposta de aumentar o número de urnas que passariam por processo de checagem, mas Moraes -- que comandará o tribunal durante as eleições de 2022 -- avaliou que o assunto pode ser discutido.

O governo ainda tenta reverter o cenário desfavorável da análise em plenário do voto impresso. Dos 22 partidos com representantes na comissão especial que analisaram a PEC na Câmara, na quinta-feira, 12 encaminharam voto contra a proposta apresentada por aliados de Bolsonaro, cinco a favor, três não orientaram e dois liberaram os deputados. Ao todo, 24 partidos têm representantes na Casa.

 

‘Maneira administrativa’

“Após o resultado, se for de não aceitar o seu prosseguimento, é importante que o STF e o TSE possam encontrar uma maneira administrativa para serenar as dúvidas mais firmes.”

Arthur Lira (PP-AL)

PRESIDENTE DA CÂMARA

 

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TSE envia notícia-crime contra Bolsonaro ao STF


Corte eleitoral pede que o presidente seja investigado por divulgar em suas redes sociais inquérito sigiloso da PF

Rayssa Motta

 

O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) apresentou ontem ao Supremo Tribunal Federal (STF) uma notícia-crime contra o presidente Jair Bolsonaro pelo vazamento de inquérito sigiloso da Polícia Federal que apura ataque ao sistema interno da Corte eleitoral ocorrido em 2018. O pedido enviado ao Supremo, assinado pelos sete integrantes do TSE, afirma que as informações divulgadas pelo chefe do Executivo "deveriam ser de acesso restrito" e podem prejudicar a realização das eleições.

Na semana passada, Bolsonaro divulgou em suas redes sociais cópia do inquérito. "Conforme prometido, seguem os documentos que comprovam, segundo o próprio TSE, que o sistema eleitoral brasileiro foi invadido e, portanto, é violável", escreveu o presidente. Em reação, a Corte divulgou nota na qual afirmou que o caso "não representou qualquer risco à integridade daquelas eleições".

O pedido de ontem do TSE é para que Bolsonaro seja investigado na mesma frente de apuração, vinculada ao inquérito das fake news, que foi aberta na semana passada na esteira das ameaças do chefe do Executivo ao sistema eleitoral. Caberá ao ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito das fake news no Supremo, decidir sobre o novo pedido do TSE.

"A publicação das informações da Justiça Eleitoral encontra-se igualmente vinculada ao contexto de disseminação de notícias fraudulentas acerca do sistema de votação brasileiro, com o intuito de lesar ou expor a perigo de lesão a independência do Poder Judiciário e o estado de direito", dizem os ministros do TSE na notícia-crime.

O TSE apontou possível crime previsto no artigo 153 do Código Penal, que proíbe a "divulgação, sem justa causa, de informações sigilosas ou reservadas, assim definidas em lei, contidas ou não nos sistemas de informações ou banco de dados da administração pública". Além da abertura do inquérito, o tribunal pede que as publicações do presidente sejam removidas das redes sociais. O Planalto não se manifestou.

O inquérito divulgado por Bolsonaro foi aberto pela PF dez dias após o segundo turno das eleições de 2018 para apurar uma denúncia de invasão do sistema interno do TSE. A investigação foi solicitada pelo próprio tribunal. Não foi constatado nenhum indício de que o ataque tenha afetado o resultado da disputa daquele ano.

 

Resposta. Cobrado a explicar os ataques de Bolsonaro ao sistema eleitoral, o governo federal não apresentou ao Supremo provas de fraudes nas eleições de 2014 e 2018. Os documentos enviados ao STF foram elaborados pela Advocacia-geral da União (AGU) e pela Secretariageral da Presidência a pedido do ministro Gilmar Mendes.

O ministro cobrou o governo em mandado de segurança movido pela Rede Sustentabilidade. Na resposta, a AGU e a Secretaria-geral dizem que a Rede não tem legitimidade para propor a ação e que o partido "não apontou concretamente as normas jurídicas que teriam sido violadas pelo presidente". "A 'prova' do impetrante se dá por retórica de cunho político e a partir de ilações obtidas junto à mídia, sem qualquer suporte documental efetivo."