O Globo, n. 32768, 25/04/2023. Política, p. 5

PF investiga mais um relatório pedido por Torres

Reynaldo Turollo Jr.


A Polícia Federal (PF) investiga se um documento feito a pedido do ex-ministro da Justiça Anderson Torres entre o primeiro e o segundo turno da eleição presidencial, com dados territoriais e de efetivo da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e da PF, foi usado com o objetivo de montar uma operação para dificultar a votação de eleitores do então candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva. Além do mapeamento sobre os locais onde o petista foi mais bem votado, a ex-diretora de Inteligência do Ministério da Justiça Marília de Alencar disse em depoimento que a área técnica da pasta foi demandada por Torres para levantar a quantidade de agentes das corporações que poderia ser usada no dia da votação.

Trata-se do segundo documento feito a mando de Torres na pasta na mira da investigação. Esse planejamento foi encaminhado ao então superintendente da PF na Bahia, Leandro Almada. Às vésperas do segundo turno, Torres viajou ao estado—onde Lula tem votação expressiva — para uma reunião com Almada na qual pediu que a corporação trabalhasse junto com a PRF nas operações de 30 de outubro.

Naquele dia, segundo dados do Ministério da Justiça, a corporação parou 324 ônibus em estradas do Nordeste, onde Lula obteve seus maiores índices de votação, enquanto no Centro-Oeste foram 152; no Sudeste, 79; no Norte, 76; e no Sul, 65. Segundo o atual diretor-geral da PRF, Antônio Fernando Oliveira, a atuação da polícia na ocasião foi “desproporcional” no Nordeste, com mobilização superior à empregada durante as festividades de São João, maior operação da corporação na região.

Relatório encomendado

Os detalhes desse segundo documento investigado constam do depoimento prestado à PF pela delegada Marília de Alencar no último dia 13, obtido na íntegra pelo GLOBO. Marília era diretora de Inteligência na gestão de Torres no ministério, subordinada à Secretaria de Operações Integradas (Seopi). Como antecipou a colunista Malu Gaspar, a delegada confirmou ter feito, a pedido do então ministro, um relatório com os resultados do primeiro turno por localidade.

De acordo com o depoimento de Marília, a justificativa de Torres para a elaboração dos dados era a necessidade de PF e PRF de coibirem crimes eleitorais, como compra de votos. Os documentos eram chamados de “BI” (business intelligence), planilha que permite que vários servidores insiram dados simultaneamente.

A ex-diretora de Inteligência disse que a planilha sobre a distribuição do efetivo da PRF foi elaborada com informações entregues pela própria corporação e “se referiam apenas à localização das unidades operacionais já existentes de forma fixa”. Ela afirmou não “acreditar que os dados da PRF tinham o intuito de pedir recursos para custear as diárias (no dia do segundo turno)”.

Ainda segundo Marília, o levantamento não chegou a ser entregue a Torres, porque ela e outro diretor do ministério constataram que “a planilha era pobre em informações e não servia para atender ao que o MJSP (ministro) havia solicitado, que era visualizar no mapa como estava distribuído o efetivo das polícias (PF e PRF) que atuariam nas eleições em cada Estado”.

Além da planilha sobre a PRF, conforme a delegada, Torres pediu um documento com a organização da PF, “este apresentado de forma completa”. A ex-auxiliar contou que, às vésperas do segundo turno, a mando de Torres, encaminhou esse documento ao chefe da PF na Bahia, Leandro Almada, com quem o ministro havia se reunido. Um dos principais focos da investigação hoje é esclarecer o teor da reunião entre Torres e Almada.

Segundo Marília, o primeiro relatório investigado, com as votações mais expressivas no primeiro turno, não englobava só os eleitores de Lula, mas também os de Bolsonaro. A PF suspeita que esse relatório — com dados da Justiça Eleitoral — tenha servido de base às operações montadas pela PRF no dia do pleito, com maior incidência no Nordeste, reduto de Lula. Procurado pelo GLOBO, o advogado Octavio Orzari, que representa a delegada, afirmou em nota que ela prestou esclarecimentos à PF voluntariamente e “não tem vínculos ou pretensões políticas” .