O Estado de São Paulo, n. 46680, 07/08/2021. Economia p.B1

 

AGU alertou Economia sobre gastos com precatórios, mostram documentos

 

Idiana Tomazelli

Adriana Fernandes

 

O “meteoro” de dívidas judiciais que “surpreendeu” o Ministério da Economia às vésperas do envio da proposta de Orçamento de 2022 já vinha sendo alvo de alertas feitos pela Advocacia-geral da União (AGU) nos últimos meses, segundo documentos obtidos pelo Estadão/broadcast. O impasse em torno do crescimento explosivo dos chamados precatórios deflagrou um jogo de empurra entre a equipe econômica e o órgão jurídico do governo.

Enquanto o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse que a despesa pegou a equipe “de surpresa”, integrantes da AGU afirmam que os riscos de execução das dívidas judiciais não só foram informados, mas estavam mapeados no anexo de riscos fiscais da Lei de Diretrizes Orçamentárias.

Um dos documentos obtidos pela reportagem mostra que, em 19 de março, a AGU enviou um ofício à Secretaria do Tesouro Nacional “para ciência e adoção de eventuais providências” diante da possibilidade de o Supremo Tribunal Federal (STF) emitir um precatório de R$ 8,5 bilhões em favor do Estado da Bahia em ação que questiona os repasses do Fundef, fundo educacional que vigorou até 2006. O texto alerta que o precatório poderia ser expedido ainda em 2021, ou seja, para pagamento em 2022 – o que ocorreu.

O ofício foi encaminhado à Secretaria de Orçamento Federal (SOF) e à Procuradoria-geral da Fazenda Nacional (PGFN), órgão jurídico da Economia. Alertas adicionais foram feitos em 17 de maio e 14 de junho.

Outro documento mostra que, em 24 de novembro de 2020, a AGU solicitou ao Ministério da Economia informações sobre valores antecipados à Bahia para que pudessem ser descontados da dívida da União com o Estado. “Tais informações são necessárias para fins de liquidação do valor devido pela União”, diz o ofício.

Na terça-feira, já sob críticas pela proposta de parcelar as dívidas, Guedes disse que foi pego de surpresa pelo aumento nessa despesa, estimada em R$ 89,1 bilhões para 2022. O valor é 61% maior que os R$ 55,4 bilhões previstos para este ano.

O Estadão/broadcast também teve acesso a dois documentos da Secretaria de Orçamento Federal (SOF) da Economia, em que os técnicos se manifestam sobre comunicado de possível expedição de precatório em favor de Pernambuco (R$ 3,8 bilhões) e Ceará (R$ 2,6 bilhões).

Nos ofícios, de maio e junho, a área diz que a cobrança dessas dívidas “elevaria o risco de comprometimento da capacidade operacional de unidades administrativas federais e de desobediência a normas constitucionais e legais voltadas à uma gestão fiscal responsável, prejudicando o desenvolvimento de outras políticas públicas”.

Desde 2019, técnicos da área fiscal do ministério vinham alertado o então secretário especial de Fazenda, Waldery Rodrigues, para o problema.

Ao mostrar-se surpreso com a fatura, Guedes empurrou o problema à AGU, que não teria avisado com antecedência sobre o passivo judicial a estourar em 2022. O órgão jurídico reagiu com nota dizendo que “não houve nenhuma atuação da AGU que pudesse ser considerada aquém daquela necessária”.

Segundo apurou o Estadão/broadcast, a AGU tentou buscar acordos com os governos estaduais, inclusive para fazer um “encontro de contas”, usando o dinheiro para abater dívida desses Estados com o governo federal. O maior obstáculo foi a necessidade de desenhar um acordo aplicável a todos os credores, sem vantagens para um ou outro.

Procurado por meio de sua assessoria de imprensa, o Ministério da Economia disse que conta de precatórios a ser paga no ano seguinte é apresentada “somente em julho” e que o valor de 2022 “foi, sim, inesperado e atípico”. A pasta defende o parcelamento das dívidas como uma “maneira perene e previsível” de lidar com essa questão.

 

Estados cobram

R$ 15,6 bi

é o dinheiro devido pelo governo federal a Estados, por meio do Fundef. É uma das fatias que contribuem para o estouro dos precatórios previsto nas contas da União para 2022