O Estado de São Paulo, n. 46680, 07/08/2021. Política p.A8

 

Fux cobra ações de Aras para conter crise

 

Weslley Galzo

No auge da crise entre o Planalto e o Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da Corte, Luiz Fux, cobrou ontem ações do procuradorgeral da República, Augusto Aras, diante das ameaças golpistas do presidente Jair Bolsonaro. A reunião entre Fux e Aras, ontem, teve o objetivo de discutir a escalada autoritária de Bolsonaro, que tem feito sucessivos ataques ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a ministros do Supremo e ao sistema eletrônico de votação.

Na conversa, Fux disse a Aras que cabe a ele não deixar a crise se prolongar. Somente o procurador-geral tem o poder de apresentar uma acusação formal contra o presidente e denunciálo. O Supremo toca uma investigação e colhe provas, mas, para condenar o presidente, é preciso uma denúncia da Procuradoria-geral da República.

Tanto Fux quanto Aras pregaram o "diálogo permanente" entre as instituições. O procurador-geral, porém, tem mantido silêncio sobre o confronto entre os Poderes. Aras também vem sendo cobrado por seus pares a se posicionar sobre as ameaças de Bolsonaro às eleições, que tem condicionado a realização da disputa de 2022 ao voto impresso. Oito antecessores do procurador-geral da República divulgaram nota enfática, ontem, em reação às alegações do presidente, sem provas, contra as urnas eletrônicas. Além disso, cinco dos onze integrantes do Conselho Superior do Ministério Público Federal pediram que o procurador-geral eleitoral investigasse o chefe do Executivo por crime de abuso de poder de autoridade nos ataques ao sistema eleitoral.

Indicado por Bolsonaro para ser reconduzido ao cargo, Aras ainda precisa ter o nome aprovado pelo Senado para novo mandato. Visto como homem de confiança do presidente, ele poderá ser indicado a uma vaga no Supremo, em 2023, caso Bolsonaro seja reeleito.

Aliados de Aras observam que ele sempre sonhou em ocupar uma cadeira no Supremo, mas no mês passado Bolsonaro indicou André Mendonça, que deixou a Advocacia-geral da União (AGU), e também terá de passar pelo crivo do Senado.

O procurador-geral é o único com poderes de interromper as investigações abertas contra Bolsonaro no Supremo ou, eventualmente, apresentar uma denúncia criminal para aprovação da Câmara, ao final do inquérito que corre no tribunal. Caso o presidente venha a responder na Justiça, pode ter uma eventual candidatura à reeleição impugnada. Juristas ouvidos pelo Estadão disseram que uma condenação de Bolsonaro em uma ação penal por crime comum – a ser julgado pelo próprio STF – pode implicar em inelegibilidade por 8 anos.

Após o encontro de 45 minutos realizado ontem, Fux e Aras emitiram um curto comunicado para reafirmar que as autoridades devem "reconhecer a importância do diálogo permanente entre as duas instituições", com o propósito de "aperfeiçoar o sistema de Justiça a serviço da democracia e da República".

O Estadão apurou que a conversa ficou concentrada no "contexto" dos eventos e ataques desferidos por Bolsonaro, nesta semana, contra o sistema eleitoral e as urnas eletrônicas. Aras disse que "o clima foi de absoluto respeito pessoal e institucional".

Anteontem, Fux suspendeu a sessão de votações no STF para anunciar o cancelamento do encontro entre os chefes dos três Poderes, que estava previsto para ocorrer nos próximos dias. Em um duro e breve discurso, o ministro afirmou que o presidente não está disposto a dialogar e disse não ser possível tolerar ataques e insultos de Bolsonaro a integrantes da Corte.

A manifestação de Fux foi mais um capítulo da série de reações do Judiciário aos ataques de Bolsonaro às urnas eletrônicas e aos ministros do STF que atuam também na Justiça Eleitoral.

Agora, os holofotes estão sobre Aras, que vai ter que se manifestar sobre o inquérito aberto na última segunda-feira, por ordem do ministro Alexandre de Moraes contra Bolsonaro em razão das alegações sobre fraudes no sistema de votação eletrônico.

 

Investigação. Ao atender ao pedido do TSE e determinar a instauração da investigação contra o presidente, Alexandre deu cinco dias para a PGR se pronunciar sobre o caso. Bolsonaro também é alvo de um inquérito administrativo que corre perante a corte eleitoral.

Enquanto Fux e Aras conversavam no STF, Bolsonaro voltou a atacar os ministros da corte. Em almoço na cidade de Joinville, em Santa Catarina, o presidente voltou a associar o ministro Luís Roberto Barroso a temas como apoio à pedofilia e pediu a apoiadores que colham "subsídios" contra a urna eletrônica.

 

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Subprocuradores exigem reação 'enfática' do PGR

 

Em manifesto divulgado ontem, um grupo de subprocuradores da República atribui ao presidente Jair Bolsonaro crime de responsabilidade pelos ataques a ministros e ameaças ao sistema eleitoral e cobra ação "enfática" do procurador-geral da República, Augusto Aras.

"O regime democrático não tolera ameaças vindas de integrantes de poderes, consistindo em crime de responsabilidade usar de ameaça para constranger juiz a proferir ou deixar de proferir despacho, sentença ou voto, ou a fazer ou deixar de fazer ato do seu ofício", diz o manifesto.

Para os subprocuradores, Aras não pode "assistir passivamente aos estarrecedores ataques" de Bolsonaro aos tribunais superiores. "Incumbe prioritariamente ao Ministério Público a incondicional defesa do regime democrático, com efetivo protagonismo", afirmou o grupo. 

 

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Ministros do STF descartam a possibilidade de 'golpe'

 

Os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) Gilmar Mendes, Luís Roberto Barroso e Alexandre de Moraes descartaram ontem a possibilidade de as Forças Armadas apoiarem qualquer tentativa de golpe no País. "Não acho que as Forças Armadas embarcaram nessa aventura", disse Barroso, que também é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e se tornou alvo de ataques do presidente Jair Bolsonaro.

"Tenho uma postura pública firme de negar a probabilidade de golpe e de afirmar que as instituições estão funcionando", afirmou Barroso. "Duvido muito que as suas lideranças (das Forças Armadas) se deixem seduzir por esse tipo de retrocesso histórico. Nós já superamos os ciclos do atraso", disse o presidente do TSE. As declarações foram dadas durante seminário virtual realizado pelo Insper.

A despeito de os ministros fazerem coro ao dizer que confiam no funcionamento das instituições, Bolsonaro tem provocado as autoridades com ameaças, inclusive contra os integrantes do Supremo. O presidente já disse que poderia agir "fora da Constituição" contra Moraes, que relata um inquérito contra ele por possível conduta criminosa relacionada à disseminação de notícias falsas na transmissão ao vivo realizada no dia 29 de julho.

Como revelou o Estadão, não partem apenas do presidente as ameaças ao sistema eleitoral e à realização das eleições do ano que vem. O ministro da Defesa, general Walter Braga Netto, mandou um recado, por meio de um importante interlocutor político, ao presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-al). Braga Netto mandou avisar que, sem a aprovação do voto impresso pelo Congresso Nacional, não haveria eleições em 2022.

"Não acho que bravatas levem a golpe. Eu acredito fielmente nas instituições e que nós vamos continuar solidificando a democracia", disse Moraes. O relator do inquérito contra Bolsonaro no Supremo já havia se manifestado anteontem, dizendo que "ameaças vazias e agressões covardes" não vão impedir que a "missão constitucional de defesa e manutenção da democracia e do estado de direito" seja cumprida pela Corte.

"A democracia está solidificada. Nós temos tido esses arroubos ao longo desses períodos, mas nós temos visto as respostas institucionais que têm prevalecido. De modo que eu responderia que as instituições têm funcionado", afirmou o decano da Corte, ministro Gilmar Mendes./ W.G.

 

'Arroubos'

"A democracia está solidificada. Nós temos tido esses arroubos ao longo desses períodos, mas nós temos visto as respostas institucionais que têm prevalecido."

Gilmar Mendes

DECANO DO SUPREMO