O Globo, n. 32767, 24/04/2023. Mundo, p. 20

Made in Brazil

Marina Gonçalves


Uma frente ampla, que agrupa partidos de esquerda, direita e centro contra a sigla governista; fake news sobre a eficácia das urnas eletrônicas; polarização e pesquisas incertas. À primeira vista parece a última eleição brasileira, que deu vitória ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva em outubro do ano passado, mas se trata da campanha presidencial do Paraguai, que entra em sua reta final nesta semana —inclusive com brasileiros atuando nas principais candidaturas do país. O novo presidente será conhecido no próximo domingo, dia 30, uma vez que a nação não tem disputa de segundo turno.

Não há consenso entre as pesquisas sobre quem é o favorito para vencer a votação, que pode representar a primeira mudança de governo em dez anos. De todos os modos, dois candidatos aparecem com favoritos: o economista de 44 anos Santiago Peña, do governista Partido Colorado, e Efraín Alegre, advogado de 60 anos, do Partido Liberal —parte de uma ampla coalizão, a Concertação Nacional, que reúne o tradicional Partido Liberal Radical Autêntico (PLRA) e movimentos de centro e de esquerda. No entanto, são os votos do terceiro colocado, Paraguayo Cubas, de 61 anos, do Partido Cruzada Nacional, que devem definir a disputa.

Bolsonarista com Peña

E assim como na eleição brasileira, notícias falsas sobre a eficácia das urnas eletrônicas inundaram as redes sociais e a imprensa do Paraguai, país que utiliza um sistema misto de cartão impresso e urna eletrônica. Uma reportagem publicada pelo jornal paraguaio La Nación — que faz parte do conglomerado de mídia do expresidente Horario Cartes, do Partido Colorado —pôs lenha na fogueira ao acusar a mulher do candidato da oposição de alugar um apartamento na região metropolitana de Assunção para hospedar “hackers brasileiros” para interferir no resultado eleitoral.

A notícia foi amplamente divulgada pelo brasileiro Oswaldo Eustáquio, foragido da Justiça desde dezembro, quando o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes determinou sua prisão por ataques ao processo eleitoral brasileiro. Eustáquio, que é filho e neto de paraguaias, afirma que está no país como “refugiado político”, mas postou fotos em seu perfil apertando a mão de Peña na sede do Partido Colorado, o que gerou especulações de que estivesse atuando oficialmente na campanha do candidato. Em mensagem ao GLOBO, Eustáquio negou ser marqueiteito de Peña, “mas um jornalista posicionado à direita, com base nos princípios e valores conservadores”.

“Atuo de maneira informal, não ligado ao Partido Colorado, e tampouco à campanha”, disse ele. “Neste momento estou viajando pela região fronteiriça, onde existem centenas de empresários e fazendeiros brasileiros, pedindo votos para Santiago Peña. Temos tido sucesso em conquistar votos no interior pela minha fluência no guarani.”

No Brasil, Eustáquio fez campanha para Bolsonaro, mas o equivalente ao ex-presidente no Paraguai seria o terceiro colocado, Paraguayo Cubas — ou Payo Cubas, como é conhecido. Ele se apresenta como antissistema, embora tenha sido senador, e rejeita as instituições tradicionais da política. Em 2019, teve o mandato cassado após agredir um policial e ficou conhecido no Brasil por uma declaração em que prometeu matar “100 mil brasileiros bandidos” que estariam no país.

Justiça atesta urna

A maior parte de seu eleitorado, no entanto, tende mais a fazer um voto pragmático a favor da mudança: ou seja, por Alegre. Sem segundo turno, fica ainda mais difícil definir um resultado tão apertado.

— Apesar da hegemonia e do poder da máquina política do Partido Colorado, nossas pesquisas indicam que 55% dos eleitores querem uma mudança, seja escolhendo Alegre, seja optando por Cubas — explica o analista de risco político da empresa brasileira Atlas/ Intel, Yuri Sanches.

Os boatos sobre a presença de supostos hackers brasileiros que estariam ajudando a campanha do opositor não tiveram comprovação. O Tribunal Superior de Justiça Eleitoral (TSJE), explicou que as urnas não podem ser alteradas por não terem conexão à internet. E o órgão eleitoral reiterou que todas as etapas de inspeção foram abertas aos partidos — novamente posicionamento que lembra muito o adotado pelo TSE brasileiro no ano passado.

Um brasileiro envolvido na campanha de Alegre confirmou que existem conterrâneos que atuam informalmente assessorando o candidato, mas não como hackers: um deles é o cineasta Diego Lisboa, diretor de filmes sobre política, futebol e música. Oficialmente, o assessor político do opositor é Antonio Sola, marqueteiro paraguaio .

O analista político Alfredo Boccia concorda que a campanha foi marcada pelas fake news, o que, segundo ele, deve impactar igualmente os dois candidatos.

— Esta campanha está repleta de notícias falsas e nas redes sociais são divulgadas pesquisas de resultados totalmente diferentes. Como o eleitor não acredita em nenhuma pesquisa, ninguém tem ideia do que pode acontecer no dia 30.

Pesquisas incertas

De acordo com a última pesquisa do instituto Atlas/Intel, divulgada há duas semanas, Peña e Alegre estão tecnicamente empatados, com leve vantagem para o opositor: 38%, contra 36% de Peña. Há levantamentos, no entanto, que dão uma diferença de 25 pontos percentuais a favor de Peña.

Além de Cubas, que conta com cerca de 14% das intenções de voto, há outras diferenças importantes em relação aos dois principais candidatos em comparação à disputa no Brasil.

—Não vejo uma eleição tão polarizada como no Brasil. Será uma eleição que terá, pelo menos, um terceiro protagonista —explica o jornalista e analista político Benjamin Livieres.

— Ainda que parte do setor progressista esteja na Concertação, de Alegre, não é um disputa típica entre esquerda e direita. No Paraguai não existe um equivalente a Lula. Alegre, é do Partido Liberal, de centro. Peña, por sua vez, apesar de ser do Partido Colorado, não tem nada a ver com Bolsonaro.

Peña é apadrinhado político do ex-presidente conservador Horacio Cartes —empresário do setor do tabaco, sancionado pelos EUA como “significativamente corrupto”. Ex-ministro da Fazenda, ele tenta manter a hegemonia do Partido Colorado em eleições nacionais: nos últimos 70 anos, a legenda só ficou ficou de fora do governo uma vez, com o ex-bispo de esquerda Fernando Lugo (2008-12). Mas ele sofreu um impeachment relâmpago antes de terminar o mandato.

Mas, apesar da máquina e da força que tem na sociedade paraguaia, o Partido Colorado não está unido.

— O atual presidente Mario Abdo Benítez não participa da campanha e se refere a Peña de modo depreciativo. Já Cartes, que o apoia, está escondido e não é usado por Peña —explica Boccia.