O Estado de São Paulo, n. 46679, 06/08/2021. Economia p.B1

 

Câmara aprova projeto para venda dos Correios; texto segue para o Senado

Amanda Pupo

Em uma vitória para a agenda de privatizações do governo Bolsonaro e sob críticas da oposição, a Câmara dos Deputados aprovou ontem, por 286 votos a favor e 173 contra, o projeto de lei que abre caminho para a venda dos Correios. Com o aval do Congresso, o governo planeja fazer o leilão da estatal no primeiro semestre de 2022, e se desfazer de 100% da empresa pública.

Agora, a proposta será analisada pelo Senado. A previsão do secretário especial de Desestatização, Desinvestimento e Mercados do Ministério da Economia, Diogo Mac Cord, é que o texto será aprovado pelos senadores até, no máximo, início de setembro e o leilão saia até abril do ano que vem. "Depois da Eletrobras, aprovar o projeto dos Correios logo na sequência passa uma mensagem poderosa para o mercado", disse Mac Cord.

Para justificar a privatização da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), que tem mais de 90 mil empregados e foi criada em 1969, o governo afirma que há uma incerteza quanto à autossuficiência e capacidade de investimentos futuros da companhia. Na avaliação do Executivo, a necessidade de investimentos de R$ 2 bilhões ao ano na estatal justifica sua venda à iniciativa privada.

Alinhado com o governo, o deputado Gil Cutrim (Republicanos-MA), relator do projeto, afirmou que o setor postal passa por transformações, principalmente pela digitalização das comunicações e as transações comerciais online. Para o deputado, a União não tem como suprir a demanda de investimentos, "razão pela qual a desestatização é urgente".

Além da tramitação da proposta no Congresso, o governo terá de acompanhar de perto a tramitação de processo no Supremo Tribunal Federal (STF) que questiona a privatização dos serviços postais. Em julho, o procurador-geral da República, Augusto Aras, se manifestou favorável à ação e afirmou que a Constituição não permite a prestação indireta dessas atividades, como quer o Executivo.

Segundo Mac Cord, o governo tem "toda a segurança jurídica" no modelo de venda escolhido, pelo qual a empresa que arrematar a estatal vai operar os serviços postais por meio de contrato de concessão. O secretário disse haver "zero preocupação" com o processo no STF.

O texto aprovado pela Câmara trouxe a possibilidade de um prazo maior de exclusividade, de cinco anos a partir da publicação da lei, na operação de serviços postais pela empresa que arrematar os Correios. A exclusividade se refere às atividades relacionadas a cartas, cartão postal, correspondência agrupada e serviço público de telegrama.

De acordo com o texto aprovado, os funcionários da estatal terão estabilidade de um ano e meio na empresa a partir do momento da privatização. Também haverá um plano de demissão voluntária com período de adesão de 180 dias contados da desestatização. A empresa que vier a comprar os Correios terá, ainda, que oferecer aos funcionários um Plano de Demissão Voluntária (PDV), com período de adesão de 180 dias a contar da privatização.

Recentemente, a secretária do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Martha Seillier, afirmou que no caso dos Correios deve haver contratações após a venda.

 

A PROPOSTA

• Serviços

O novo operador privado dos Correios precisará manter a universalização dos serviços postais, o que significa atender cidades menos atrativas financeiramente

 

• Regulação

Quem arrematar a estatal vai operar por um contrato de concessão regulado pela Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel)

 

• Servidores

Funcionários da estatal terão estabilidade de um ano e meio a partir da privatização. Eles poderão ainda aderir em 180 dias a um plano de demissão voluntária

 

• Cartas

A empresa privatizada terá exclusividade na distribuição de carta, cartão postal, correspondência agrupada e telegrama por um período mínimo de cinco anos

 

• Agências

Agências dos Correios essenciais para a prestação do serviço em áreas remotas não poderão ser fechadas

 

• Tarifas

Formato de cobrança dos serviços postais será definido pela Anatel. As tarifas poderão ser diferenciadas geograficamente, com base no custo do serviço. Fica prevista também a criação de uma tarifa social

 

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Sindicatos querem convencer senadores a brecar privatização

 

 

 

Frustrados com o resultado da votação na Câmara, os funcionários dos Correios agora vão focar suas energias em conversas com senadores para tentar reverter o processo na Casa. Ainda há expectativa com ação que corre no Supremo Tribunal Federal (STF), que tenta barrar a privatização dos serviços postais e já tem manifestação favorável da Procuradoria-Geral da República (PGR). Além disso, trabalhadores não descartam promover uma greve na estatal, que emprega mais de 90 mil funcionários.

Presidente da Federação Interestadual dos Sindicatos dos Trabalhadores e Trabalhadoras dos Correios (Findect), José Aparecido Gandara afirmou que nenhuma possibilidade pode ser descartada nesse momento. “Temos 100 mil trabalhadores, cada família tem em torno de quatro pessoas, então, são 400 mil pessoas que vão ficar numa situação difícil, num momento que mais precisamos de empregos. É uma angústia muito grande dessas famílias, muito grave essa situação”, disse ele, com receio de demissões. Já no governo a avaliação é que, diferentemente dessa percepção, os investimentos esperados com a privatização dos Correios poderão até gerar novas contratações.

Gandara ressaltou que, primeiramente, os movimentos buscarão um diálogo com o Senado, mas ponderou que é preciso haver pressão popular contra a iniciativa do governo. “Então, a gente vai ter de reagir, governos passam e a empresa fica.”

Outra colocação dos movimentos de trabalhadores é que os preços das tarifas deverão aumentar de valor. “Muito, vai aumentar muito. Você imagina que, hoje, os Correios têm imunidade tributária. E não faz sentido dar imunidade tributária para empresa privada. Só isso vai significar aumento imediato de pelo menos 10% na tarifa”, disse o vice-presidente da Associação dos Profissionais dos Correios (Adcap), Marcos César Alves Silva.

Silva também afirmou que a estratégia agora será de diálogo com os senadores, que serão responsáveis por analisar a proposta aprovada pela Câmara. “A associação tem uma atuação técnica, não temos viés ideológico. No Senado, esperamos encontrar um ambiente mais técnico”, disse ele. / A.P.