O Estado de São Paulo, n. 46679, 06/08/2021. Política p.A4

 

Fux rompe diálogo e cancela encontro com Bolsonaro

Weslley Galzo

Vinicius Valfré 

Rayssa Motta

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, anunciou ontem o cancelamento da reunião entre os chefes dos três Poderes, sob o argumento de que não é possível tolerar ataques e insultos do presidente Jair Bolsonaro a integrantes da Corte. O duro pronunciamento de Fux foi feito após Bolsonaro ter lançado mão de novas ameaças golpistas e dito que “a hora” do ministro do STF Alexandre de Moraes “vai chegar”. Na ofensiva, afirmou que Moraes e o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Roberto Barroso, também compõem a “ditadura da toga”.

Com o agravamento da crise, Fux paralisou uma sessão do Supremo para dizer que Bolsonaro não cumpre a palavra, pois já o havia alertado, no mês passado, sobre os limites da liberdade de expressão, diante dos insultos direcionados principalmente a Barroso e Moraes, e o “inegociável respeito” para a harmonia institucional.

A escalada retórica do presidente, condicionando as eleições de 2022 ao voto impresso e insultando os magistrados, foi vista pelo Supremo como obstáculo para qualquer conversa. Na noite de ontem, o Palácio do Planalto sofreu uma derrota na Câmara já que o parecer do deputado Filipe Barros (PSL-PR), relator da proposta que institui o voto impresso no Brasil, foi rejeitado na comissão especial.

“O pressuposto de diálogo entre os Poderes é o respeito mútuo entre as instituições e seus integrantes”, disse Fux. “Como afirmei em pronunciamento por ocasião da abertura das atividades jurisdicionais deste semestre, diálogo eficiente pressupõe compromisso permanente com as próprias palavras, o que, infelizmente, não temos visto no cenário atual.”

A reunião entre Fux, Bolsonaro e os presidentes da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), era para ter ocorrido no dia 14 de julho, mas Bolsonaro precisou ser internado em São Paulo. Fux planejava remarcar o encontro para os próximos dias, mas, diante dos novos ataques, cancelou a tentativa de promover melhor relacionamento com o Palácio do Planalto.

Fux disse que, além de reiterar ofensas e inverdades contra integrantes da Corte, Bolsonaro mantém a divulgação de “interpretações equivocadas de decisões do plenário, bem como insiste em colocar sob suspeição a higidez do processo eleitoral brasileiro”.

 

‘Hora’. O pronunciamento do presidente do STF ocorreu um dia depois de Bolsonaro ter elevado o tom novamente, na esteira da decisão de Alexandre de Moraes, que aceitou a notícia-crime apresentada pelo TSE. Moraes incluiu o presidente no inquérito das fake news por suas declarações sem provas contra o sistema eletrônico de votação e as ameaças à realização das eleições de 2022.

“A hora dele vai chegar porque está jogando fora das quatro linhas da Constituição há muito tempo. Não pretendo sair das quatro linhas para questionar essas autoridades, mas acredito que o momento está chegando. Alexandre de Moraes é a própria mentira dentro do STF”, afirmou ontem o presidente, em entrevista à Rádio 93 FM, do Rio. “Não dá para continuarmos com ministro arbitrário, ditatorial.”

Em postagem publicada ontem nas redes sociais, Moraes foi econômico na resposta. “Ameaças vazias e agressões covardes não afastarão o Supremo Tribunal Federal de exercer, com respeito e serenidade, sua missão constitucional de defesa e manutenção da Democracia e do Estado de Direito”, escreveu ele.

 

Armas. Na véspera, Bolsonaro também já havia dito que não aceitaria intimidações. “Um inquérito que nasce sem qualquer embasamento jurídico não pode começar por ele (Supremo). Ele abre, apura e pune? Está dentro das quatro linhas da Constituição? Não está, então o antídoto para isso também não é dentro das quatro linhas da Constituição”, afirmou ele, em entrevista ao programa Os Pingos nos Is, da Rádio Jovem Pan. “Aqui ninguém é mais macho que ninguém.”

Na mesma entrevista, Bolsonaro repetiu que pode não respeitar a Constituição. “Olha, eu jogo dentro das quatro linhas da Constituição. E jogo, se preciso for, com as armas do outro lado”, insistiu, ao pregar a instalação da CPI das urnas eletrônicas.

Como revelou o Estadão, no último dia 8 Lira recebeu um recado do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, por meio de um interlocutor político. Na ocasião, o general pediu para comunicar, a quem interessasse, que não haveria eleições em 2022 sem aprovação do voto impresso.

Sem dar trégua, Bolsonaro mais uma vez chamou o povo para ir às ruas defender a Constituição. “Podemos reunir o povo em São Paulo para mais um apelo ao ministro Barroso”, afirmou. Na transmissão ao vivo pelas redes sociais, o presidente também convidou Fux para acompanhá-lo em ato com apoiadores, no dia 7 de setembro, na capital paulista, e disse que quer a “harmonia” entre os Poderes.

Em queda nas pesquisas de intenção de voto, Bolsonaro tem dito que Barroso apoia o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que hoje lidera esses levantamentos, e afirma haver um “complô” para derrubá-lo do poder.

Bolsonaro também disse que há um inquérito da Polícia Federal mostrando o acesso de hacker a sistemas da Justiça Eleitoral, em 2018. O TSE divulgou nota para destacar que o caso foi amplamente divulgado à época e não representou qualquer risco à integridade daquelas eleições.

 

‘Diálogo’

“Como afirmei em pronunciamento por ocasião da abertura das atividades jurisdicionais, diálogo eficiente pressupõe compromisso permanente com as próprias palavras, o que, infelizmente, não temos visto no cenário atual.”

Luiz Fux

PRESIDENTE DO SUPREMO

 

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‘CPI do TSE’, o novo bode na sala dos Três Poderes

 

CENÁRIO: Vera Rosa

 

Pressionado pela abertura de investigação no Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Jair Bolsonaro recorre agora a mais uma manobra para alimentar a milícia digital e ofuscar as denúncias de corrupção investigadas no Senado pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid. Nesta temporada em que o Centrão dá as cartas, aliados do governo vão tentar emplacar na Câmara a CPI do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Sob a justificativa de apurar suspeitas de adulteração de urnas eletrônicas, a estratégia embute uma nova ofensiva para enquadrar o “ativismo judicial” de integrantes do STF e de tribunais superiores, colando em Bolsonaro o carimbo de vítima do sistema que não o deixa governar.

Bolsonaro tem uma nova hashtag para empunhar, que atende pelo nome de #CPIdoTSE. E, até a próxima crise, é esse bode que ficará na sala. A nova CPI foi proposta pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), filho ‘03’ do presidente, que já começou a coletar assinaturas para sua instalação – são necessárias 171.

Para o Palácio do Planalto, no entanto, qualquer que seja o desfecho dessa ruidosa crise, Bolsonaro já ganhou o discurso do voto impresso, mesmo perdendo na comissão especial da Câmara, como ocorreu ontem, porque conseguiu semear a dúvida na cabeça do eleitor sobre a eficácia das urnas eletrônicas. Mesmo que não haja CPI – que, aliás, é vista como inconstitucional por especialistas, como a da “Lava Toga” –, o mundo das hashtags de Bolsonaro continua fervilhando.