O Globo, n. 32763, 20/04/2023. Política, p. 4

O general e os golpistas

Sérgio Roxo
Jeniffer Gularte
Eduardo Gonçalves
Paula Ferreira


Em mais um capítulo da crise iniciada com os atos golpistas de 8 de janeiro, o ministro do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Gonçalves Dias, pediu demissão ontem após virem à tona imagens em que ele aparece dentro do Palácio do Planalto no momento da invasão. GDias, como o general é conhecido, vinha sofrendo pressão e perdendo espaço desde os ataques, situação que se tornou insustentável com a revelação do conteúdo do circuito interno de segurança. O cargo será ocupado interinamente por Ricardo Cappelli, nome de confiança do ministro da Justiça, Flávio Dino, e ex-interventor na segurança pública do Distrito Federal.

A interação de GDias e de outros integrantes do GSI com golpistas foi revelada pela CNN Brasil. De acordo com aliados, ele havia relatado ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva, de quem é próximo, a sua presença no Planalto, mas sem informar a dimensão da atuação de seus subordinados no episódio. O general aparece andando ao lado de golpistas no andar em que fica o gabinete presidencial e, em um dos momentos, abre uma porta para que os extremistas se afastem das cercanias do espaço destinado a Lula. Um dos integrantes do GSI surge abrindo um armário para entregar água aos bolsonaristas radicais — o mesmo militar não intervém quando um golpista carrega um extintor de incêndio. As imagens do circuito interno do Planalto haviam sido colocadas sob sigilo pelo próprio GSI.

A decisão pela saída de GDias foi selada em uma reunião no Planalto. Além de Lula e Dino, participaram os ministros Alexandre Padilha (Relações Institucionais), Rui Costa (Casa Civil), Paulo Pimenta (Secretaria de Comunicação Social), o vicepresidente Geraldo Alckmin e o diretor-geral da Polícia Federal, Andrei Passos. O endosso à troca no GSI foi unânime. Depois, GDias foi convocado para uma conversa a sós com Lula e tomou a iniciativa de pedir demissão. O oficial do Exército foi o primeiro integrante do primeiro escalão a perder o cargo — nas gestões anteriores do petista, as baixas demoraram mais a começar a ocorrer.

O desfecho se deu após meses de intensa pressão sobre o militar, que já havia perdido o comando da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), transferida à Casa Civil, além de ter sido alvo de cobranças públicas de Lula. Após a ação golpista, o presidente afirmou que as portas foram “abertas” aos extremistas e que havia “gente aqui dentro conivente” —cabe ao GSI cuidar da segurança das instalações. Lula acrescentou que os serviços de inteligência do governo não haviam funcionado, outra atribuição do general.

Ontem, o cenário se agravou. Na Comissão de Segurança Pública da Câmara, onde estava prevista uma audiência com GDias para tratar dos atos de 8 de janeiro, a situação foi exemplificada por uma declaração do deputado governista Orlando Silva (PCdoB-SP). Com a crise já instalada, o militar informou que não poderia comparecer por motivos de saúde.

— As imagens publicadas geram uma situação constrangedora. O ministro GDias perdeu a condição de comandar o GSI —afirmou Silva, horas antes de a saída ser oficializada.

As novas informações também esvaziaram a operação do governo para travar a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) sobre os ataques às sedes dos três Poderes, e integrantes da base passaram a tratar a investigação como inevitável (leia mais na página 6).

Em entrevista à TV Globo, GDias afirmou que entrou no Planalto depois da invasão e estava atuando para retirar os extremistas e encaminhá-los ao segundo andar, onde seriam detidos. De acordo com a colunista Bela Megale, do GLOBO, a Polícia Federal vai intimá-lo a depor na investigação sobre os atos.

— Na sala ao lado da do presidente, retirei três pessoas e mandei que descessem. Fui verificar se as portas estavam fechadas e se não houve depredação. Tenho 44 anos de Exército e sempre pautei minha vida em cima dos valores éticos e morais.

Relação próxima

A troca atende ainda à estratégia de desmilitarizar o GSI, que já perdeu espaço na segurança pessoal de Lula e Alckmin para uma estrutura chefiada por um delegado da Polícia Federal. Cappelli, ainda que interino, será um civil à frente de um órgão tradicionalmente comandado por militares, mesmo em governos petistas. A expectativa é que o substituto seja anunciado quando Lula voltar da Europa, para onde viaja hoje. O governo também exonerou o general Ricardo José Nigri da função de secretário-executivo, o número 2 da pasta.

Em outro aspecto, a demissão representa uma baixa dentro de um núcleo bastante próximo a Lula. GDias atuou no comando da segurança pessoal do petista entre 2003 e 2009, fase que abrange todo o primeiro mandato e parte do segundo. Na época, ficou conhecido como “sombra” de Lula, ao estar ao lado do petista em todos os deslocamentos, de compromissos oficiais a programas mais amenos, como pescaria. Em seguida, já sob a gestão de Dilma Rousseff, foi chefe da Coordenadoria de Segurança Institucional da então presidente, época em que foi promovido a general.

Após a demissão ser oficializada, a Secretaria de Comunicação Social da Presidência (Secom) afirmou que o governo tem tomado todas as medidas para investigar a ação de 8 de janeiro e que não “haverá impunidade para os envolvidos nos atos criminosos”. Já o GSI informou que apura as condutas de seus agentes durante os ataques e que os servidores agiram para retirar os invasores do terceiro e do quarto pisos do Planalto, concentrando os extremistas no segundo andar.