O Estado de São Paulo, n. 46672, 30/07/2021. Política p.A10

 

Coaf aponta elo suspeito de Maximiano

 

Julia Affonso

Vinicius Valfré

Gabriela Biló

Uma transação financeira de Francisco Maximiano, dono da Precisa Medicamentos – empresa contratada pelo governo de Jair Bolsonaro para fornecer a vacina indiana Covaxin –, o vincula a um empresário suspeito de distribuir propinas a políticos. Um relatório financeiro do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), em posse da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado, registrou como atípico o pagamento de quase R$ 1 milhão da 6M Participações, controlada por Maximiano, a uma empresa ligada ao empresário Helder Rodrigues Zebral, ex-dono da churrascaria Porcão e condenado por improbidade administrativa.

Criada em 2012, a 6M Participações é registrada na Receita Federal como uma controladora de instituições não-financeiras. O capital social informado pela empresa ao Fisco foi de R$ 500. O relatório do Coaf, porém, registra uma movimentação de R$ 66,5 milhões da empresa, entre 1.º de setembro do ano passado e 28 de fevereiro deste ano.

"Despertou nossa atenção o fato de a empresa ter transacionado valores expressivos com contrapartes que, aparentemente, não possuem vínculo com sua atividade e que estão localizadas em região distante do local de atuação", afirmou o órgão no documento.

A 6M recebeu, em 6 meses, R$ 33,3 milhões em crédito – a maior parte vinda de outras empresas de Maximiano. Em débito, a 6M gastou R$ 33,2 milhões. Uma dessas transações foi um pagamento de R$ 994 mil à Fênix Cobrança e Assessoria Financeira, empresa criada no segundo semestre do ano passado por Nilvan Rodrigues Zebral, irmão de Helder Zebral e cujo capital social é de R$ 30 mil.

Em meio à pandemia da covid-19, Nilvan abriu três empresas financeiras. Em um intervalo de uma semana, ele abriu a Fênix Cobrança, a Resende Cobrança e Assessoria Financeira e a Invest Factoring Fomento Mercantil, todas com sede em Luziânia, interior de Goiás.

A Fênix Cobrança não foi a única empresa de Luziânia que fez negócios com Maximiano. A JP Cobrança e Assessoria Financeira, localizada na mesma rua da Fênix, também caiu nos registros da CPI da Covid por ter negociado, não com a 6M, mas com a Precisa Medicamentos.

A reportagem contatou Nilvan Zebral e perguntou qual serviço a Fênix prestou para a 6M Participações. Ele disse que o melhor seria falar com seus advogados e encerrou a ligação. Helder Zebral afirmou que o dono da Precisa foi à empresa de seu irmão pedir um empréstimo e que só esteve com ele uma única vez. Segundo ele, o pagamento da 6M seria em devolução ao empréstimo. Helder Zebral negou ter relação com vacinas, com o Ministério da Saúde e com Maximiano. "Ele deu garantia real, que é um apartamento em São Paulo. O cara é bom cliente."

A reportagem esteve em Luziânia na manhã de quarta-feira e não encontrou as sedes das empresas de Nilvan nem da JP Cobrança. A rua onde ficariam as sedes da Fênix e da JP Cobrança tem casebres e comércios pequenos. A Invest Factoring e a Resende Cobrança informaram a mesma sede ao Fisco, e uma delas indicou, inclusive, uma sala comercial. Ambas as empresas são registradas no mesmo endereço de um hotel de Nilvan Zebral.

Uma suposta tomada de empréstimo semelhante foi citada na investigação que levou à cassação do ex-governador do Tocantins Marcelo Miranda (MDB), em 2018, pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Ex-dono da Churrascaria Porcão, em Brasília, Zebral teve ligações com políticos desnudadas no âmbito das investigações contra o bicheiro Carlinhos Cachoeira, na Operação Monte Carlo. Um grampo da Polícia Federal, de abril de 2011, flagrou o bicheiro dizendo que Zebral era sócio do então governador de Goiás Marconi Perillo (PSDB) em um avião Cessna de R$ 4 milhões. Na época, Zebral e Perillo negaram a sociedade.

 

Condenação. Zebral foi condenado por improbidade administrativa em 2014, pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4) e em julho deste ano pelo Tribunal de Justiça de Goiás. Em ambos os processos, a Justiça apontou um direcionamento para que o Instituto de Tecnologia Aplicada à Informação (ITEAI), controlado pelo empresário, vencesse licitações para compra de material de informática em Encruzilhada do Sul (RS) e em Novo Gama (GO).

Ao condenar Zebral, o desembargador federal do TRF-4, Luís Alberto D'Azevedo Aurvalle, afirmou que o ITEAI havia celebrado contratos com cerca de 220 municípios. Os acordos teriam sido fechados no começo dos anos 2000.

Procurado, o advogado de Maximiano não se manifestou. A reportagem também pediu explicações adicionais a advogados da família Zebral sobre o suposto empréstimo via empresa de cobrança, sobre as empresas não funcionarem nos locais informados e sobre o processo no qual também é citada uma operação de crédito. Não houve retorno. A reportagem ligou para uma das sócias da JP Cobrança e Assessoria Financeira na quarta-feira, mas não respondeu aos questionamentos.

_______________________________________________________________________________________________________________________

 

Contrato da Covaxin é cancelado

 

O governo federal anunciou ontem que o contrato para a compra da vacina indiana Covaxin, contra a covid-19, será cancelado. Segundo o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, a decisão foi tomada após avaliação da Controladoria-Geral da União (CGU). O contrato, de R$ 1,6 bilhão, previa a compra de 20 milhões de doses.

As suspeitas de ilegalidades surgiram durante a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, no Senado. No anúncio, o chefe da CGU, ministro Wagner Rosário, buscou desqualificar as descobertas da comissão e criticar o servidor público Luis Ricardo Miranda, que falou em "pressão atípica" para autorizar a importação da vacina mesmo com inconsistências no processo.

Aliado do presidente Jair Bolsonaro, Rosário declarou que a investigação do órgão detectou como problema duas cartas enviadas ao Ministério da Saúde e supostamente assinadas por um diretor da Bharat Biotech, farmacêutica que produz a Covaxin. A empresa indiana informou na semana passada que não reconhecia a autoria dos documentos enviados ao ministério pela Precisa Medicamentos, empresa brasileira que intermediava a compra. "Esses dois documentos foram confeccionados a partir de um miolo de imagem de texto em português sob uma moldura de imagem de outro documento digitalizado", disse Rosário. "Não temos certeza de quem fez isso."

A principal irregularidade apurada pela CPI, sobre invoices (notas fiscais internacionais) entregues pela Precisa que contrariavam termos do contrato, não foi reconhecida na auditoria da CGU. Os documentos foram apresentados por Luis Ricardo e o irmão dele, o deputado Luis Miranda (DEM-DF). Dentre os erros, estavam o pedido de pagamento a uma terceira empresa (Madison Biotech) e de forma 100% adiantada, o que também contrariava o acordo formal.

O ministro não viu problemas nas invoices. Segundo ele, todas as imprecisões das notas fiscais foram detectadas pelo controle interno da Saúde.

Rosário criticou o fato de o servidor ter feito a denúncia ao irmão e ao presidente. "A única coisa que a gente vai esclarecer para ele (Luis Ricardo) é que dentro do governo federal existe um mecanismo chamado FalaBR, que é um canal de denúncia. Canal de denúncia não é procurar irmão, nem procurar o presidente", disse.

 

_______________________________________________________________________________________________________________________

 

Pedido de Bolsonaro foi informal, diz Pazuello

 

Em depoimento à Polícia Federal, na manhã de ontem, o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello afirmou que o presidente Jair Bolsonaro lhe pediu que "averiguasse se estava ocorrendo alguma irregularidade" no contrato da vacina indiana Covaxin durante uma "conversa informal" no Palácio do Planalto. O general disse que solicitou ao ex-secretário executivo da pasta, Élcio Franco, que verificasse o contrato, tendo recebido um retorno de que seu número 2 no ministério havia feito uma apuração e não constatado irregularidades no contrato.

Pazuello foi ouvido na sede da PF em Brasília por investigadores que atuam no inquérito sobre suposta prevaricação de Bolsonaro no caso Covaxin e por agentes que investigam irregularidades no contrato da vacina indiana, a mando do ministro da Justiça Anderson Torres. Os detalhes do relato foram divulgados pela CNN e confirmados pelo Estadão.

O general deixou a PF por volta de 14h30 e não conversou com jornalistas. Após as oitivas, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Covid, afirmou no Twitter: "Pazuello, que mentiu à Comissão, confirmou: as graves ilegalidades da vacina superfaturada não foram investigadas. É o caso de prevaricação."

Pazuello disse à PF que, na época em que se deu pedido para verificar o contrato, "o panorama não era de um ambiente de gravidade". O general alegou se lembrar da 'informalidade' da conversa com Bolsonaro porque "despachava com o presidente inclusive em pé".

Com relação à verificação que teria sido feita, o ex-ministro disse não saber qual foi o tipo de apuração que Élcio Franco teria realizado, nem se teve a participação de outras pessoas. Além disso, afirmou não se lembrar de, após receber a resposta de Franco, ter informado Bolsonaro. "Como o assunto foi tratado numa situação de normalidade de 'denuncismo', tanto esse quanto outros assuntos, foram analisados da mesma maneira."