O Globo, n. 32762, 19/04/2023. Economia, p. 14

O BNDES vem para somar, não para substituir

Entrevista: Nelson Barbosa - Diretor de planejamento no BNDES


Com o objetivo de dobrar de tamanho nos próximos quatro anos, conforme previu o presidente do BNDES, Aloizio Mercadante, o banco de fomento planeja atrair recursos da iniciativa privada para o investimento em escolas, hospitais, mobilidade urbana e manejo de florestas dentro do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). A ideia é estimular parcerias público-privadas (PPPs) em escala nacional, em diferentes áreas, explica o diretor de Planejamento do BNDES, Nelson Barbosa, em entrevista ao GLOBO. Para financiar projetos e atrair investimentos, Barbosa aguarda a redução dos juros pelo Banco Central (BC) no segundo semestre.

Uma das metas do BNDES é dobrar o tamanho do banco ao longo do mandato de Lula. Quais projetos serão o foco?

Os desembolsos do BNDES no ano passado foram de aproximadamente 1% do PIB, mas chegaram a cair a 0,6% do PIB no mandato de Bolsonaro. Achamos que o BNDES pode, até 2026, chegar a um desembolso médio anual de 2% do PIB. Se for para 2% até 2026, a gente se alinha aos bancos (de desenvolvimento) da Alemanha, da Coreia, da Itália. Mas, para fazer isso, tem que ter demanda, com a economia se recuperando. Daí o foco nas micro, pequenas e médias empresas, na infraestrutura via concessão, nas PPPs e na recuperação do financiamento ao comércio exterior.

Qual será papel do BNDES no novo PAC?

A intenção é lançar o plano até meados de maio. Como banco de desenvolvimento, o BNDES atua no financiamento e na estruturação de projetos. Ajuda a mapear oportunidades, estruturar projetos de concepção, PPPs e até projetos privados. E atua como financiador quando esses projetos começam a ser implementados junto com outras fontes. Nunca o BNDES sozinho. O BNDES vem para somar, não para substituir.

Como financiar projetos e atrair investimentos com juros altos e demanda menor?

Mesmo com os juros mais altos, tem aumentado muito a demanda pelo financiamento de capital de giro junto ao BNDES. Na parte de infraestrutura, alguns projetos são viáveis mesmo com os juros atuais. Estamos nos esforçando para fazer uma captação internacional maior para emprestar e retomar o financiamento às exportações ou alguns investimentos no Brasil, mesmo os que têm receita atrelada ao dólar. Nós esperamos, como todo mercado espera, que, a partir do segundo semestre, haverá uma janela de redução de juros no mundo e no Brasil também. A fase atual é de preparação de instrumentos para quando essa janela abrir.

O novo PAC será dividido em seis eixos de investimento (transportes, infraestrutura social, inclusão digital e conectividade, infraestrutura urbana, água para todos e transição energética). Em quais deles o BNDES terá foco maior?

Sugerimos sistematizar as iniciativas de PPPs em um programa nacional que o banco já vem atuando na estruturação de vários projetos. Com uma coordenação do governo federal, a gente pode ganhar mais eficiência e mais escala. É algo que começou na gestão anterior e vamos melhorar e ampliar. Em 2019, foram feitos 42 projetos que mobilizaram, segundo estimativa do BNDES, ao longo do seu projeto de investimento, R$ 268 bilhões. Hoje, a carteira do banco tem 134 projetos de PPPs e concessões, desde saneamento a PPP de escola e manejo de floresta, que podem mobilizar R$ 245 bilhões.

Que tipos de projetos poderiam ser contemplados em um projeto nacional de PPPs?

Concessões de administração, expansão e manutenção de hospital, escola, geração distribuída e energia, segurança, saneamento, mobilidade urbana. Principalmente na área de PPP de saúde e educação, são projetos que, individualmente, são pequenos. Mas, se fizessem parte de uma iniciativa federal do Ministério da Educação, seria maior. O MEC faz uma chamada a quem se interessa em fazer PPPs de manutenção de escola, por exemplo. Queremos um programa nacional de PPPs que inclua não só BNDES, mas Caixa Econômica e Banco do Brasil. Em vez de o BNDES procurar um estado, uma prefeitura, o Ministério da Educação chama os prefeitos e pergunta quem quer fazer PPP de creche e escola. Pega os pedidos, a gente vê o que é viável e ganha em escala.

Como funcionaria em educação e saúde?

Você pode usar repasse do Fundeb como garantia, porque ele é atrelado ao número de alunos. Então, se eu construir creche, aumenta o número de alunos atendidos, eu tenho mais receita do Fundeb e posso dar como garantia para fazer uma PPP de administração de creche. No SUS, eu tenho uma remuneração pelo número de pacientes, a tabela SUS. Nós lançamos no Hospital de Guarulhos um caso que pode ser reproduzido em escala nacional. É uma PPP de administração de hospital. Não estou falando de projeto, estou usando caso concreto.

O que o senhor achou do arcabouço fiscal?

Eu acho que é uma proposta na direção correta. Ao mostrar uma recuperação do resultado primário para ter um superávit em 2026, sinaliza que controla as expectativas, mostra que a dívida pública vai crescer um pouco mais e depois começa a cair. Vai ter um ajuste fiscal, só que, diferentemente do passado, mais gradual e não um ajuste concentrado só no gasto. Justamente porque houve uma compressão muito grande dos gastos no passado, a queda agora vai ser gradual, com a receita crescendo mais e o gasto crescendo menos — então, gradualmente você vai aumentando —uma antecipação de aumento de receita, que é a grande crítica, a grande dúvida se o governo vai conseguir os R$ 150 bilhões.

Com relação à valorização do real e à taxa menor de inflação, o senhor acredita que há espaço para a queda dos juros?

Lá atrás, em setembro de 2022, eu disse que achava que o juro ia ficar parado até o meio do ano, porque há uma incerteza tradicional quando se tem mudança de governo, até o governo anunciar seu plano fiscal, o que normalmente acontece em abril, quando você manda a LDO. Hoje, o mercado está discutindo se o juro começa a cair em junho ou agosto. Eu torço para que seja junho. Como a inflação agora começou a embicar para baixo, e o real está apreciando, tudo indica que o cenário vai ficar um pouquinho mais favorável aqui e no resto do mundo.

Ao tomar posse na presidência do BNDES, Mercadante prometeu um banco verde. Como será feito isso?

Temos um instrumento que já existe e pode ser melhor utilizado, que é o Fundo do Clima, que tem um orçamento R$ 2,5 bilhões e desembolsa, em média, R$ 300 milhões por ano. Os recursos podem ir para várias coisas, como transição energética, descarbonização, eficiência energética e mobilidade urbana. Fica sob a responsabilidade do Ministério do Meio Ambiente, mas o agente financeiro é o BNDES. E pode casar bem com a iniciativa do Tesouro de emitir green bonds, títulos que garantem que os recursos vão para projetos ambientais. Todos os países do mundo estão lançando iniciativas nesse sentido. A gente já tem o instrumento, tem que discutir tamanho, taxas e fazer uma programação.

Como o BNDES pode ajudar a indústria brasileira a ser mais competitiva?

O BNDES já emprestou bastante para a indústria, que perdeu participação no banco porque perdeu participação no Brasil. Isso envolve as taxas de juros, que poderão cair seja pelo ciclo monetário seja por decisão do governo ao criar o Plano Indústria, assim como tem o Plano Safra. O governo vai decidir se haverá subsídio. Será que não é possível fazer como o Plano Safra, que tem linhas com juros de mercado e linhas com taxas mais subsidiadas? Não podemos ter um plano de inovação e desenvolvimento produtivo? Tudo isso está em discussão.

O apoio ao comércio exterior fará parte do Plano Indústria?

A ideia é aperfeiçoar as regras, verificar se pode haver um mecanismo mais eficiente em termos de custo fiscal e retomar uma política mais ativa de promoção de exportação. O BNDES acabou de fechar um contrato para exportar aviões da Embraer para a África com apoio do African Export-Import Bank. É um mercado novo, estamos procurando essas oportunidades.

Qual setor será mais estimulado por esse plano?

Há preocupação com inovação, digitalização e essa revolução da inteligência artificial, além de automação, saúde e equipamentos aeronáuticos. Não é o BNDES que coloca isso, são os setores que nos trazem.

“Será que não é possível fazer como o Plano Safra, que tem linhas com juros de mercado e linhas com taxas mais subsidiadas? Não podemos ter um plano de inovação e desenvolvimento produtivo?”

E sobre o Marco do Saneamento?

Minha visão é que alguns negócios que não podiam ser feitos antes agora podem ser feitos; se vai ser PPP, se vai ser concessão, é o cliente que determina. Acho que com esse novo decreto, que não mudou a lei, ele simplesmente regulamentou algumas coisas ou estendeu prazos, as empresas estaduais de saneamento podem agora também estruturar projetos ou podem fazer mais PPPs. Algumas empresas já nos procuraram.