O Estado de São Paulo, n. 46666, 24/07/2021. Política p.A12

 

Ameaça de Braga Netto configura crime’

Entrevista  - Mauro Menezes, ex- presidente da Comissão e Ética Pública da Presidência da República

André Shalders

Rafael Beppu

 

Ao ameaçar a realização das eleições de 2022, o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, pode ter cometido crime de responsabilidade, passível de punição até mesmo com impeachment. A opinião é do jurista Mauro Menezes, ex-presidente da Comissão de Ética Pública da Presidência da República (2016 a 2018) e integrante do Grupo Prerrogativas.

Como mostrou o Estadão, no último dia 8, Braga Netto mandou um aviso para o presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), por um importante interlocutor político. O recado era direto: não haveria eleições em 2022 no Brasil se não fosse aprovado o voto impresso, hoje em tramitação na Câmara.

Após a publicação da reportagem, Braga Netto afirmou, em nota, não se valer de intermediários, mas defendeu o voto impresso. "A nota comete um desvio de finalidade exorbitante", disse Menezes ao Estadão. "O ministro da Defesa não tem nenhuma competência para interferir em assuntos que digam respeito ao cumprimento do calendário eleitoral."

 

O ministro da Defesa, Braga Netto. cometeu crime?

Existem fatos a serem apurados, necessariamente. Uma vez confirmado este gesto (a ameaça à realização das eleições de 2022), nós estamos diante de um crime de responsabilidade cometido por um ministro de Estado. De acordo com o artigo 7.º da Lei de Impeachment, constitui crime de responsabilidade impedir, inclusive por ameaça, o livre exercício do voto. Utilizar o poder federal para impedir a execução de uma lei eleitoral também consta deste artigo 7.º como crime de responsabilidade e como hipótese de impeachment de ministro. O impeachment não é só para o presidente.

 

Qual poderia ser a punição para o ministro. neste caso?

Teria de haver abertura de um processo de impeachment mesmo. Ou seja, o oferecimento de denúncia, a recepção dessa denúncia, para que ele fosse afastado do cargo.

 

A Comissão de Ética Pública da Presidência deveria atuar na apuração do ocorrido?

Sim. De acordo com o código de conduta da alta administração federal, todos os ministros, inclusive o da Defesa, estão, sim, subordinados à competência da Comissão de Ética Pública. Um dos pressupostos fundamentais da ética deriva da expectativa de que as autoridades não atuem com desvio de finalidade. O ministro da Defesa não tem nenhuma competência para interferir em assuntos que digam respeito ao cumprimento do calendário eleitoral. Em um regime democrático, um ministro que, de certa forma, integre o comando das Forças Armadas, deveria manter uma distância prudente desse tipo de assunto.

 

Mas a nota de Braga Netto diz que é legítimo o governo defender o voto impresso.

Não é papel do ministro da Defesa comentar esse tipo de proposta legislativa. Ao fazer isso, ele admite que está se imiscuindo em assuntos que não lhe dizem respeito. Os assuntos que dizem respeito ao ministro da Defesa são assuntos muito relevantes, mas que têm relação com o funcionamento das Forças Armadas. Essas questões políticas são atribuições do Congresso. A nota divulgada, ao mencionar uma suposta legitimidade dessa proposta legislativa, já comete um desvio de finalidade exorbitante. É incompatível com a natureza do cargo do ministro da Defesa. Estamos diante de uma atitude violadora da ética pública.

 

Por que o grupo Prerrogativas entendeu que era importante se manifestar para pedir que os militares se atenham às funções definidas pela Constituição?

O Prerrogativas se manifestou por entender que é nosso papel fomentar o respeito à Constituição e à legalidade democrática. Entendemos que, naquela declaração do ministro da Defesa, houve uma manifestação que, de certa forma, ameaçou a legalidade democrática e o respeito ao Estado constitucional. Outro aspecto que também nos moveu foi a necessidade de evocar o caráter civil deste cargo. O ministro da Defesa é uma função que foi criada justamente para simbolizar que não existe uma tutela militar sobre o Estado. O poder civil, na figura do ministro da Defesa, deve se sobrepor aos comandos militares. E os militares devem se ocupar das funções que lhes são precípuas, e não desbordar para uma atuação vinculada a projetos ou propósitos políticos.

 

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Câmara vai ouvir general; deputados acionam Supremo

 

Pivô de nova crise envolvendo ameaça às eleições, o ministro da Defesa, Braga Netto, deverá apresentar explicações à Câmara em 17 de agosto. A Comissão de Fiscalização e Controle da Casa já tinha aprovado convite para que o general esclarecesse uma nota da Defesa com ataques à CPI da Covid. Agora, a tentativa de condicionar as eleições de 2022 à aprovação do voto impresso será incluída na audiência.

Ontem, os deputados Alexandre Frota (PSDB-SP), Bohn Gass (PT-RS), Paulo Teixeira (PT-SP) e Natália Bonavides (PT-RN) protocolaram no Supremo Tribunal Federal pedidos de investigação contra o general. O grupo considera que a conduta de Braga Netto "atenta contra a ordem institucional e democrática".

 

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Ideia de virada de mesa ronda generais desde a facada

 

CENÁRIO: Marcelo Godoy 

 

As ameaças contra a democracia e as eleições de 2022 do ministro Walter Braga Netto não foram as primeiras de generais desde que Jair Bolsonaro despontou como opção real para a conquista da Presidência, em 2018. Apesar da negativa do ministro, os espectros do golpe de Estado e do cancelamento das eleições rondam o governo.

Eles passaram pela cabeça de integrantes do Alto Comando do Exército, por exemplo, em 6 de setembro de 2018, no dia em que o então candidato do PSL foi alvo de um atentado a faca durante uma agenda de campanha em Juiz de Fora, Minas Gerais.

Um general amigo de Hamilton Mourão – com quem ele trabalhou – e do ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional (GSI), Augusto Heleno, contou em duas oportunidades os detalhes de um segredo: a intenção de se melar as eleições de 2018. Era, segundo ele, ideia de quatro, cinco colegas favoráveis a virar a mesa, pois acreditavam que, se Bolsonaro morresse, as eleições perderiam a legitimidade. Prevaleceu a visão do general Eduardo Villas Bôas: Bolsonaro ia se recuperar e tinha grande chance de vencer o pleito. Desnecessário, portanto, o golpe.

Conforme relato do general, havia um grupo que queria virar o "negócio do avesso" caso Bolsonaro morresse. Para ele, era uma posição emocional, mas que seria um "grave retrocesso". Generais de peso detêm o comando de tropas. Pelo menos três dos mais exaltados estavam nessa situação em 2018.

Em 9 de setembro, Villas Bôas, então comandante do Exército, disse ao Estadão: "Nós estamos agora construindo dificuldade para que o novo governo tenha uma estabilidade, para a sua governabilidade, e podendo até mesmo ter sua legitimidade questionada". Ele admitia: Bolsonaro contava com simpatias entre os militares. Os comandantes das Forças foram visitar o candidato no hospital.

O relato mostra que conversas sobre ter ou não eleições não são estranhas entre militares. Uns dizem ser mera manifestação de Whatsapp. Lembram que o espectro do golpe é também alimentado por civis. No atual Alto Comando há integrantes que são constrangidos todos os dias a reafirmar o compromisso da Força com a defesa da democracia.

Villas Bôas já disse que fez seu famoso tuíte contra a libertação de Lula, então preso e condenado pela Lava Jato, porque assistira a manifestações de generais, como Luiz Gonzaga Lessa, que diziam que o Supremo Tribunal Federal poderia se tornar "indutor da violência" se libertasse o petista. Da ideia de Lessa à ação de Vilas Bôas foi um pulo. Fenômeno igual se observa com Braga Netto.

O ministro da Defesa já subiu no palanque do presidente. Ao tentar desmentir a reportagem do Estadão, ele se valeu de nota na qual fez a defesa do voto impresso. Mas este não é um tema de sua pasta, mas apropriado à Secretaria de Governo. Para analistas, como o professor José Álvaro Moisés, o general se manifesta sobre o voto impresso porque essa é a estratégia do governo para questionar as eleições.

 

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Organizadores dizem que atos ganharam força após ameaça


Pelo menos 123 novos protestos são agendados após divulgação sobre a intimidação de Braga Netto na defesa do voto impresso

Pedro Venceslau

Os organizadores de novas manifestações contra o presidente Jair Bolsonaro, marcadas para hoje, registraram um aumento no número de atos nos Estados após a ameaça do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, de que não haverá eleições caso o voto impresso não seja adotado no País.

A decisão do presidente de entregar o comando da Casa Civil para o senador Ciro Nogueira (PP-PI), principal expoente do Centrão, também impulsionou o movimento.

Segundo Raimundo Bonfim, líder da Central de Movimentos Populares (CMP) e um dos principais líderes das manifestações, foram agendados 123 novos atos pelo Brasil nas 24 horas seguintes à divulgação das ameaças e o acerto com o Centrão. Ao todo, os organizadores contabilizam 426 eventos marcados em todos os Estados. O recorde até agora foi no dia 19, com 457 atos registrados.

"Mais um motivo para lotarmos as ruas no sábado! O Ministro da Defesa Walter Braga Netto fez um ameaça dizendo que se não houver voto impresso, não haverá eleições em 2022. Nosso país não pode seguir nas mãos de quem ameaça a democracia. #24Jforabolsonaro", escreveu no Twitter a ex-deputada Manuela D'ávila, do PCDOB.

Segundo Bonfim, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PPAL), estará no centro dos protestos de hoje, já que só ele tem a prerrogativa de aceitar um dos pedidos de impeachment que foram protocolados na Câmara.

A principal manifestação será na Avenida Paulista, onde 11 carros de som estarão distribuídos.

Uma das preocupações dos organizadores é que eventuais atos isolados de violência contaminem as manifestações. No último dia 19, militantes do Partido da Causa Operária (PCO) agrediram integrantes do PSDB.

Líderes sindicais e partidários pediram ao PCO que controle seus simpatizantes. "Nós fechamos questão no diretório municipal e vamos estar na Avenida Paulista. O movimento contra o Bolsonaro cresceu nas bases do partido. O PCO pode ser retirado dos atos se cometer atos de violência", afirmou o presidente do PSDB da capital, Fernando Alfredo. Os membros do PSDB estarão em um carro de som junto com partidos e movimentos sociais de esquerda. Para tentar evitar atos violentos, os organizadores decidiram abreviar as falas nos carros de som e antecipar a caminhada entre a Avenida Paulista e Praça Roosevelt. Dessa forma, o evento deve terminar antes de anoitecer, o que ajudaria a inibir atos de vandalismo.