O Estado de São Paulo, n. 46665, 23/07/2021. Política p.A10

 

 

Ministro apoia debate sobre 'voto auditável'

 

Braga Netto diz que considera discussão 'legítima' e coloca Forças no centro do embate político; 'Eleições ocorrerão', afirma Arthur Lira

Weslley Galzo

Lauriberto Pompeu

Camila Turtelli 

As reações do ministro da Defesa, Walter Braga Netto, sobre as ameaças contra a realização das eleições no ano que vem, conforme revelado pelo Estadão, acabaram por colocar as Forças Armadas dentro das discussões sobre a adoção ou não do voto impresso, um assunto que não tem nenhuma relação com os militares. O presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressitas-AL), evitou falar sobre as ameaças e preferiu dizer que as próximas eleições ocorrerão por meio do "voto popular, secreto e soberano".

Depois de a reportagem revelar o recado que um interlocutor de Braga Netto levou ao presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressitas-AL), condicionando a realização das eleições de 2022 à adoção do voto impresso, o ministro foi a público para afirmar que "não se comunica com os Presidentes dos Poderes, por meio de interlocutores".

O Estadão mantém todas as informações publicadas. Desde segunda-feira o jornal tentava ouvir a Defesa sobre o tema. "Diante das diversas reações, considero importante reafirmar na íntegra o teor da reportagem publicada hoje (ontem) no Estadão sobre os diálogos do ministro da Defesa. O compromisso inabalável do Estadão segue sendo a qualidade jornalística e o respeito ao Estado de ireito", afirmou João Caminoto, diretor de jornalismo do Grupo Estado.

Ao ler seu posicionamento ao final de um evento no Ministério da Defesa, Braga Netto disse que o fazia após ser "autorizado pelo Presidente da República". O ministro disse que, embora a questão do veto impresso seja um tema restrito ao Congresso Nacional, considerava a discussão legítima, uma posição que causou forte mal-estar entre parte dos próprios militares, além de representantes do Legislativo e Judiciário por ser um tema avesso ao da Defesa.

"Acredito que todo cidadão deseja a maior transparência e legitimidade no processo de escolha de seus representantes no Executivo e no Legislativo em todas as instâncias", afirmou Braga Netto. "A discussão sobre o voto eletrônico auditável por meio de comprovante impresso é legítima, defendida pelo Governo Federal, e está sendo analisada pelo Parlamento brasileiro, a quem compete decidir sobre o tema."

Arthur Lira não fez nenhuma menção à ameaça que recebeu de um interlocutor do ministro do processo eleitoral. "A despeito do que sai ou não na imprensa, o fato é: o brasileiro quer vacina, quer trabalho e vai julgar seus representantes em outubro do ano que vem através do voto popular, secreto e soberano", escreveu. "A últimas decisões do governo foram pelo reconhecimento da política e da articulação como único meio de fazer o País avançar."

Como mostrou o Estadão, no último dia 8, uma quinta-feira, Lira recebeu um duro recado de Braga Netto, por meio de um interlocutor político. O general pediu para comunicar, a quem interessasse, que não haveria eleições em 2022, se não houvesse voto impresso. Ao dar o aviso, o ministro estava acompanhado de chefes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Ao receber a ameaça, Lira considerou o recado grave e procurou o presidente Jair Bolsonaro. Teve uma longa conversa com ele, no Palácio da Alvorada. De acordo com relatos obtidos pelo Estadão, o presidente da Câmara disse ao chefe do Executivo que não contasse com ele para qualquer ato de ruptura institucional.

No início da manhã, Braga Netto chegou a classificar as informações como "invenção" ao ser questionado por jornalistas sobre o assunto. Depois, por meio de nota oficial, amenizou o tom. Ele declarou que "o Ministério da Defesa reitera que as Forças Armadas atuam e sempre atuarão dentro dos limites previstos na Constituição".

A nota afirma ainda que a Marinha do Brasil, o Exército Brasileiro e a Força Aérea Brasileira "são instituições nacionais, regulares e permanentes, comprometidas com a sociedade, com a estabilidade institucional do País e com a manutenção da democracia e da liberdade do povo brasileiro".

Como mostrou a reportagem, no último dia 7, o brigadeiro Carlos de Almeida Baptista Junior curtiu um post no qual um internauta pedia intervenção das Forças Armadas para aprovar esse sistema. "Comandante, obrigado pelo canal de comunicação. Precisamos do voto impresso auditável. Vocês precisam impor o voto auditável", dizia a mensagem. A nota do Ministério da Defesa não faz comentário sobre esse fato.

 

Resposta

"A discussão sobre o voto eletrônico auditável por meio de comprovante impresso é legítima, defendida pelo governo federal, e está sendo analisada pelo Parlamento brasileiro, a quem compete decidir sobre o tema."

Walter Braga Netto

MINISTRO DA DEFESA, EM NOTA

 

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Mourão; 'Não somos república de bananas'

 

Gustavo Côrtes 

 

O vice-presidente Hamilton Mourão disse ontem que haverá eleições em 2022, mesmo sem a adoção do voto impresso. "Nós não estamos mais no século 20. É lógico que vai ter eleição. Quem é que vai proibir eleição no Brasil? Nós não somos república de bananas", afirmou o general durante conversa com jornalistas.

Apesar de adotar tom enfático em defesa da normalidade institucional, o vice declarou ser a favor do voto impresso e sugeriu que a urna eletrônica utilizada no Brasil é tecnologicamente defasada. "O voto impresso, o governo defende esse debate. Eu também sou francamente a favor. Nós usamos uma urna de primeira geração. A Argentina, por exemplo, está em uma urna de terceira geração. Tudo aquilo que melhorar a capacidade de a gente ter certeza do processo eleitoral não é problema nenhum."

Mourão defendeu ainda o ministro da Defesa, Walter Braga Netto, das acusações de ameaça às eleições de 2022 – ele se referiu ao episódio como "fogo de palha". "Eu conheço Braga Netto há muito tempo e sei que ele não manda recado. Pelo que eu entendo do presidente (da Câmara) Arthur Lira, se algo chegasse a ele dessa forma, ele reagiria de imediato e colocaria esse assunto de forma pública, e não de forma sub-reptícia", afirmou Mourão. "As Forças Armadas existem para que a gente tenha um ambiente estável e seguro, atuam dentro do arcabouço da institucionalidade."

 

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O general que se tornou um 'soldado' do bolsonarismo


Chefe da intervenção no Rio, em 2018, Braga Netto é considerado 'cumpridor de ordens' e totalmente fiel ao presidente

Vinícius Valfré

As credenciais que levaram o general Walter Braga Netto ao governo de Jair Bolsonaro eram a de um militar experiente que executou a árdua missão de ser o interventor da Segurança Pública no Rio, em 2018, por designação de Michel Temer. Pelas mãos de oficiais que já haviam embarcado no projeto de Bolsonaro, chegou à Casa Civil em fevereiro de 2020. Desde que assumiu a pasta e, posteriormente, o Ministério da Defesa, passou a ser visto como um militar que aderiu ao bolsonarismo e se transformou em um "soldado" do presidente na marcha a favor do tensionamento com as demais instituições e da politização das Forças Armadas.

Considerado pelos pares um enérgico cumpridor de ordens e totalmente fiel ao presidente, Braga Netto virou uma eminência parda no governo. Antes dos últimos atritos, setores do Supremo Tribunal Federal e do Congresso e alas moderadas da caserna vinham manifestando incômodo com o que classificavam como patrocínio de Braga Netto à radicalização.

Os relatos colhidos pela reportagem com pessoas que interagem ou interagiram com o general apontam que o ministro é avesso a discussões e alguém que não reconhece que errou ao aceitar a tarefa de misturar Forças com a política.

O contexto da ida de Braga Netto para a Defesa deixou claro o propósito da escolha feita pelo presidente. O fim de março foi marcado por demissões coletivas de militares. Junto com o então ministro Fernando Azevedo e Silva, os três comandantes das Forças renunciaram. O motivo seria a recusa da cúpula militar em alinhar as tropas ao presidente. "Preservei as Forças Armadas como instituições de Estado", dizia a nota Azevedo e Silva.

Nos quatro meses desde a sucessão, Braga Netto contabiliza ao menos quatro situações em que anuiu a interesses do bolsonarismo. A primeira foi minimizar a não punição ao general da ativa Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, por participação em evento político com Bolsonaro no Rio.

O regramento disciplinar do Exército proíbe expressamente a conduta, mas nada aconteceu por intervenção do presidente. Depois da impunidade, em junho, Braga Netto disse que as Forças estão "coesas e disciplinadas".

Em julho, ele liderou a dura reação ao presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), que, sem generalizar, mencionou um "lado podre" das Forças Armadas. A comissão, que investiga a condução da pandemia – é uma das principais fontes de problemas para o governo e para os militares que o compõem.

A nota, com tom de ameaça, teria sido publicada sem que todos os três comandantes fossem consultados. "As Forças Armadas não aceitarão qualquer ataque leviano às instituições que defendem a democracia e a liberdade do povo brasileiro", dizia o texto.

Em seguida, o comandante da Aeronáutica, Carlos Almeida Baptista Junior, foi ainda mais duro, em entrevista ao jornal O Globo. Entre outras coisas, disse que "homem armado não ameaça". As reações foram fortes, mas Braga Netto não sinalizou reprimendas.

Agora, o Estadão revelou que o general fez uma ameaça direta às disputas eleitorais. Ao soltar um comunicado oficial, o militar disse na nota que os cidadãos desejam um processo com "maior transparência e legitimidade".