O Globo, n. 32761, 18/04/2023. Política, p. 6

Em três dias, PGR acusa Moro por fala sobre Gilmar

Mariana Muniz
Lauriberto Pompeu


A Procuradoria-Geral da República (PGR) denunciou ao Supremo Tribunal Federal (STF) o senador Sergio Moro (União-PR) por calúnia que ele teria cometido contra o ministro da Corte Gilmar Mendes. Em um vídeo que viralizou nas redes sociais, o ex juiz aparece rindo e falando em “comprar um habeas corpus” do magistrado.

Em nota, Moro disse que a denúncia foi apresentada de forma “açodada” e “sem base”. Mais tarde, em pronunciamento no Senado, o parlamentar acrescentou que a declaração não “representa o que ele pensa” e foi dada em um “contexto de brincadeira”.

O vídeo, de menos de dez segundos, passou a circular em perfis de esquerda na sexta-feira. No trecho, Moro aparece rindo e fala em “comprar um habeas corpus do (ministro do STF) Gilmar Mendes”. Na gravação, o senador responde a uma voz feminina:

— Não, isso é fiança. Instituto para comprar um habeas corpus do Gilmar Mendes.

Na denúncia, a vice-procuradora-geral da República, Lindôra Maria Araújo, afirma que Moro cometeu crime de calúnia contra Gilmar ao sugerir que ele pratica corrupção passiva. Por isso, Lindôra pede a perda do mandato do senador caso a condenação passe de quatro anos de prisão:

“O denunciado Sergio Fernando Moro emitiu a declaração em público, na presença de várias pessoas, com o conhecimento de que estava sendo gravado por terceiro, o que facilitou a divulgação da afirmação caluniosa, que tomou-se pública em 14 de abril de 2023, ganhando ampla repercussão na imprensa nacional e nas redes sociais da rede mundial de computadores”.

O órgão pede a fixação de valor mínimo para que Gilmar seja indenizado, “considerando os prejuízos sofridos”. Ainda segundo a vice-procuradora-geral, “ao atribuir falsamente a prática do crime de corrupção passiva” a Gilmar, Moro “agiu com a nítida intenção de macular a imagem e a honra objetiva do ofendido, tentando descredibilizar a sua atuação como magistrado da mais alta Corte do País”.

O crime de calúnia está previsto no Código Penal e tem como penas detenção, de seis meses a dois anos, e multa. A penalidade pode ser aumentada caso a calúnia seja proferida contra funcionário público, em razão de suas funções, ou contra presidentes de Senado, Câmara ou STF. Além disso, pode ser agravada caso ocorra na presença de várias pessoas, ou por meio que facilite a divulgação da calúnia, da difamação ou da injúria.

“Ônus e bônus”

Como informou a colunista do GLOBO Bela Megale em seu blog, interlocutores de Gilmar afirmam que o principal fator que motivou o ministro a recorrer ao procurador-geral da República, Augusto Aras, e acionar a PGR foi o fato de Moro ocupar hoje um cargo de senador. A pessoas próximas, Gilmar destacou que Moro tem que saber “o ônus e o bônus” de ocupar cargo público desta magnitude e o peso de suas palavras no posto. Interlocutores do ministro relataram, segundo o blog, que Gilmar afirmou que “não perderia tempo” com o ex-juiz, mas em respeito ao Senado, decidiu responsabilizá-lo pela fala.

Pessoas próximas a Gilmar destacaram que o ministro disse que o senador é quem precisa dar explicações sobre as acusações do operador Tacla Duran, que afirmou ter sido vítima de um suposto esquema de extorsão envolvendo o exjuiz da Lava-Jato. Moro nega qualquer irregularidade.

A ministra Cármen Lúcia será a relatora da denúncia apresentada pela PGR contra Moro. A definição do relator é feita por meio de sorteio.

No início da noite, no Senado, Moro afirmou que sua fala no vídeo estava em um contexto de brincadeira.

— Não representa o que eu penso. Uma fala infeliz no contexto de uma brincadeira, mas que foi claramente manipulada e editada por aquelas mesmas pessoas, e aqui evidentemente não me refiro ao procurador-geral da República, que buscam atualmente me incriminar falsamente em outros processos — disse.

Segundo o senador, o vídeo teve o objetivo criar um malestar entre ele e o STF. Moro disse que respeita a Corte e seus ministros e que não há nenhuma acusação contra Gilmar Mendes, “não há nenhuma ofensa ao ministro Gilmar Mendes intencional”.

— Pessoas que eu desconheço, mas mal-intencionadas, editaram fragmentos de uma fala. Tiraram essa fala de contexto e publicaram na internet, com o único objetivo de me indispor com o Supremo Tribunal Federal —declarou.

Moro e Gilmar têm histórico de atritos desde o período em que o então juiz estava à frente da Lava-Jato, da qual o ministro tornou-se crítico. No episódio mais recente, em março, Gilmar afirmou que o “legado” do ex-presidente Jair Bolsonaro foi “ter nomeado Moro e tê-lo devolvido ao nada”, em referência à fase em que Moro foi ministro da Justiça. Em resposta, o senador afirmou que “talvez a única forma de escapar dos descabidos ataques e das ofensas” de Gilmar “seja praticar um crime de corrupção.”