O Globo, n. 32760, 17/04/2023. Economia, p. 11

Nova promessa

Manoel Ventura
Bruno Rosa


O governo prepara um novo programa para aumentar a oferta e o uso de gás natural no Brasil e, assim, reduzir o preço do insumo energético. Dois anos depois de o Congresso aprovar a Nova Lei do Gás para fomentar a concorrência no setor e baixar o custo, principalmente para a indústria, o preço subiu e o domínio da Petrobras nesse mercado aumenta. Agora, o Ministério de Minas e Energia (MME) quer usar a estatal Pré-Sal Petróleo S.A. (PPSA) para subsidiar a construção e operação de novos gasodutos para levar à terra a crescente produção de gás natural no mar. A empresa pública é responsável pela gestão dos contratos de partilha na exploração de reservas em águas ultraprofundas e a comercialização da parte do petróleo dessas áreas que cabe à União.

Cerca de metade da produção de gás natural atualmente é reinjetada nos poços por fatores técnicos ou dificuldade de escoamento. A expectativa do governo é que a ampliação da infraestrutura de dutos e da oferta de gás possa reduzir a importação e o preço final, principalmente para setores industriais que podem ganhar competitividade com uma fonte de energia mais barata.

‘Choque’ não aconteceu

O objetivo não é muito diferente do prometido pelo então ministro da Economia, Paulo Guedes, em 2021. Ao defender a aprovação do novo marco regulatório do gás, ele afirmou que o resultado seria um “choque de energia barata” capaz de “reindustrializar” o país. Não foi o que aconteceu. Segundo dados do MME, o preço do gás para a indústria (incluindo impostos) passou de US$ 13,58, na média do preço de 2021, para US$ 20,31 por milhão de BTU (unidade internacional do gás), na média de 2022. O salto foi de 49,5%. Para o consumidor residencial, o valor foi de US$ 32,24 para US$ 41,70, alta de 29,3%.

O presidente Lula também tem repetido o desejo de impulsionar a indústria para gerar mais empregos, mas desta vez o governo estuda um caminho oposto ao da gestão anterior para alcançar o mesmo objetivo: baixar o preço do gás. No governo Bolsonaro, a Petrobras vendeu redes de gasodutos e campos de produção para gerar competição no setor. Já a equipe de Lula traça um plano que envolve o fim da venda de ativos da Petrobras e o uso de outra estatal e de subsídios para fechar a conta da expansão de infraestrutura.

Na indústria, o gás natural é uma fonte de energia mais barata que a elétrica em processos de geração de calor, por exemplo. Também é insumo em processos químicos e petroquímicos, principalmente na produção de metanol e de fertilizantes. Usinas térmicas geram energia elétrica a partir do gás natural. Companhias desses setores se movimentam para garantir acesso ao insumo, cuja produção nacional terá forte alta nos próximos anos com o desenvolvimento do pré-sal, mas a infraestrutura de escoamento e distribuição é o principal entrave.

Por isso o governo quer criar incentivos para a construção de gasodutos, inclusive subsídios. Na outra ponta, estuda mecanismos para garantir mercado para os empreendimentos. O MME prepara uma medida provisória (MP) para permitir o uso da PPSA como principal instrumento do programa, que tem sido chamado de Gás para Empregar. Participam dos estudos integrantes do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio (Mdic) e da Casa Civil.

Óleo em troca de gás

Nos blocos do pré-sal, a União fica com um percentual do petróleo produzido, que é acordado no leilão. As petroleiras descontam dessa parcela os custos da operação. Uma das ideias do governo é permitir que elas também possam deduzir o custo de construção e operação de gasodutos entre os campos de petróleo e unidades de processamento de gás. Na prática, a União receberia menos petróleo do pré-sal para subsidiar indiretamente novos dutos. Além disso, a PPSA poderia trocar parte de seu óleo por gás fornecido pelas petroleiras, para atender ao objetivo de aumentar a oferta.

Outra possibilidade é que a PPSA use seus recursos, que tendem a crescer com a produção no pré-sal, para construir diretamente infraestruturas de escoamento para ampliar a oferta de gás no país, que seriam ativos públicos.

Atualmente, o Brasil consome 68 milhões de metros cúbicos de gás natural por dia, mas 30% são importados, com preços sujeitos às flutuações do câmbio e da cotação internacional, afetada pela pandemia e a guerra na Ucrânia nos últimos anos. O gás russo vendido na Europa saltou mais de 700% entre 2019 e 2022. Nos EUA, o gás comercializado no Henry Hub, centro de distribuição tido como referência internacional, subiu de US$ 2,57 para US$ 6,37 no período, alta de quase 150%. Se o Brasil conseguir reduzir a parcela de gás reinjetado nos poços por falta de capacidade de escoamento, o governo espera atingir a autossuficiência.