O Estado de São Paulo, n. 46664, 22/07/2021. Política p.A4

 

Bolsonaro põe Centrão na Casa Civil e recria Trabalho

 

Lauriberto Pompeu

Vera Rosa

 

Pressionado pelo Centrão e com a popularidade em queda livre, o presidente Jair Bolsonaro vai fazer uma reforma ministerial, nos próximos dias, para fortalecer sua base de sustentação no Congresso e sobreviver às crises. A novidade será a entrada do senador Ciro Nogueira (PI), presidente do Progressistas, na Casa Civil. Sem conseguir enfrentar até agora acusações que pesam contra o governo na CPI da Covid no Senado, Bolsonaro vai mudar a articulação política do Palácio do Planalto e desmembrar o Ministério da Economia.

Com a mudança, o Centrão entra agora no núcleo duro do governo, no Palácio do Planalto. O general Luiz Eduardo Ramos, que hoje comanda a Casa Civil, será deslocado para a Secretariageral da Presidência, atualmente nas mãos de Onyx Lorenzoni. Considerado um curinga do governo, Onyx irá para o Ministério do Trabalho e Emprego, pasta que hoje está sob o guarda-chuva da Economia e será recriada.

Ao Estadão, Ramos disse que “não sabia” das mudanças. “Fui atropelado”, afirmou . O Progressistas é o principal partido do Centrão e, além de Nogueira, tem como expoentes o presidente da Câmara, Arthur Lira (AL), e o líder do governo na Casa, Ricardo Barros (PR), atualmente na mira da CPI da Covid.

O Estadão apurou que o senador Davi Alcolumbre (DEM-AP) foi o primeiro nome a ser chamado para comandar a Casa Civil e também a Secretaria-geral da Presidência, mas não quis. Ex-presidente do Senado, Alcolumbre hoje comanda a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) e tem mostrado resistências à indicação do advogado-geral da União, André Mendonça, para ocupar uma cadeira no Supremo Tribunal Federal.

A CCJ vai sabatinar Mendonça em agosto, quando terminar o recesso parlamentar. O governo quer atrair novamente o senador, visto como um aliado rebelde, mas ele prefere investir na candidatura à reeleição, em 2022.

Bolsonaro disse ontem que fará uma “pequena reforma” no ministério, prevista para segunda-feira. Na campanha de 2018, o então candidato do PSL havia prometido não ceder a pressões políticas por cargos nem lotear a equipe. Eleito com um discurso de enxugamento da máquina pública, Bolsonaro também anunciava uma Esplanada com apenas 15 ministérios. Com a pasta do Trabalho, ele terá 24, nove a mais do que o prometido.

Em entrevista à rádio Jovem Pan Itapetininga (SP), o presidente afirmou que os novos ministros foram escolhidos “com critérios técnicos”, sem dar mais detalhes. “É para a gente continuar administrando o Brasil”, justificou.

Como mostrou o Estadão, aliados do governo avaliavam que Bolsonaro precisava contemplar o Senado, principalmente agora, com o governo acuado pela CPI e na expectativa de aprovar as indicações de Mendonça para uma vaga no Supremo e a recondução de Augusto Aras como procurador-geral da República.

Trabalho e Emprego é o segundo ministério recriado por Bolsonaro para acomodar a base aliada. No ano passado, o presidente havia relançado o Ministério das Comunicações para nomear o deputado Fábio Faria (PSD-RN), que está de malas prontas para o Progressistas e também despacha no Planalto, ao lado de Flávia Arruda (PL) na Secretaria de Governo.

Nos grupos de Whatsapp do Progressistas, parlamentares já começaram a parabenizar Nogueira pelo cargo. Efetivada a nomeação do senador, hoje titular da CPI da Covid, quem assume a vaga no Senado é sua mãe, Eliane Nogueira .

 

Onyx. Desde o início do governo Bolsonaro, Onyx já mudou três vezes de ministério: foi chefe da Casa Civil, comandou a pasta de Cidadania, está hoje à frente da Secretaria-geral e vai assumir o Trabalho. Dirigentes do Centrão avaliam que Onyx só trabalha para construir sua candidatura ao governo do Rio Grande do Sul, em 2022, e não ajuda na articulação política. Além disso, a percepção desses aliados é que a forma como ele atacou o deputado Luis Miranda (DEM-DF) – que acusou o governo de acobertar um esquema de corrupção nas negociações para compra da vacina indiana Covaxin – provocou efeito bumerangue e acabou agravando a situação de Bolsonaro na crise.

Onyx tem muitos desafetos no Centrão e não são poucos os que dizem que ele tem exposto o governo a situações vexatórias. Em março, por exemplo, o ministro disse que lockdown não funciona para frear a disseminação da covid-19 porque insetos podem transportar o vírus. Foi desmentido em seguida por especialistas.

O general Ramos, por sua vez, vem sendo apontado por governistas como o ministro que deu informações erradas ao presidente sobre a votação do fundo eleitoral de R$ 5,7 bilhões, na semana passada, fazendo com que Bolsonaro acusasse o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PLAM), de “atropelar o regimento” na votação da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO).

O deputado presidia a sessão que sancionou a LDO e o fundo que agora Bolsonaro promete vetar (mais informações na página A14). O presidente o chamou de “insignificante” e atribuiu a ele a aprovação da verba “astronômica” para financiar campanhas eleitorais.

Depois das críticas, Marcelo Ramos – que publicamente mantinha posição neutra em relação ao Palácio do Planalto – se declarou na oposição e agora está analisando os mais de 100 pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Em entrevista ao Estadão/broadcast, o deputado disse que a Câmara precisa delimitar até onde o presidente pode ir. “Se não fizermos isso, Bolsonaro vai avançar e marchar sobre a democracia”, afirmou. / COLABORARAM SOFIA AGUIAR, GUSTAVO CÔRTES E MATHEUS DE SOUZA

 

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Presidente é refém de sistema que não soube controlar

Carlos Melo

Reformas ministeriais fazem parte do processo político. Em tese, visam aprimorar a eficiência geral do Executivo: desempenho administrativo, representatividade e prestígio social do Ministério, governabilidade e vínculos, no Congresso, por meio do compartilhamento de espaços de poder. São pensadas no contexto de amplos projetos de poder, de desenvolvimento econômico e social. No caso concreto do Brasil, porém, tese e realidade se desencontram frequentemente. Sob as circunstâncias que abraçam Jair Bolsonaro esse desencontro parece ainda mais dramático.

É fato que a maioria das reformas ministeriais, no País, é feita sob a pressão dos riscos da fragilidade de vínculos entre governo e Parlamento. Dão-se quando o sistema de barganhas entra em colapso e precisa ser repactuado a preços crescentes para o Executivo. Sob Bolsonaro, os valores estão hiperinflacionados. A presente reforma se dá à sombra de mais de 100 pedidos de impeachment, do quase total descrédito diante da opinião pública, fruto dos múltiplos colapsos, da economia à saúde pública, revelados no cotidiano das pessoas e no dia a dia das sessões da CPI da Covid. As perspectivas eleitorais são desalentadoras para a base governista, como demonstram pesquisas de opinião. O “custo Bolsonaro” aumenta em cada rincão do País; natural que os preços disparem e atinjam espaços centrais de poder.

Hoje, Bolsonaro é refém de um sistema que não apenas não soube controlar como a ele se entregou docilmente, embora sem admitir a seus fanáticos. Pois, ao mesmo tempo, é refém da própria língua porque seus gestos negam o farisaísmo eleitoral que, um dia, explorou. Da “nova política” ao aprofundamento de sua capitulação, Bolsonaro é consciente da regra básica do fisiologismo: quanto mais fraco o governo maior é o preço a pagar. A Casa Civil é o coração do governo. Nas mãos de Ciro Nogueira, a tendência é de que ceda mais e mais nacos de poder e orçamento. O Centrão não perde tempo na fila do osso.