Correio Braziliense, n. 21535, 03/03/2022. Mundo, p. 4

Uma condenação histórica


Ao fim de três dias de debates, a Assembleia Geral das Nações Unidas condenou a Rússia, ontem, por maioria esmagadora, pela invasão da Ucrânia, que entra hoje no oitavo dia. Foram 141 votos a favor, cinco contra e 35 abstenções. Apesar de o presidente Jair Bolsonaro insistir que seu governo permanecerá "na neutralidade" em relação à guerra deflagrada pelo russo Vladimir Putin, o Brasil votou pela aprovação da resolução, que exige a retirada das tropas de Moscou do território ucraniano e "deplora" a agressão infligida ao país vizinho.

"A mensagem da Assembleia Geral é alta e clara", ressaltou o secretário-geral da ONU, Antonio Guterres. "Acabem com as hostilidades na Ucrânia agora. Abram a porta para o diálogo e a diplomacia", acrescentou. O representante da União Europeia enfatizou que o resultado mostra o isolamento de Putin no cenário internacional. "A Rússia optou pela agressão. O mundo pela paz", assinalou o representante da União Europeia, Olof Skoog,

De fato, é expressivo o aumento da censura a Moscou em relação a episódios anteriores. Há oito anos, a Assembleia Geral, que reúne 193 países, também aprovou uma resolução contra a Rússia, daquela vez, condenando a anexação da Crimeia, até então parte da Ucrânia. Na ocasião, 100 nações apoiaram a medida, 11 foram contra e 58 se abstiveram.

Apesar de todo o simbolismo, a Assembleia Geral não pode aplicar medidas concretas, como sanções, contra a Rússia. Apenas o Conselho de Segurança, integrado por 15 países (cinco com assentos permanentes e 10 rotativos), teria esse poder. Na semana passada, a maioria deles aprovou resolução semelhante, mas, como membro efetivo, Moscou usou seu poder de veto.

Na votação de ontem, a Rússia obteve o apoio de Belarus, Coreia do Norte, Eritreia e Síria contra a resolução. A China ficou entre os 35 países que se abstiveram, ao lado, entre outros, de Cuba, El Salvador, Índia, África do Sul, Irã, Cazaquistão e Nicarágua. A Venezuela, aliada de Moscou, não pôde votar devido ao não pagamento de sua contribuição à ONU. A dívida de Caracas se aproxima de US$ 40 milhões.

Extermínio

Um dos últimos a falar na sessão, de uma lista de quase 120 oradores, o embaixador da Ucrânia na ONU. Sergiy Kyslytsya, acusou o "regime criminoso" de Vladimir Putin de querer aniquilar seu país. "Está claro que o objetivo da Rússia não é apenas a ocupação. É o genocídio", disse o ucraniano. "Vieram privar a Ucrânia do próprio direito de existir."

A embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas, Linda Thomas-Greenfield, descreveu o conflito como "injusto e desnecessário". Ela denunciou que a Rússia estava preparando um aumento na ofensiva. "Vimos vídeos de forças russas transportando armas excepcionalmente letais, que não têm lugar no campo de batalha, incluindo bombas de fragmentação e bombas a vácuo", disse ela, referindo-se a arsenal proibido pela Convenção de Genebra.

A maioria dos oradores condenou inequivocamente a guerra, a insegurança e os riscos de escalada do conflito armado em um mundo que começava a se recuperar dos estragos devastadores da pandemia de covid-19, como evidenciado pela disparada dos preços das matérias-primas, particularmente do gás, do petróleo, níquel e alumínio, que podem alimentar ainda mais a inflação.

Legítima defesa

A Rússia insistiu na tese da "legítima defesa" ao justificar a operação, afirmando que seus alvos não são civis, apesar dos levantamentos de mortos e feridos demonstrarem um grande número de vítimas — 2 mil óbitos, de acordo com as autoridades ucranianas. Sem contar da onda migratória provocada pelos ataques. Segundo a ONU, mais de 874 mil ucranianos foram forçados a deixar o país em busca de um lugar seguro.

Ao pedir voto contra a censura, o embaixador russo Vasili Nebenzia disse ainda que a maioria dos países sofre pressão das potências ocidentais para condenar Moscou. Nebenzia acusou o governo do presidente Volodymyr Zelensky de usar civis como escudo e de perseguir a própria população. "Votar contra a resolução é votar por uma Ucrânia livre do radicalismo e do neonazismo."

Na última semana, a Europa e os Estados Unidos adotaram uma enxurrada de sanções para isolar a Rússia e sufocar sua economia, de forma que não disponha de recursos para financiar a guerra. Novas punições são estudadas pelo G7, grupo que reúne os países mais industrializados do mundo. Ao se manifestar, Velentin Rybakov, o representante de Belarus, um dos aliados mais fiéis de Moscou, chamou essas ações de "terrorismo econômico".

Frase

"Está claro que o objetivo da Rússia não é apenas a ocupação. É o genocídio"
Sergiy Kyslytsya, embaixador da Ucrânia nas Nações Unidas