O Globo, n. 32757, 14/04/2023. Economia, p. 11

Com inflação menor e queda do dólar

Carolina Nalin


Uma recente melhora no ambiente macroeconômico pode ajudar a abrir espaço para a queda dos juros antes do que o mercado vinha projetando. Ganha força a expectativa de que a Selic — a taxa básica de juros, que hoje está em 13,75% ao ano —tenha a primeira redução em agosto, em vez de apenas no quarto trimestre, como previsto anteriormente. As duas principais razões para o otimismo são o resultado da inflação de março, de 0,71%, abaixo do esperado pelos analistas, e o câmbio mais favorável, o que deve ajudar a conter os preços e o índice inflacionário. Ontem, o dólar fechou a R$ 4,92, menor patamar desde junho do ano passado.

Outra surpresa positiva que pode abrir caminho para um afrouxamento da política monetária é a melhora da percepção dos agentes econômicos em relação à nova regra fiscal proposta pelo governo, que, com os últimos ajustes, vem se mostrando mais restritiva do ponto de vista do gasto público.

Safra recorde

Além disso, uma pressão menor sobre os preços dos alimentos, diante da perspectiva de safra recorde neste ano, como divulgou ontem o IBGE, ajuda a corroborar a visão de que a inflação deve continuar desacelerando nos próximos meses.

Para Silvio Campos Neto, economista-sênior da consultoria Tendências, a melhora da inflação e a valorização do real reforçam a expectativa de que a taxa possa cair no início do segundo semestre. Segundo o economista, a queda do dólar dá mais segurança ao Banco Central (BC) para reduzir suas projeções, embora ainda seja necessária uma confirmação desse movimento.

O economista acredita, contudo, que a tramitação e a aprovação das novas regras fiscais — de preferência, sem mudanças que criem exceções para gastos ou que prejudiquem o próprio efeito do arcabouço — são os principais fatores que pesam na decisão do BC:

— A versão apresentada foi bem recebida porque tem controle de despesas, mas há dúvidas sobre a tramitação no Congresso. Dá até para dizer que junho está no jogo (para redução dos juros), mas ainda não é tão claro que esse movimento possa acontecer no primeiro semestre.

No mês passado, a Tendências já havia revisto o cenário para os juros, prevendo que o início do corte seria em agosto, em vez de em novembro, e que a Selic encerraria o ano em 12,5%, ante estimativa anterior de 13%.

Diante de um alívio na percepção de risco fiscal, o banco Inter revisou a estimativa de câmbio de R$ 5,20 para R$ 5 ao final de 2023. Segundo Rafaela Vitória, economista-chefe da instituição, o BC deverá começar a reduzir os juros no mês de agosto, quando a autoridade passa a olhar para os efeitos na economia nos anos de 2024 e 2025.

Roberto Padovani, economista-chefe do banco BV, também projeta corte da Taxa Selic em agosto. Ele lembra que o arcabouço fiscal foi bem recebido pelo mercado e cita que o dólar em queda ajuda a reduzir a inflação. Mas faz a ressalva de que esse movimento leva tempo até se materializar na economia, e isso influencia no timing de queda dos juros:

— É preciso ver como isso se materializa em inflação mais baixa. O BC tem que aguardar para avaliar os efeitos concretos, tanto do arcabouço fiscal quanto da apreciação do real sobre a dinâmica da inflação.

Incertezas no horizonte

Andrea Angelo, estrategista de inflação da Warren Rena, também trabalha com o cenário de queda da Selic em agosto diante da desaceleração gradual da inflação de serviços. Ela diz que, se as notícias positivas sobre a safra se confirmarem, a alta na alimentação no domicílio será menor neste ano, e a sua projeção para o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 2023 cai de 6% para 5,8%.

— A temperatura é de uma inflação mais baixa — afirma a economista.

Apesar da melhora no cenário macroeconômico, analistas citam diferentes incertezas que permanecem no horizonte e que precisarão ser monitoradas, já que podem impactar na política monetária.

—Tem o debate sobre a meta de inflação que é legítimo, mas é complicado pela forma como tem sido conduzido, e a transição dos diretores do Banco Central, cujos nomes indicados devem ser conhecidos em breve. Fica a dúvida se será um nome que vai contrapor as ideias do presidente do BC — diz Silvio Campos Neto, da Tendências.

Padovani, do BV, destaca quatro desafios no processo de queda do IPCA: a turbulência global, que afeta o câmbio; a reoneração dos combustíveis; a dinâmica do mercado de trabalho mais aquecido, que dificulta o ritmo de queda do índice; e a comunicação do governo com relação à meta de inflação.

Mais cauteloso, ele mantém a expectativa de dólar a R$ 5,30 no fim do ano, diante da perspectiva de economia mundial com dados mais negativos ao longo dos próximos meses, o que amplia a tensão dos mercados.