Correio Braziliense, n. 21530, 26/02/2022. Cidades, p. 15

CPIs na Câmara têm poucos resultados

Edis Henrique Peres 
Pablo Giovanni


As Comissões Parlamentares de Inquérito (CPIs) são importantes ferramentas de fiscalização do Poder Legislativo. Ao longo do atual governo, uma CPI foi concluída, duas estão em andamento na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), e sete  aguardam assinaturas suficientes para serem prioridade no parlamento. No entanto, além de um dispositivo de fiscalização, as comissões desempenham um papel de articulação política e estratégia.


No governo Ibaneis Rocha (MDB), a CLDF concluiu a CPI do Feminicídio, com a entrega do relatório final em maio de 2021. Presidente da Comissão, Cláudio Abrantes (PDT) destaca que a investigação desafiou todos os envolvidos. “Foi um mergulho na realidade da mulher que, de alguma forma, vive em situação de risco, vítima de abusos e agressões. Vale lembrar, por exemplo, que a condução dos trabalhos teve como um dos entraves a pandemia, em um período de ainda mais incertezas e sem a presença das vacinas. O principal recado que a CPI deixa, inclusive para a política, é a necessidade de que haja integração entre toda a sociedade e do poder público. A educação, o engajamento permanente de todos, o combate ao silêncio, sem espaço para qualquer tipo de omissão ou procrastinação, é o que vai construir uma realidade positiva para a mulher”, pondera.


O relatório final produzido avaliou que “os serviços especializados funcionassem de forma integrada e fossem coibidas práticas de violência institucional” as “trágicas mortes de mulheres entre 2019 e 2020 poderiam ser evitadas”. Diversas ações foram propostas pelos parlamentares, incluindo medidas para o Judiciário, para o Legislativo e para o Executivo, entre elas, a criação de um Observatório do Feminicídio e o monitoramento integrado das medidas protetivas de urgências. Em agosto, o Diário Oficial do Distrito Federal (DODF) publicou a decisão que acrescentou o observatório entre as medidas de proteção à mulher.


No entanto, desde 2019, não houve outra CPI finalizada pela CLDF. Cientista política, Fernanda Barros destaca que a comissão “tem um caráter de identificar os atos omissos e as improbidades feitas pelo Poder Executivo”. “Ela também tem um papel na proposta política, enquanto um grupo de pressão da agenda governamental, e tem uma função bastante precisa. Essa medida (da CPI) está dentro do nosso rito constitucional, justamente para que o nosso Legislativo possa judicializar e fiscalizar o Executivo, cobrando aquilo que se espera dos governantes”, explica.


Essa ação é considerada um instrumento de minoria, pois prevê o quorum de aprovação de um terço dos parlamentares, conforme detalha o advogado e professor da Universidade Católica de Brasília (UCB) Caio Morau. “Os membros da comissão tem poderes iguais aos de autoridade judiciais, e a CPI oferece uma leva de instrumentos muito grande de investigação, como convocação de autoridade para depor, quebra de sigilo fiscal, bancário e de telefone, busca e apreensão e uma série de dispositivos previstos na Constituição”, enumera.


Caio cita que, ao final do processo, a CPI entrega um relatório com duas partes principais. “O indiciamento das pessoas, se há indício de autoria e materialidade de possíveis crimes; e o aperfeiçoamento de determinadas normas para que sejam criadas novas leis ou medidas referente ao tema”, complementa o professor. Após essa fase o documento é entregue ao Ministério Público (MP), que vai decidir se oferece uma denúncia.


Em mãos


Duas CPIs estão em andamento na Câmara Legislativa. Presidente da Comissão de Sonegação Fiscal, Rodrigo Delmasso (Republicanos) avalia que os trabalhos estão “em bom andamento”. “Fizemos alguns requerimentos e pedimos informações para a Secretaria de Economia. Recebemos parte desse retorno. A área técnica está analisando, e esperamos concluir a primeira etapa até 7 de março. A ideia é verificar se existe uma sonegação por parte dos bancos e, caso exista, queremos aumentar a arrecadação do DF”, adianta o deputado.


A segunda CPI em andamento trata sobre maus-tratos a animais. Daniel Donizet (PL), presidente da Comissão, argumenta que diariamente os animais são vítimas de violência. “A natureza dos casos registrados vai desde atos de crueldade até a morte, perseguição, caça, apanho e utilização de espécimes da fauna silvestre. Portanto, é incontestável a necessidade de que a situação seja investigada e fiscalizada”, defende o parlamentar.


Apesar disso, segundo Donizet, “as próprias autoridades do DF confessaram não fiscalizar e apurar boa parte das denúncias de crimes contra animais por falta de efetivo ou de local para levar os animais resgatados. Eu recebo inúmeras mensagens, diariamente, de cidadãos reclamando”. O deputado ressalta que a CPI busca mapear os casos de maus-tratos e “solicitar informações aos órgãos do governo, à Polícia Civil, ai Instituto Brasília Ambiental e ao Tribunal de Justiça do DF e Territórios”.


Interferência


Com tais prerrogativas, as CPIs desempenha um papel de articulação política. Neste governo, dois requerimentos estão parados: a da Pandemia, que pretende investigar a regularidade dos atos praticados pelo Poder Executivo; e a do Instituto de Gestão Estratégica (Iges) que avalia a contratação de empresas e o sobrepreço em contratos e gastos corporativos do instituto. Uma das parlamentares que assinou e propôs as duas CPIs é Arlete Sampaio (PT), oposição da base do governo.


A parlamentar destaca que “13 deputados fizeram o requerimento da CPI da pandemia, ou seja, a maioria da Casa, pois somos 24 parlamentares”. “Era obrigação da Mesa conseguir prioridade para a CPI da Pandemia. Contudo, depois, um deputado retirou a assinatura. O que vale dizer é que o nosso objetivo não é a condenação prévia de ninguém, é uma apuração séria do que aconteceu com a Saúde. Da mesma forma com a CPI do Iges, que temos as oito assinaturas necessárias, mas não o suficiente para ela ser considerada prioridade, e só podemos ter, pelo regulamento da Casa, duas CPIs em andamento. A gente percebe que algumas propostas de CPIs são apenas uma manobra de direcionamento do governo”, opina Arlete.


Cientista político e advogado, Valdir Pucci explica que esse é um movimento comum dentro da política. “A CPI é instrumento desse jogo, porque, muitas vezes, um deputado que é desprestigiado pelo governador coloca o nome em um pedido de CPI, uma vez que o instrumento permite a retirada do nome até a Comissão ser instaurada, afim de buscar um prestígio junto ao Poder Executivo”, conta.


Na avaliação de Valdir, algumas CPIs que aguardam para serem aprovadas na CLDF não devem ser emplacadas até o fim desta legislatura. “Pela força do governador, não acredito na instauração de CPI contra a (Secretaria) de Saúde e o Iges passarem por esse processo, porque os deputados assinaram e, depois, retiraram a assinatura. O apoio ao governo é majoritário na Câmara”, destaca.


Apesar dos esforços para a aprovação de uma CPI, e do tempo que dura a investigação da Comissão, nem sempre o MP considera que há materialidade para instaurar um inquérito. Especialista em direito público, Amanda Caroline explica o motivo de a população muitas vezes ficar com a impressão de que a investigação “acabou em pizza”. “A CPI no relatório final pode arquivar o fato, caso não tenha indício de fraude ou crime, ou apresentar o processo ao Ministério Público, pois ele é o detentor da ação penal”, afirma.


“Muitas pessoas pensam que a CPI vai punir os responsáveis, porque, passados tantos dias ouvindo-os, se acredita que esse será o fim do procedimento. No entanto, a Comissão não tem esse poder. Será o MP que avaliará se a denúncia tem provas e indícios fortes, com materialidade e autoria, para que a ação seja iniciada. Nem sempre o processo vai adiante, e o MP pode simplesmente dizer que as provas são frágeis, como no caso que todo o país presenciou, da CPI da Covid-19, quando o Ministério Público, sem exemplificar quais provas, apenas disse que o indiciamento estava frágil”, detalha Amanda Caroline.

 

*Estagiário sob a supervisão de Guilherme Marinho