O Estado de S. Paulo, n. 46649, 07/07/2021. Política, p. A4

Bolsonaro diz que indicará Mendonça para o Supremo

Marcelo de Moraes
Weslley Galzo
Daniel Weterman


O presidente Jair Bolsonaro anunciou ontem, em reunião com sua equipe de governo, a decisão de indicar o ministro-chefe da Advocacia-geral da União (AGU), André Mendonça, para o Supremo Tribunal Federal (STF). A escolha é uma resposta do presidente à promessa de optar por um nome "terrivelmente evangélico" para a Corte. Pastor da Igreja Presbiteriana Esperança, de Brasília, Mendonça tem o apoio da maioria dos líderes evangélicos que Bolsonaro quer manter a seu lado na campanha pelo segundo mandato, mas enfrenta resistências no Senado – que terá de apreciar sua indicação.

Por ordem de Bolsonaro, o homem que pretende substituir o ministro Marco Aurélio Mello no Supremo iniciou ontem mesmo o tradicional "beija mão", em busca de votos no Senado. Decano do STF, Marco Aurélio vai se aposentar, aos 75 anos, na próxima segunda-feira. Até agora, dos 11 ministros que compõem o Supremo, o presidente só nomeou Kassio Nunes Marques.

Ex-ministro da Justiça e da Segurança Pública, Mendonça se desgastou com o Congresso e o Judiciário por requisitar à Polícia Federal a abertura de inquéritos em série contra críticos e adversários de Bolsonaro, com base na Lei de Segurança Nacional (LSN), classificada como um entulho autoritário da ditadura militar.

Em diversas ocasiões, ele acionou a Polícia Federal e a Procuradoria-geral da República para fazer diligências contra críticos do presidente. Em março, por exemplo o ex-ministro Ciro Gomes – pré-candidato do PDT à sucessão de Bolsonaro – recebeu notificação de que estava sendo investigado por crime contra a honra do presidente, após criticá-lo em uma entrevista.

A ofensiva do governo Bolsonaro contra seus opositores, muitas vezes capitaneada por Mendonça, tem sofrido seguidos reveses no Ministério Público e em tribunais do País. Em março o Estadão mostrou que o número de inquéritos abertos pela Polícia Federal com base na Lei de Segurança Nacional, sob Bolsonaro, aumentou 285% em relação a governos anteriores – foram 77 investigações entre 2019 e 2020.

Além disso, em agosto do ano passado também vieram à tona dossiês montados pelo Ministério da Justiça contra servidores públicos de carreira considerados antifascistas. No julgamento do caso, o Supremo poupou Mendonça, mas sua imagem ficou arranhada. À época, as maiores críticas se voltaram contra Bolsonaro porque magistrados ponderaram que o monitoramento de servidores teria começado antes da gestão de Mendonça à frente da Justiça. Em nota, o ex-juiz Sérgio Moro, seu antecessor, disse desconhecer a existência de qualquer dossiê.

Fiel. Aos 48 anos, o escolhido por Bolsonaro para a cadeira hoje ocupada por Marco Aurélio é fiel aliado do presidente e visto por ele como um "curinga". Foi nomeado em 2019 para comandar a AGU, mas, quando Moro pediu demissão, em abril de 2020, Bolsonaro puxou Mendonça para o Ministério da Justiça. No fim de março deste ano, o presidente o avisou que precisaria entregar a pasta da Justiça para Anderson Torres. Já com a perspectiva de ser indicado para o Supremo, Mendonça voltou para a AGU.

O ministro foi recebido ontem em um almoço com senadores do DEM, PL, PSC e PSDB. No cardápio, o anfitrião Wellington Fagundes (PL-MT) encomendou uma surpresa: o prato principal era "supremo de frango". Na sabatina informal, porém, os parlamentares queriam mesmo saber como o titular da AGU vai se posicionar caso assuma a cadeira de magistrado.

No Congresso e no Palácio do Planalto há críticas sobre o chamado "ativismo judicial" do Supremo, com excesso de decisões consideradas políticas. Mendonça evitou tecer comentários sobre a atuação da Corte, mas tentou passar uma imagem de humildade e disse que seus princípios religiosos o credenciam para exercer o cargo.

Nos bastidores, um grupo influente de senadores articulava para que Bolsonaro escolhesse o presidente do Superior Tribunal de Justiça (STJ), Humberto Martins.

Até mesmo o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-rj) disse ter muita simpatia por Martins. Mas a proximidade do presidente do STJ com o senador Renan Calheiros (MDB-AL), relator da CPI da Covid e hoje um dos principais adversários de Bolsonaro, acabou criando obstáculos políticos para a indicação.

Martins também tinha a preferência do senador Davi Alcolumbre (DEM-AP), ex-presidente do Senado e hoje no comando da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ). É nessa comissão que a sabatina de Mendonça será feita assim que sua indicação for oficializada pelo governo. Cabe ao Senado sabatinar o escolhido pelo presidente para atestar o seu notório saber jurídico. O nome passa por votação e sabatina na CCJ e no plenário.

Alcolumbre é um dos que não escondem a contrariedade com o Mendonça, tanto que ontem não participou do almoço promovido por Fagundes, no qual ele era o convidado de honra. O anfitrião, porém, minimizou as resistências. "Mendonça tem demonstrado ser uma pessoa pronta para o diálogo e se comprometeu a trabalhar pelo fortalecimento das relações institucionais. Isso vai ajudar a levar ao STF os anseios da população, o que é fundamental nas tomadas de decisões, em consonância com as leis", disse Fagundes. / Colaborou Felipe Frazão