O Estado de São Paulo, n. 46658, 16/07/2021. Política p.A6

 

Bolsonaro: 'Chance de cirurgia está bastante afastada'

 

Internado em São Paulo após diagnóstico de obstrução intestinal, o presidente Jair Bolsonaro afirmou ontem à noite que seu quadro de saúde "evoluiu" e que a chance de ser submetido por uma cirurgia está "bastante afastada". As declarações foram dadas ao lado do médico Antônio Luiz Macedo, durante entrevista ao vivo, do quarto do hospital, concedida ao apresentador Sikêra Júnior.

"Cheguei aqui no dia de ontem (quarta-feira) com um indicativo muito forte de cirurgia, tendo em vista ter sido constatada a obstrução intestinal. De ontem para hoje (quinta) evoluiu bastante esse quadro, então a chance de cirurgia está bastante afastada", disse Bolsonaro.

Macedo confirmou a informação, afirmando que a possibilidade de cirurgia está "afastada, uma vez que o intestino começou a funcionar". O médico, no entanto, não mencionou qualquer previsão de alta.

Em um boletim divulgado ontem à noite, após a entrevista ter ido ao ar, a equipe médica informou que o presidente removeu a sonda nasogástrica, que faz a retirada do líquido retido no organismo. Os médicos dizem que Bolsonaro está "mantendo evolução clínica satisfatória". O boletim informa ainda que a alimentação deve ser iniciada hoje.

O presidente foi transferido para o hospital Vila Nova Star na noite de anteontem após passar um dia internado em Brasília. A decisão de levá-lo a São Paulo foi de Macedo, responsável por operá-lo em 2018 após a facada da qual foi vítima em compromisso de campanha na cidade de Juiz de Fora (MG). O presidente já passou por seis cirurgias em três anos – a maioria das intervenções foi relacionada ao ataque.

Nas últimas duas semanas, Bolsonaro vinha reclamando de soluços recorrentes. Chegou a atribuir o problema a remédios que tomava por causa de um implante dentário. "A obstrução intestinal, a obstrução do trânsito do intestino, é uma consequência habitual em pessoas submetidas a cirurgias dentro da cavidade abdominal", afirmou o gastroenterologista José Augusto Messias, professor de clínica médica da UERJ. "As cicatrizes do procedimento podem formar aderências, bloqueando o fluxo do intestino."

Durante a tarde, um pequeno grupo de apoiadores de Bolsonaro esteve em frente ao hospital. Outro manifestante, apoiador do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, levantou um cartaz contra o atual presidente.

 

Histórico. Pouco tempo depois da posse, em 28 de janeiro de 2019, o presidente foi submetido a um procedimento para a retirada da bolsa de colostomia, colocada ainda na primeira cirurgia, no Albert Einstein. Em 8 de setembro do mesmo ano, no Hospital Vila Nova Star, foi realizada mais uma intervenção para a correção de uma hérnia surgida na cicatriz da facada.

Em 30 de janeiro do ano passado, no Hospital das Forças Armadas, em Brasília, Bolsonaro fez uma vasectomia (a segunda) para esterilização. Alguns meses depois, em setembro, no dia 24, se internou novamente, agora no Albert Einstein, em São Paulo, para a retirada de um cálculo renal. Esses dois procedimentos não estão relacionados à facada.

Na última quarta-feira, também no Hospital das Forças Armadas, foi constatada a nova obstrução intestinal. "Na maioria das vezes, o tratamento para essas aderências (ou bridas) intestinais é clínico mesmo; até porque, quanto mais cirurgias forem feitas, maior a chance do surgimento de novas aderências", disse Messias.

"Em geral, com a retirada do líquido retido (procedimento ao qual o presidente já foi submetido), o problema se resolve sozinho", afirmou o professor de clínica médica da UERJ. / GILBERTO AMENDOLA, PEDRO CARAMURU, TULIO KRUSE, ROBERTA JANSEN, PAULA FELIX e VICTOR SGUARIO, ESPECIAL PARA O ESTADÃO

 

"A continuar assim, não precisará fazer cirurgia!"

Flávio Bolsonaro

SENADOR E FILHO DO PRESIDENTE

 

PRESTE ATENÇÃO

1. Obstrução intestinal. A obstrução parcial detectada no intestino do presidente Jair Bolsonaro é um quadro que pode ocorrer em pacientes que já enfrentaram procedimentos cirúrgicos no órgão, caso do chefe do Executivo.

2. Tratamento. O "tratamento conservador" adotado (sem cirurgia corretiva) é estratégia que se mostra eficaz e ajuda a evitar novos episódios no futuro, segundo especialistas ouvidos pelo Estadão.

3. Atentado. Após ter sofrido um atentado a faca em 2018, Bolsonaro já foi submetido a seis cirurgias na região abdominal, que acabam aumentando as possibilidades de eventos de aderência do órgão e obstruções.

4. Sintomas. O diagnóstico foi feito a partir da análise de sintomas, como inchaço abdominal, soluços, sensação de estômago cheio, refluxo, vômitos e dores. Desde a semana passada, o presidente vinha se queixando de uma crise de soluços.

5. Monitoramento. Durante a internação, a recuperação do paciente é monitorada antes de se definir se será necessária uma cirurgia.

 

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Vitimismo nas redes contraria aliados

 

CENÁRIO: Vera Rosa

 

Dirigentes de partidos do Centrão esperam que a internação de Jair Bolsonaro e o recesso do Congresso, nos próximos dias, sirvam como pausa para um freio de arrumação política. Após a ofensiva de Bolsonaro contra ministros do Supremo Tribunal Federal e ameaças golpistas, o presidente foi instado a adotar o estilo "Jairzinho paz e amor", que não durou 48 horas. Agora, o discurso de aliados mais ideológicos para desviar o foco da crise é puxado pela hasthag #QuemMandouMatarBolsonaro. Pragmático, o Centrão avalia que não se vence a tempestade no gogó e quer um nome do Senado como ministro, para ajudar na articulação do governo.

O presidente tem usado sua doença como mais uma arma contra o PT, ao lembrar da facada sofrida em setembro de 2018, durante a campanha eleitoral. Além disso, o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) disse não entender os critérios usados pelo Judiciário para quebrar o sigilo telefônico de "algumas pessoas" e "proteger outras". Nesse capítulo, voltou à cena a acusação de que Adélio Bispo – autor da facada em Bolsonaro – foi financiado por forças ocultas da esquerda para cometer o atentado.

As quebras de sigilo telefônico criticadas por Flávio estão relacionadas a uma nova frente de investigação aberta pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes sobre uma "organização criminosa" envolvendo o "gabinete do ódio" instalado no Palácio do Planalto.

Pressionado pela CPI da Covid, por denúncias de corrupção e pelo crescente desgaste de imagem, agravado por protestos de rua pedindo o impeachment, Bolsonaro ouviu de aliados, dias antes da internação, o conselho para "submergir" e fazer mudanças no ministério. Uma das trocas sugeridas para apaziguar os ânimos seria a nomeação de um senador para o "núcleo duro" da equipe. No diagnóstico desses interlocutores, a estratégia diminuiria as resistências à indicação de André Mendonça para ocupar uma cadeira no Supremo. Mendonça ainda precisa ter o nome aprovado pelo Senado e será sabatinado em agosto, após o recesso.

Um dos líderes do Centrão chegou a dizer ao presidente que, se cada um dos Poderes voltar para "sua casinha", será possível virar a página da crise. Bolsonaro, porém, não quer substituir o ministro da Casa Civil, general Luiz Eduardo Ramos, seu amigo de mais de 40 anos, apesar dos apelos de aliados, que dão como certa a queda do líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-PR).

Ex-ministro da Saúde, Barros teve o nome citado pelo deputado Luiz Miranda (DEM-DF) em depoimento à CPI da Covid. Até agora Bolsonaro não desmentiu que atribuiu a Barros o "rolo" nas negociações para compra da vacina indiana Covaxin. Na prática, o articulador político do Planalto tem sido Flávio, o filho "01", que encerra as postagens nas redes sociais com a hasthag #QuemMandouMatarBolsonaro. O contra-ataque do governo para sair das cordas passa por criar um novo fato, que une a facada, a esquerda, o mártir e, agora, as eleições de 2022.

A tese da conspiração serve para construir a narrativa do salvador da Pátria sacrificado, que embala a campanha à reeleição com um sofrido "Jairzinho paz e amor". Como na fábula do sapo e do escorpião, no entanto, Bolsonaro sempre seguirá a sua natureza.