O Estado de São Paulo, n. 46656, 14/07/2021. Política p.A10

 

Mendonça tenta acalmar o Senado e chegar ao STF

 

Weslley Galzo

Oficialmente indicado pelo presidente Jair Bolsonaro, ontem, à vaga deixada pelo ministro Marco Aurélio Mello no Supremo Tribunal Federal, André Mendonça começou uma peregrinação em busca da aprovação dos senadores para ter seu nome aprovado pelo plenário da Casa, ainda resistente a sua nomeação. Alçado ao Supremo sob o rótulo de "terrivelmente evangélico", Mendonça se destacou principalmente pela lealdade ao presidente.

No Congresso, a resistência ao nome do atual advogado-geral da União e ex-ministro da Justiça e Segurança Pública se dá, sobretudo, pelo fato de os parlamentares avaliarem a sua atuação no governo como subserviente ao presidente. Os senadores temem que ele use o cargo de ministro para perseguir e punir políticos contrários ao projeto de Bolsonaro.

Diante deste quadro, Mendonça se mobilizou no último mês para se tornar um nome mais palatável aos senadores. Com Bolsonaro prometendo antecipadamente aos setores evangélicos que ele seria o escolhido, o ministro da AGU procurou o Congresso para se despir da pecha de ter pouca interlocução política. Apesar da resistência que enfrenta no Legislativo, ele conseguiu desbancar outro favorito ao cargo de ministro do STF, o procurador-geral da República Augusto Aras.

Entre os membros da Corte da qual pretende fazer parte, a percepção é outra. Segundo apurou o Estadão, não há resistência interna entre os ministros do Supremo quanto à indicação de Mendonça. O presidente do STF, Luiz Fux, e o ministro Dias Toffoli – com quem Mendonça trabalhou na AGU – apoiam seu nome por sua capacidade técnica. O mesmo é defendido pelo ministro Luis Roberto Barroso, que o considera um jurista com bons resultados como servidor público e um quadro importante para a Corte.

A formação acadêmica de Mendonça, com pesquisas desenvolvidas na Universidade de Salamanca (Espanha) com foco no estudo da corrupção, também chegou a ser aventada no Congresso como um sinal de que ele poderá integrar a ala "punitivista" da Corte.

Para Roberto Dias, professor de direito constitucional da Fgv-direito (SP), porém, o perfil de Mendonça não se enquadra nas duas alas comumente citadas para explicar a organização do plenário do Supremo: a punitivista e a "garantista" (maior ênfase aos direitos dos réus). "Ele ultrapassa os limites do perfil punitivista e chega a ser autoritário ao usar mecanismos que não são legítimos do ponto de vista Constitucional para calar a oposição", afirma.

Rubens Beçak, professor associado de direito constitucional da Universidade de São Paulo (USP), avalia que Mendonça se notabilizou, justamente, pelo apego à Lei de Segurança Nacional (LSN) em sua atuação. Ele destaca a importância de o Senado Federal analisar os indícios de "subserviência ao presidente, em vez da Presidência da República", quando esteve no cargo de ministro da Justiça.

O indicado do Planalto ao Supremo usou a LSN – um dispositivo originado no período da ditadura militar – para investigar críticos do presidente e do governo. Jornalistas que expressaram críticas a Jair Bolsonaro e, até mesmo, o presidenciável Ciro Gomes (PDT) foram alcançados por processos movidos por Mendonça.

Quando ocupou o cargo de ministro da Justiça deixado por Sergio Moro, que acusou o presidente Bolsonaro de tentar interferir nas ações da PF, tinha poderes para solicitar à Polícia Federal a instauração de inquéritos contra personalidades que pudessem representar ameaças ao presidente. Na AGU, Mendonça defendeu a submissão dos Estados no caso das decisões sobre pandemia e, ainda, que civis que ofendam instituições militares passem a ser julgadas por militares.

 

Barreira

Aproximação de Mendonça com Bolsonaro, a quem já deu provas de lealdade,é o principal foco de resistência entre senadores

 

Alvo

41

votos, entre os 81 senadores, é o número mínimo que André Mendonça precisa conquistar para ser confirmado ao Supremo

 

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Um ministro 'terrivelmente' bolsonarista?

 

ANÁLISE: Vinicius do Valle

 

Indicado por Jair Bolsonaro para uma vaga no STF, o advogado-geral da União, André Mendonça, é doutor pela Universidade Salamanca. Ainda que pesem suas habilidades jurídicas, o que atrai o presidente é sua interlocução junto aos setores evangélicos do País, que representam cerca de 30% dos brasileiros. Em 2018, estima-se que Bolsonaro contou com o apoio de 70% dos evangélicos. Hoje, com a popularidade em queda, há pesquisas que já mostram uma maioria desse eleitorado inclinada a votar em candidatos da oposição. Se o eleitorado evangélico ameaça abandonar o barco do bolsonarismo, o mesmo não foi constatado entre os principais líderes religiosos, que permanecem ao lado do presidente – e têm excelente interlocução com Mendonça.

André Mendonça é teólogo e pastor. Suas pregações acontecem principalmente na Igreja Presbiteriana Esperança de Brasília, mas ele é também convidado a pregar em cultos de diferentes denominações pelo País. Trata-se, portanto, não de um representante de uma denominação ou vertente específica, mas, sim, de uma figura com importante trânsito dentro de todo o universo evangélico, dos históricos aos neopentecostais – característica nada simples de se encontrar.

Em um mundo ideal, a proximidade com setores religiosos não deveria apresentar problemas para o postulante a ministro, visto que, em um Estado laico, a filiação e o exercício religioso comporiam questões privadas, e não romperiam a neutralidade do Estado frente às distintas religiões. No entanto, a confusão entre profissão de fé e exercício de poder público vem sendo a marca da "bancada da Bíblia", e uma das características centrais da atuação de Bolsonaro. Nesse quesito, o histórico de Mendonça traz preocupações: em abril, em sustentação oral no STF, Mendonça se utilizou da Bíblia para defender a manutenção de templos religiosos abertos durante a pandemia de covid-19. Nas suas pregações, Mendonça chegou a dizer que "Não podemos nos curvar a qualquer poder que não seja o poder de Deus". Para além da questão religiosa, assusta o fato de Mendonça ter usado, enquanto ministro da Justiça, a Lei de Segurança Nacional para inquéritos contra opositores do governo.

Não preocupa, portanto, a filiação religiosa do indicado ao STF, mas, sim, sua atuação, religiosa e política, "terrivelmente bolsonarista".

DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA PELA USP E AUTOR DE 'ENTRE A RELIGIÃO E O LULISMO'

 

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O discreto delegado que vai investigar o presidente

 

PERFIL  -  William Tito Schuman Marinho, delegado da Polícia Federal

 

Vinicius Valfré

O inquérito da Polícia Federal (PF) aberto para apurar se o presidente Jair Bolsonaro cometeu o crime de prevaricação diante de denúncias de corrupção na compra de doses da vacina indiana Covaxin será conduzido pelo delegado William Tito Schuman Marinho, de 44 anos. Há 19 na corporação, ele tem atuação nas áreas de inteligência e de repressão ao crime organizado.

No fim de 2015, o delegado foi cedido da Superintendência de São Paulo para a Operação Lava Jato, no Paraná. Em 2017, integrou a equipe da Operação Carne Fraca, que apurou esquema de fraudes no Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento e irregularidades supostamente praticadas por frigoríficos – sempre sem aparecer na linha de frente das entrevistas coletivas.

Tito tem uma veia filosófica. Imediatamente após terminar o curso de Direito, em 2000, emendou uma graduação em Filosofia, na USP, como registra seu currículo.

Mais recentemente, em 2013, o delegado concluiu um mestrado nesta área, com pesquisas sobre John Rawls, um importante filósofo do século XX que desenvolveu teorias sobre justiça, bem-estar social e democracia.

O inquérito que apura a suposta prevaricação de Bolsonaro foi instaurado por determinação da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF). O caso foi levado ao STF depois do deputado federal Luis Miranda (DEM-DF) e o irmão dele, Luís Ricardo Fernandes Miranda, chefe da Divisão de Importação do Ministério da Saúde. Eles relataram em depoimento à CPI da Covid, que apresentaram ao presidente Jair Bolsonaro denúncias de irregularidades no contrato de compra da vacina indiana Covaxin. Segundo or irmãos, na ocasião Bolsonaro teria classificado os relatos como "graves" e dito que pediria providências à PF. Em 24 de junho, quase três meses depois, não havia inquérito aberto na PF para apurar o caso. Outro inquérito, para apurar a denúncia dos irmãos Miranda, foi instaurado em 30 de junho.