O Estado de S. Paulo, n. 46644, 02/07/2021. Metrópole, p. A11

3 perguntas para...

Entrevista: Paulo Moutinho, do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia


1. A que se deve o aumento no número de focos de calor em junho?

Existe uma mudança de perfil no desmatamento da Amazônia, especialmente nesses dois últimos anos. A grilagem avançou muito. Ou seja, a ocupação de florestas em terras públicas. Nós estamos assistindo a uma usurpação do patrimônio público do brasileiro. Os retrocessos que o País sofreu na política ambiental ajudam nesse sinal de que se pode continuar com a grilagem que nada vai acontecer, e também a situação de ausência do Estado em grande parte das regiões de florestas públicas. Combinado, isso causa problemas de desmatamento e fogo.

2. O Cerrado também teve um alto número de focos. É um fenômeno parecido com o da Amazônia?

O Cerrado sempre foi o primo mais afetado da Amazônia. O Cerrado tem uma legislação que o protege bem menos do que o bioma amazônico e é uma área com grande interesse do agronegócio, em que o fogo continua sendo uma ferramenta para abrir pastagem. O Cerrado vem tendo cada vez mais grandes períodos de seca. Às vezes, acontecem secas mais ao sul da Amazônia e no centro-oeste. Estamos passando por uma situação como essa agora. O fogo, que já é parte do sistema, fica mais exacerbado ainda, queimando o pouco que resta de vegetação nativa. Tanto na Amazônia quanto no Cerrado, se nós não pararmos esse processo de degradação, desmatamento e uso insustentável da terra, e se isso for combinado com o avanço da mudança climática global, o cenário que nós vimos nos últimos dois ou três anos vai ser o novo normal.

3. Qual é a relação desse cenário com a crise hídrica no Brasil?

A crise tem dois componentes: a falta de chuva, comum durante os períodos de muita seca, e o avanço do desmatamento, que torna o efeito de eventos extremos, como a La Niña, ainda pior. Então, você tem uma crise hídrica que é não ter mais florestas para continuar deixando o clima mais ameno e mais chuvoso e, combinado com esses eventos extremos, tem-se um risco hídrico muito grande. Não só para abastecimento de água para o consumo humano, mas também para as hidrelétricas. Tudo está interligado.