O Globo, n. 32750, 07/04/2023. Economia, p. 12

“Arcabouço fiscal vai exigir queda dos juros'', afirma Haddad

Renan Monteiro


O ministro da Fazenda, Fernando Haddad, afirmou ontem que a nova âncora fiscal obrigatoriamente levará a uma queda na Taxa Selic — hoje em 13,75% ao ano.

— Estamos recompondo a base fiscal. Isso vai exigir, mais do que permitir, uma queda na taxa de juros, porque, se as contas estão em ordem, não tem por que pagar juros tão altos, os maiores do mundo hoje —disse Haddad em entrevista à BandNews.

A fala do ministro foi feita no dia seguinte à declaração de Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central, de que não há “relação mecânica” entre o marco fiscal e a queda de juros. E que o mercado trabalha pelo “canal das expectativas”, indicando que o novo arcabouço não necessariamente levará à redução da taxa.

Ao divulgar o arcabouço fiscal —que fixa regras para reduzir a dívida pública e levar as contas do governo de volta ao azul já em 2024 —, a equipe econômica afirmou que a meta é economizar R$ 360 milhões com juros até 2031.

A expectativa é que a regra fiscal seja encaminhada ao Congresso Nacional na próxima semana, até o dia 15.

O novo regramento para as contas públicas conta com uma receita adicional entre R$ 110 bilhões e R$ 150 bilhões para viabilizar as metas contidas na proposta.

Um pacote de medidas está sendo estruturado. A principal delas é proibir que empresas com incentivos fiscais concedidos por estados, via ICMS, possam abater esse crédito da base de cálculo de impostos federais (IRPJ e CSLL). A medida prevê receita de R$ 85 bilhões a R$ 90 bilhões.

Segundo Haddad, cerca de 500 empresas que têm “superlucros” usam brechas tributárias para não pagar impostos:

— Estamos falando de grandes empresas que têm superlucros. De 400 a 500 com superlucros, que, com expedientes ilegítimos, fizeram constar no sistema tributário o que é indefensável, como subvencionar o custeio de uma empresa que está tendo lucro. Se uma empresa está tendo lucro, por que o governo vai entrar com dinheiro subvencionando essa empresa?

Sites estrangeiros

Segundo o ministro, essas empresas que pagam poucos impostos causam distorções na economia e pressionam as finanças públicas. E essa é uma das razões para a Taxa Selic elevada no país.

— Está caro (o crédito) porque essas empresas desarrumaram o Orçamento federal. Quanto mais desarrumado estiver o Orçamento federal, mais vai ser difícil a gente ter uma taxa de juros decente. Essa que está aí é indecente. Não estou colocando a culpa em ninguém. Estou dizendo que, se a gente não corrigir as distorções do nosso sistema tributário e fiscal, sem onerar quem já está pagando impostos (os juros não vão cair).

Haddad afirma que o governo não pretende mexer no Simples nem reonerar a folha de pagamento das empresas. Também garantiu que a construção civil não terá aumento de tributos:

— Não estamos falando da pequena empresa, da média empresa nem da grande empresa. Estamos falando de empresas enormes. Hoje, 40% dos litígios do Judiciário dizem respeito a tributos. Repito, reoneração sobre a folha está no projeto? Não. Mexer no Simples? Não. Construção civil? Não. Consumo, sobretudo alimento? Não. Nada disso está na ordem do dia.

O Congresso dará a última palavra, segundo Haddad, mas terá que escolher entre a alternativa de “as empresas bilionárias” pagarem um pouco mais de imposto ou “cortar na carne de quem não tem, está no osso”.

— E vai manter essas tetas abertas pelo Orçamento, sem transparência nenhuma, porque a minha vontade é listar o que está acontecendo. Quando o cidadão souber o que está acontecendo, ele vai se indignar. Ele vai falar: “o meu salário não sobe para esse bilionário continuar mamando no Orçamento público”. Não é melhor fazer o contrário?

O ministro afirmou que quer também acabar com a concorrência “desleal” entre empresas que pagam impostos e companhias que burlam regras para evitar a tributação ao exportar produtos para o Brasil. Haddad não fez citação direta a qualquer empresa, mas disse que o foco é combater o “contrabando” no comércio eletrônico.

— Se o lojista brasileiro está vendendo roupas, está pagando impostos, pagando o funcionário e a Previdência, ele vai concorrer com contrabandista? Não. Agora, se o site chinês, americano, francês, de onde for, estiver dentro da lei, ele já está (...) não tem por que se preocupar. Não estamos criando nada novo, não estamos majorando alíquota.

Programa desenrola

Já a aposta do governo Lula para a renegociação de dívidas de pessoas físicas está dependendo da adesão de empresas privadas, segundo Haddad. O programa Desenrola funcionará como uma plataforma única para intermediar a negociação com as empresas.

Para isso, o governo precisa dos chamados “birôs de crédito”, como Serasa e SPC, que concentram os dados de negativados do setor privado. A estimativa da Fazenda é renegociar R$ 50 bilhões de 37 milhões de pessoas, com foco em quem ganha até R$ 5 mil.

— Estamos com problema operacional, que é fazer o software para o credor encontrar o devedor —disse o ministro, afirmando que quer pôr o programa no ar neste semestre.