O Estado de São Paulo, n. 46655, 13/07/2021. Política p.A5

 

Fux pede respeito aos 'limites da Constituição'

Weslley Galzo

Marcelo de Moraes

O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Luiz Fux, chamou ontem o presidente Jair Bolsonaro para uma conversa reservada e pediu a ele que respeitasse “os limites da Constituição”. O diálogo ocorreu dias após Bolsonaro ameaçar impedir as eleições de 2022, caso não seja aprovado no Congresso o modelo de voto impresso, e xingar o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luis Roberto Barroso, de “imbecil” e “idiota”.

Bolsonaro se comprometeu a adotar tom mais moderado e apresentou ali a indicação do advogado-geral da União, André Mendonça, para ocupar a cadeira de Marco Aurélio Mello, ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) que se aposentou compulsoriamente ontem, aos 75 anos. Cumpriu, assim, a promessa de indicar um nome “extremamente evangélico” para a Corte. “Pedi a ele que, uma vez por semana, comece a sessão (no Supremo) com uma oração”, disse o presidente. Mendonça é pastor e seu nome ainda terá de ser apreciado pelo Senado.

O anúncio do advogado-geral da União para a vaga no Supremo não consumiu nem dez minutos da conversa entre Bolsonaro e Fux. O presidente da Corte disse ser preciso apaziguar a tensão entre os Poderes e pediu a Bolsonaro que desse uma trégua nos ataques, classificados como “golpistas” não apenas pelo Judiciário, mas também pelo Legislativo.

“Convidei o presidente da República para uma conversa, diante dos últimos acontecimentos, onde nós debatemos o quão importante é para a democracia brasileira o respeito às instituições e os limites impostos pela Constituição Federal”, afirmou Fux, em entrevista após a reunião. O magistrado disse que, durante o encontro, Bolsonaro recorreu a uma fábula evangélica sobre perdão, demonstrando que entendeu o movimento para estancar a crise.

Pressionado pela queda de popularidade cada vez mais acentuada e por manifestações de rua pedindo o seu impeachment, Bolsonaro tem sido aconselhado a mudar, se não quiser perder apoio até mesmo do Centrão, bloco informal de partidos que o sustentam no Congresso.

“Sou Jairzinho paz e amor”, disse ele ontem, após a conversa com Fux, numa alusão à frase usada pelo então candidato Luiz Inácio Lula da Silva pouco antes de se eleger presidente pela primeira vez, em 2002, quando se apresentou com discurso conciliatório e mais simpático ao centro político. A nova versão de Bolsonaro, no entanto, não demonstrou ter novo entendimento sobre o voto impresso.

Na semana passada, Bolsonaro havia dito que “ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”. Ontem, ele afirmou que “devemos mostrar para o mundo que o Brasil é um país sério, com eleições limpas, auditáveis”. A proposta do voto impresso deve passar, na próxima quinta-feira, pelo crivo da comissão especial da Câmara formada para analisar o assunto, mas a tendência é que seja derrotada. “Aí vamos bater na tecla da contagem de votos”, insistiu o presidente. Bolsonaro atribui a Barroso as articulações políticas para barrar a aprovação da proposta que institui o voto impresso no Brasil.

 

Pai Nosso. Quando questionado se estava arrependido de ter xingado Barroso -- que, além de comandar o TSE, também integra o Supremo --, Bolsonaro ameaçou parar a entrevista. “Depois vocês dizem que eu sou grosseiro”, reclamou. Logo após a queixa, porém, pediu que todos os repórteres rezassem junto com ele o Pai Nosso.

O presidente afirmou que falou sobre a oração com Fux. “Eu disse que devemos perdoar as nossas ofensas assim como perdoamos a quem nos tem ofendido. Estamos perfeitamente alinhados e respeitosos para com a Constituição e cada um se policiará dentro do seu poder, no tocante a seus limites. E nós, do Executivo, não pretendemos sair dos limites”, afirmou.

Pela manhã, o presidente disse que tem sido alvo de “gente importante”. “Os problemas fazem parte. Sabia que ia ser difícil, mas esperava contar com mais gente importante do meu lado. Lamentavelmente, muita gente importante aí boicota”, disse Bolsonaro a apoiadores na porta do Palácio da Alvorada.

A reunião com Fux não esgotou as tratativas de conciliação. O presidente do Supremo disse que uma nova reunião será realizada para tratar da relação institucional entre os Poderes e fixar “balizas sólidas para a democracia brasileira”. A conversa, ainda sem data definida, contará com a presença do presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

“Nossas instituições são fortalezas que não se abalarão com declarações públicas e oportunismo”, escreveu Lira no Twitter há dois dias. “Enfrentamos o pior desafio da história com milhares de mortes, milhões de desempregados e muito trabalho a ser feito”.

Depois da reunião entre Bolsonaro e Fux, ontem, o deputado foi ainda amais enfático. “A presidência da Câmara tem compromisso com a democracia, com as pautas que desenvolvam o País, com a harmonia, com a governabilidade. A Câmara dos Deputados não tem compromisso algum com qualquer tipo de ruptura política, institucional e democrática”, argumentou.

 

‘Democracia’

“Debatemos o quão importante é para a democracia brasileira o respeito às instituições e os limites impostos pela Constituição Federal.”

Luiz Fux

PRESIDENTE DO STF

 

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'O palestino' preocupava o regime militar

 

Felipe Frazão

 

O Palestino. Esse foi o codinome dado ao pivô da recente crise entre as Forças Armadas e o Congresso, o presidente da CPI da Covid, Omar Aziz (PSD-AM). O senador e exgovernador do Amazonas foi monitorado pela ditadura militar e listado como subversivo, em relatórios do Serviço Nacional de Informações (SNI). Aziz militou no movimento estudantil e nas campanhas pelas Diretas Já e foi um dos responsáveis pela propaganda política do PCDOB.

O apelido “O Palestino” deriva das raízes familiares. O pai, Muhammad Abdel Aziz, era imigrante. A mãe, Delphina Rinaldi Abdel Aziz, brasileira. O senador nasceu em Garça (SP) e viveu parte da infância no Peru – por isso as citações durante sessões da CPI a expressões em espanhol comuns no país andino.

Em entrevista à Rádio Eldorado, ontem, Aziz afirmou que ignorava os registros do SNI.

Na última quarta-feira, dia 7, o senador criticou na CPI oficiais militares suspeitos de envolvimento em atos de corrupção, os quais chamou de “lado podre” das Forças Armadas. Houve pronta reação dos comandantes do Exército, da Marinha e da Aeronáutica.

Parte dos registros sobre o senador está em arquivos do antigo SNI, criado em 1964. Mas também há informações do Departamento de Inteligência e Secretaria de Assuntos Estratégicos, pós-1985. O código B2367373 identifica Aziz no cadastro de militantes do SNI. Em 1982, o SNI descobriu o voo em que o então estudante de Engenharia Civil viajaria para participar de um congresso da União Nacional dos Estudantes (UNE) em Piracicaba (SP). Agentes secretos se infiltraram em reunião na Faculdade de Ciências Sociais, da Universidade do Amazonas. O objetivo era fichar a delegação e as proposições que iriam para São Paulo.

Em 1983, agentes do SNI flagraram Aziz na sede do jornal Tribuna da Luta Operária, numa palestra do deputado estadual João Pedro Gonçalves da Costa (PMDB), que pregava a formação de um governo provisório. No mesmo ano, ele também aparece como um dos líderes que discursaram em protesto, na Praça da Matriz, em Manaus, contra o reajuste das tarifas de ônibus pela prefeitura.

Em 1986, Aziz surge fichado numa tabela que listava as “organizações de frente” – ligadas ao PCB e ao PCDOB – dedicadas à doutrinação ideológica socialista. O atual senador seria responsável pela impressão de material de propaganda para divulgação em Manaus e no interior do Amazonas.

 

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Aziz cobra posição de Bolsonaro

 

 O presidente da CPI da Covid, senador Omar Aziz (PSD-AM), afirmou ontem que o silêncio do presidente Jair Bolsonaro sobre a acusação de ter ignorado suspeita de corrupção nas negociações para compra da vacina indiana Covaxin deixa "cada vez mais claro" o cometimento de crime de responsabilidade por parte do presidente.

"Um deputado leva a ele uma denúncia falando de irregularidade na compra de vacina (e ele ignora)... Se isso não é grave, se isso não for prevaricar, temos que mudar a Constituição, as leis", disse Aziz em entrevista à Rádio Eldorado. Aziz também cobrou um posicionamento do presidente a respeito do suposto envolvimento do deputado Ricardo Barros (PP-PR) no caso Covaxin.