O Estado de S. Paulo, n. 46644, 02/07/2021. Espaço Aberto, p. A2

Esforço e união para imunizar os brasileiros

Claudio L. Lottenberg 


O combate à covid-19 no Brasil tem sido marcado por inúmeros percalços. Do negacionismo de parte das autoridades até a escassez de vacinas, passando por períodos de colapso dos sistemas público e privado de saúde, o País tem se saído mal no enfrentamento dessa que é uma das mais graves crises sanitárias da História. O resultado da má gestão da pandemia pode ser medido pelo número gigantesco de casos e óbitos em território nacional.

O Brasil foi durante décadas referência mundial em vacinação. Justamente agora, durante a pandemia, parece termos perdido essa competência. Desde janeiro, quando começaram as campanhas nacionais de vacinação, conseguimos imunizar completamente apenas 16% da população adulta. É muito pouco.

Entre nossos vizinhos de América Latina, o Chile é o país mais avançado, com mais de 63% da população vacinada. A campanha brasileira até ganhou velocidade, e chegamos a atingir o patamar de 1 milhão de pessoas vacinadas por dia, mas isso levou tempo demais.

A chegada das vacinas ao Brasil foi, no mínimo, conturbada. Sabíamos que haveria uma corrida mundial por imunizantes. Mesmo assim, perdemos tempo com hesitações, entraves burocráticos e trocas de comando justamente no Ministério da Saúde.

Sofremos também com contratempos logísticos, falta de transparência e, sobretudo, com embates políticos, não somente entre o governo federal e autoridades locais, como também entre Poderes da República. Foi preciso que o Supremo Tribunal Federal autorizasse a compra de vacinas por Estados e municípios, simplesmente fazendo valer o direito social à saúde previsto no artigo 6.º (Capítulo II, Dos Direitos Sociais) da Constituição da República para que o programa de vacinação pudesse, enfim, deslanchar.

Na área de saúde pública não há espaço para posições contrárias às evidências científicas. Estudos rigorosos, conduzidos com base em protocolos reconhecidos pela academia, são a melhor bússola para que articuladores de políticas públicas e autoridades sanitárias possam orientar suas decisões. Infelizmente, a pandemia foi – e, na verdade, tem sido – cenário para manifestações variadas de negacionismo, movimentos que põem em xeque temas já pacificados entre os especialistas. Um exemplo disso é o debate estapafúrdio sobre confiar ou não na eficácia de certos imunizantes, impulsionado por uma enxurrada de notícias falsas que corre sem controle pelas redes sociais.

Esse negacionismo tem consequências práticas: vem crescendo a prática da escolha de vacinas pela "marca" nos postos de saúde. Não há qualquer fundamento científico para que se julgue uma vacina melhor que a outra. Não custa repetir: vacina boa é aquela que chegou até o braço do cidadão. Com duas doses de qualquer vacina disponível no País (exceção feita à vacina da Janssen, de dose única), atinge-se a imunidade – e é exatamente isso que impedirá que o coronavírus continue se espalhando.

Igualmente nociva e contraproducente é a adesão aos chamados "tratamentos precoces". Estudos já demonstraram que não há medicação ou tratamento que impeça o contágio pelo coronavírus. Como se não bastasse, a experiência prática do combate à doença também já confirmou a ineficácia do uso de medicações como estratégia para criar "defesas" contra o vírus. As medidas que comprovadamente evitam a doença já são amplamente conhecidas: uso de máscara, distanciamento social, higienização frequente das mãos.

As campanhas de imunização avançaram bem em países como Israel, Reino Unido e, mais recentemente, nos Estados Unidos e em demais países europeus. O Brasil não pode continuar fora desse grupo. Segundo números da Organização Mundial da Saúde, a covid causou quase 4 milhões de óbitos em todo o mundo. O Brasil, com seus mais de 500 mil óbitos, é responsável por mais de 10% de todas essas mortes. Uma marca vergonhosa.

É urgente que todas as nossas atenções se voltem para a vacinação. Apenas um esforço coordenado de todos os entes federativos, passando ao largo de discussões excêntricas como a do "tratamento precoce", poderá abreviar esse período tortuoso que atravessamos hoje. Apelando para uma metáfora futebolística, nosso jogo está muito disperso; é hora de recuar a bola e, com estratégia, recomeçar a jogada.

Sempre haverá tempo para o embate de ideias e ideais, para o confronto entre opiniões e convicções políticas. Mas o combate à covid está acima dessas questões. O vírus é nosso inimigo comum, é o obstáculo a ser removido. Precisamos concentrar nossos esforços nessa batalha, a única que realmente importa neste momento. O tempo é de união para superar a pandemia. Só então ficaremos livres outra vez para debater, para concordar ou discordar, para apoiar ou protestar – enfim, para retomar a rotina normal de uma democracia.

Mestre e Doutor em Oftalmologia pela UNIFESP (Escola Paulista de Medicina), é Presidente do Instituto Coalizão Saúde (ICOS) e do Conselho do Hospital Albert Einstein