O Estado de São Paulo, n. 46654, 12/07/2021. Política p.A4

 

Governadores assumem negociações do clima

Retomada Verde. Diante de vazio deixado pela administração de Jair Bolsonaro, entes locais miram dinheiro de fundos verdes e aliança com governo americano de Joe Biden e com a União Europeia

Marcelo Godoy

Diante da política ambiental de Jair Bolsonaro, os governadores dos Estados estão assumindo o papel de negociar com governos estrangeiros e buscar fontes de financiamento para políticas relacionadas ao combate de mudanças climáticas. Além de contato direto com o governo do americano Joe Biden, os governadores estabeleceram um canal direto com a União Europeia (UE).

Na semana passada, o grupo Governadores pelo Clima se encontrou com o embaixador da UE no Brasil, Ignacio Ybáñes, com o diplomata alemão Marc Bogdahn e com a chefe do secretariado da parceria energética Brasil-alemanha Kristina Kramer. Em pauta, investimentos em energia renovável, como eólica e solar, e a produção de hidrogênio verde.

“Para os governos subnacionais essa é uma oportunidade de estreitar ações internacionais e de atração de investimentos diretos, em razão do vácuo de uma diplomacia, que devia ser do governo federal”, afirmou o diretor executivo do Centro Brasil no Clima (CBC) Guilherme Sirkis. Foi o centro que promoveu o encontro dos governadores com a UE.

O grupo dos governadores foi criado, em 2019, depois da ação do então ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles de mudar a direção do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas. No começo, congregava 12 chefes de executivos estaduais. Hoje, o grupo reúne 25 governadores – as exceções são os dirigentes de Roraima e de Rondônia, ambos do PSL e bolsonaristas.

Em abril, 22 governadores assinaram uma carta enviada ao presidente Biden propondo parcerias na área ambiental. “A gente já teve um retorno do embaixador americano. Houve uma receptividade muito importante por parte do governo Biden”, contou o governador de Pernambuco, Paulo Câmara (PSB). De acordo com ele, os governadores manifestaram ao governo americano a concordância com as metas do Acordo de Paris e a necessidade de se discutir, na próxima década, medidas sustentáveis que possam garantir o desenvolvimento, a redução de desigualdades. “Mas que protejam o meio ambiente”, afirmou.

Entre os signatários da carta estavam governadores de diferentes forças políticas, como João Doria (PSDB), Romeu Zema (Novo), Ronaldo Caiado (DEM) e Flávio Dino (PSB).

“Entendemos que esse é canal importante, diante do negacionismo que vemos no governo federal na área”, disse Câmara. Ele e seus colegas acreditam que o tema ambiental deve ter destaque nas eleições de 2022. “O clima e o meio ambiente são temas fundamentais. Se as pessoas que querem governar o Brasil não entenderem que essa é uma agenda prioritária, vamos ter muitos problemas para as futuras gerações de brasileiros.”

 

Encontro. O grupo dos governadores é presidido por Renato Casagrande (PSB), do Espírito Santo. Foi ele quem esteve no encontro na semana passada com o embaixador da UE. O evento reuniu governadores do Sul e do Sudeste. “O governo brasileiro poderia ter uma imagem externa muito positiva se tivesse agido, se tivesse dado importância à preservação, à recuperação, à fiscalização dos desmatamentos ilegais e à fiscalização com relação às queimadas. Então, a atuação dos governadores pode complementar de alguma maneira e pode até fazer com que o governo federal dê alguma atenção a esse tema”, disse Casagrande.

O governador afirmou o comprometimento de seu governo com formas renováveis de energia, como a eólica e a solar. Hoje elas representam cerca de 12% do total da energia produzida no País. Casagrande disse no encontro que os governadores sentiram “a necessidade de montar essa articulação para interagir com o mundo todo”.

O evento contou ainda com mensagens gravadas pelos governadores Doria, de São Paulo, e Eduardo Leite (PSDB), do Rio Grande do Sul. “O aumento do desmatamento, o crescimento dos índices de pobreza e desemprego, e a crise hidroenergética que nós estamos testemunhando já mostram que o tempo de acender o alerta passou. É preciso agir”, afirmou Leite.

Para Sirkis, a “inação e a incompetência” fizeram o Brasil perder o protagonismo que tinha na diplomacia climática.

“Nossa diplomacia forçava países como os Estados Unidos a se posicionarem de forma mais contundente em relação ao clima. Hoje é o contrário”, disse. De acordo com ele, governadores de Estados com o agronegócio forte passaram a buscar a interlocução com governos estrangeiros para mostrar que não têm ligação nem protegem os envolvidos com desmatamento ilegal e grilagem de terras.

 

Investimentos. Um novo incentivo para os governadores é a criação de fundos de investimento vinculados ao clima dispostos a financiar ações no País. Esse é o caso do Fundo Leaf, lançado por Estados Unidos, Reino Unido e Noruega, com a participação de empresas privadas para remunerar países tropicais pela preservação ambiental. As verbas serão liberadas de acordo com os resultados alcançados. Os Estados da região da Amazônia Legal têm até o dia 30 de julho para apresentar suas propostas. O Leaf é uma das fontes que os Estados podem buscar. A Aliança pela Ação Climática (ACA Brasil) concluiu recentemente um levantamento sobre os recursos disponíveis aos projetos de estados e municípios em 77 fundos estaduais, nacionais e internacionais privados e públicos.

O movimento dos Estados também chegou aos municípios. Mais de 100 deles relataram ao Instituto Clima e Sociedade (ICS) terem planos de ações climáticas ou assinaram algum compromisso de ação. Para o instituto, fica “claro para as eleições de 2022, tanto para governos quanto para presidenciáveis, que a pauta climática será um grande diferencial de candidatos”.

 

Diplomacia

“Nossa diplomacia forçava países como os Estados Unidos a se posicionarem de forma mais contundente em relação ao clima. Hoje é o contrário.”

Guilherme Sirkis

DIRETOR EXECUTIVO DO CENTRO BRASIL NO CLIMA (CBC)

 

“Houve uma receptividade muito importante por parte do governo Biden.”

Paulo Câmara (PSB)

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Santa Catarina quer gerar energia sem usar carvão

 

O governo de Santa Catarina anunciou no encontro dos governadores a decisão de enviar à Assembleia Legislativa um projeto de lei para estabelecer uma política de transição para zerar o uso do carvão como fonte de energia no Estado. O plano deve ser encaminhado na segunda quinzena de julho para criar a política energética de transição.

"É importante pensar em uma transição energética justa, sem esquecer de ninguém, sem deixar para trás a parte social, a parte econômica e o meio ambiente", afirmou o secretário executivo da Secretaria do Meio Ambiente do Estado, Leonardo Ferreira. Atualmente, Santa Catarina – além de um polo carbonífero – tem parte de seu abastecimento de energia feito pelo Complexo Termoelétrico Jorge Lacerda (CTJL), maior usina de energia termoelétrica da América Latina, em Capivari de Baixo. A ideia é dar incentivos à geração de energia de fontes renováveis para absorver os cerca de 20 mil empregos ligados ao carvão.

É justamente nessa área que entram as relações com a União Europeia (UE) e fundos internacionais. "Nessa área (fontes de energia renováveis), como no desmatamento, muitos elementos dependem das decisões tomadas em Brasília, mas os Estados também têm um papel importante na definição da matriz elétrica", afirmou o embaixador da UE no Brasil, Ignácio Ybáñes.

Segundo ele, a UE entende que é parte do papel dos Estados acelerar a implantação e integração de energia renovável, que também são fonte de novos empregos e de crescimento econômico. "A União Europeia apoia todas as iniciativas que vão nessa direção e continuamos à disposição dos governadores para uma colaboração ainda mais aprofundada", afirmou. / M.G.