O Estado de São Paulo, n. 46652, 10/07/2021. Metrópole p.A22

 

 

Desmate na Amazônia tem novo recorde


Dados do Inpe apontam mais 1.062 quilômetros quadrados destruídos em junho, o maior para o mês desde 2016; alta no semestre é de 17%

Júlia Marques

Os alertas de desmatamento na Amazônia em junho bateram novo recorde para o período. Dados do sistema Deter, do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe), mostram que a área sob alerta de desmatamento foi de 1.062 km² – a maior para o mês de junho desde 2016. Os últimos quatro meses foram de alta recorde nos alertas.

Desde 2019, a gestão Jair Bolsonaro tem sido alvo de críticas no Brasil e no exterior pela explosão de queimadas e do desmatamento na região. Para combater crimes ambientais, o governo tem apostado em operações militares, mas os registros de perda vegetal continuam altos.

O Deter é um sistema de monitoramento por satélite em tempo real, voltado para alertar a fiscalização a combater crimes ambientais que estão acontecendo em campo. Não serve como taxa oficial de desmatamento, mas é um bom termômetro da situação. A tendência por ele apontada normalmente é confirmada depois pelo Prodes, que traz os dados anuais oficiais de desmatamento.

Faltam apenas os dados de julho para fechar o período da taxa anual oficial de desmatamento. O Prodes sempre mede o que foi perdido na floresta entre agosto de um ano e julho do ano anterior.

Os alertas de desmatamento até junho para a Amazônia apontam um crescimento de 17% em relação ao primeiro semestre de 2020, com uma área de 3.610 km² desmatada em 2021, ante 3.078 km² no primeiro semestre de 2020, segundo dados do site Terrabrasilis, do Inpe.

A Amazônia está na estação seca, justamente o período em que o desmatamento se intensifica. Dados também do Inpe já mostraram alta nos focos de incêndio na região: 2.308 em junho, maior número para o mês desde 2007. A maior parte das queimadas (66,5%) foi em Mato Grosso, seguido por Pará (18,4%) e Rondônia (5,7%). As terras indígenas da região, que são áreas protegidas, tiveram 110 ocorrências de incêndio.

No fim do mês passado, o governo Jair Bolsonaro anunciou uma nova atuação de militares na Amazônia, com prazo até o fim de agosto. A medida, no modelo de Garantia da Lei e da Ordem (GLO), vale para terras indígenas, unidades federais de conservação ambiental em áreas de propriedade ou que estão sob posse da União, e, se pedido pelos governadores, em outras áreas dos Estados do Amazonas, Mato Grosso, Pará e Rondônia.

Nesta semana, o vice-presidente da República, Hamilton Mourão, afirmou que cerca de 3 mil militares das Forças Armadas serão deslocados para atuar em ações de apoio e combate ao desmatamento. Ele chegou a afirmar que, quando os militares deixaram a Amazônia no fim de abril, houve aumento do desmatamento. Naturalmente, porém, com o fim das chuvas em muitas regiões, ocorre o avanço dos criminosos sobre as áreas protegidas.

Especialistas fazem ressalvas quanto ao uso das tropas na região, uma vez que elas não têm a mesma expertise dos agentes ambientais no combate ao desmatamento e às queimadas. Também houve críticas à divulgação prévia das localidades onde os militares vão atuar – essa informação pode ajudar os desmatadores a desviar das operações militares.

 

Desmatamento

1.062 km²

foi a área desmatada em junho na Amazônia – a maior para esse mês desde 2016. Comparados a dados de 2020, os alertas para desmatamento no primeiro semestre cresceram 17%.

 

______________________________________________________________________________________________________________________

 

Três semanas depois, enchente ainda mantém Manaus alagada


Com vazante lenta, milhares de pessoas continuam sem casa, mas mortes por covid estão em baixa

Fábio Bispo

Thaíse Rocha 

Três semanas após o pico da cheia histórica dos Rios Negro e Solimões, no Amazonas, milhares de pessoas continuam desabrigadas ou desalojadas de suas casas. A vazante dos rios ocorre de forma lenta e os efeitos da inundação, classificada pela Defesa Civil como severa, estão longe de serem resolvidos.

Foi a maior cheia do Rio Negro em 119 anos, quando começou a medição a partir do Porto de Manaus, e a maior da história registrada do Solimões, em 49 anos de monitoramento. No total, atingiu cerca de 455 mil pessoas em 52 cidades, 26 das quais ainda em situação de emergência.

A autônoma Marcilene Santos, de 38 anos, moradora do centro de Manaus – uma das áreas mais afetadas – teve de conviver com a enchente por não ter para onde ir. "A água subiu muito rápido, o que deu para salvar a gente salvou. Mas a situação ficou precária, perdi duas máquinas de lavar, fogão, geladeira, minha cama e as duas camas boxes em que minhas filhas dormiam. Prejuízo total", disse ela, solteira e mãe de três meninas, de 18, 16 e 9 anos. "Não temos nem onde dormir direito porque a estrutura da cama não suportou o volume da água e se desfez toda."

Pelo menos 14 escolas em oito municípios estão interditadas e mais de 17 mil famílias tiveram a produção agrícola afetada, o que afeta na oferta de alimento às comunidades ribeirinhas e também a Manaus.

 

Covid. Outro desafio além da enchente, a crise sanitária pela covid mostra sinais de diminuição. O Amazonas não registrou nenhuma morte pelo coronavírus na terça-feira, dia 6, segundo dados do governo do Estado. Mesmo após essa marca simbólica, especialistas alertam que os registros diários de casos da doença estacionaram em patamares elevados, o que exige cautela e prevenção ante o risco de possíveis mutações.

Enquanto o trágico auge de 14 de janeiro apontava 176 óbitos e 258 hospitalizações em 24 horas, além dos mais de 5 mil casos só no dia 17 daquele mês, as mortes diárias pelo novo coronavírus no Amazonas se mantiveram abaixo de dez por dia desde o fim de março e inferiores a cinco desde junho, com oscilações de internações pela doença entre 14 e 36 por dia a partir de meados de abril. Os dados são do boletim epidemiológico da Fundação de Vigilância em Saúde do Amazonas (FVS).

No Serviço de Pronto Atendimento (SPA) do bairro Alvorada, zona oeste de Manaus, o número de pacientes internados voltou ao patamar pré-pandemia, de acordo com um trabalhador do local. Durante o caos da segunda onda, a unidade chegou a registrar 12 mortes em uma só noite. Já o atendimento de alta complexidade ficou restrito a somente dois hospitais. São 339 UTIS exclusivamente para covid disponíveis nas redes pública (265) e privada (74), com 62% dos leitos ocupados até terça-feira.

 

Enchente

"A águia subiu rápido, perdi máquinas de lavar, fogão, geladeira. Não temos onde dormir direito porque a cama não suportou a água."

Marcilena Santos

MORADORA DE MANAUS