O Globo, n. 32748, 05/04/2023. Política, p. 4

Campo minado

Jan Niklas


A ofensiva do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), que promete uma “retomada massiva das ocupações”, aumenta a pressão sobre o governo Lula. O Palácio do Planalto, de um lado, não quer desagradar sua base; de outro, tenta conquistar o agronegócio, setor alinhado ao bolsonarismo e refratário às invasões.

Na madrugada de segunda feira os sem-terra deram início às ações do “Abril Vermelho”, mês de mobilização e manifestações do movimento, com a ocupação de 800 hectares de três engenhos no município de Timbaúba (PE). Aproximadamente 250 trabalhadores estão na área que teria sido invadida por não “cumprir sua função social”, segundo nota do MST.

Em reação ao “Abril Vermelho”, a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) lançou ontem nas redes sociais a campanha “Semana de combate à invasão de propriedade rural”. “A invasão de terras é um crime grave que afeta toda a população em geral. Essa prática ilegal causa prejuízos econômicos, sociais e ambientais, além de gerar insegurança jurídica e violência no campo”, diz mensagem publicada pela bancada ruralista. Um vídeo com o lema “quem invade terras invade a sua casa, invade a sua mesa” também foi divulgado.

O grupo reúne parlamentares próximos a grandes empresários do agro e, além disso, dispõe de votos que podem ser importantes para o Planalto, que ainda busca construir uma base sólida. Um dos responsáveis por afinar a relação do governo com o setor, o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, criticou ontem a invasão de propriedades produtivas.

— O programa de apoio à reforma agrária tem as portas abertas. Não é necessário usar movimentos radicais, com invasão de terra produtiva. Tem lei que proíbe isso. Terra invadida não é passível de reforma agrária. A Justiça manda fazer a reintegração, o Estado cumpre e acabou — afirmou Fávaro.

O ministro também repetiu declarações do presidente Lula durante a campanha, ao defender que o homem do campo tenha direito a manter “uma ou duas armas” e “um pouco de munição” para fazer o que chamou de “primeira defesa”:

— Se ele ligar no 190, dá tempo de o bandido barbarizar, fazer o que quiser dentro da propriedade.

Cobrança aLula

Membro da coordenação nacional do MST, João Paulo Rodrigues diz que as ações de abril devem marcar uma nova etapa da atuação do movimento no novo governo Lula. Ele diz que após assumir o mandato, o petista ainda não fez nenhuma reunião com o movimento e que o MST espera ser recebido no Palácio do Planalto ainda neste mês.

Após um recuo tático nos últimos anos, o grupo vem tentando retomar a influência que teve em governos petistas anteriores. No fim de fevereiro, após pressão dos sem-terra, o Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA) decidiu indicar o servidor César Aldrighi para presidir o Instituto Nacional de Desenvolvimento e Reforma Agrária (Incra). O MST cobrava a troca do comando do instituto para facilitar a demissão de superintendentes regionais remanescentes do governo Bolsonaro.

Apesar de afirmar que a relação é de parceria, Rodrigues diz que o grupo seguirá fazendo pressão por pautas relacionadas à reforma agrária, além de outras medidas como assentamentos para famílias que estão acampadas, crédito emergencial para os sem-terra e um programa de agroindústria voltado às cooperativas de produção do grupo.

— Estamos prevendo marchas, vigílias, manifestações e ocupações esporádicas em vários estados. Mas não tem motivo para o agro ficar preocupado, pois vai ser apenas em terras improdutivas — diz o coordenador do MST.

Em março, porém, o movimento invadiu três fazendas produtivas da Suzano Papel e Celulose no sul da Bahia. O episódio foi tratado como um “caso isolado” pelo ministro do Desenvolvimento Agrário, Paulo Teixeira.

O governo só se manifestou sobre a invasão três dias depois, quando Teixeira disse que iria procurar o MST para resolver o assunto. O silêncio provocou insatisfação de entidades do setor. Representantes do agronegócio argumentaram que a falta de reação do Executivo poderia gerar insegurança jurídica para proprietários de terra.

Ontem, integrantes do MST se recusaram a cumprir uma ordem de reintegração de posse em Itabela (BA). O movimento alega que a propriedade ocupada é improdutiva, o que a proprietária nega.

“Interesses do setor”

Líder da bancada ruralista, o deputado Pedro Lupion (PPPR) diz que a frente parlamentar vem buscando manter diálogo com o governo. Ele ressalta, porém, que a boa relação depende da reação do Executivo a episódios como invasões de terras.

— Quem precisa de votos é o governo. Tenho conversado muito com o (Geraldo) Alckmin (vice-presidente) e o ministro Fávaro. Estamos fazendo a nossa parte. Mas quando há qualquer ataque ao produtor rural, seja num governo aliado ou contrário, temos que fazer valer os interesses do setor —disse ele .

Em outra frente, deputados de oposição tentam criar uma CPI na Câmara para pressionar o MST. O colegiado já reuniu o número mínimo de assinaturas, mas ainda não há previsão de quais colegiados terão prioridade para funcionar neste ano.

Procurado pelo GLOBO, o MDA disse que o governo preza pela “proteção da propriedade privada e o cumprimento da função social da propriedade”. A pasta afirmou que recebeu demandas do MST relacionadas ao “Abril Vermelho” e que as respostas estão sendo “tratadas internamente”.