O Globo, n. 32747, 04/04/2023. Política, p. 8

Dirigentes do PT ensaiam romper acordo com Boulos em SP

Guilherme Caetano


A um ano e meio da eleição municipal, lideranças do PT ensaiam romper o acordo para apoiar o deputado Guilherme Boulos (PSOL-SP) para a prefeitura de São Paulo. Uma das condições discutidas pelos petistas é sua filiação ao partido. Aliados de Boulos, no entanto, cobram a manutenção da aliança, com o lançamento da candidatura pelo PSOL.

A tese é defendida pelo secretário de Comunicação do PT, o deputado federal Jilmar Tatto. Ele se diz preocupado com o cenário eleitoral do ano que vem, quando o partido deve ter problemas para lançar candidatos a prefeito em pelo menos quatro grandes capitais (São Paulo, Rio, Belo Horizonte e Recife). Para ele, concorrer com um vice ou apoiar outros candidatos seria uma oportunidade desperdiçada de consolidar a força do PT nessas cidades.

O temor de Tatto é de perder espaço para o bolsonarismo. Valdemar Costa Neto, presidente do PL, partido do ex-presidente Jair Bolsonaro, pretende lançar candidaturas próprias em todas as cidades com mais de 200 mil habitantes.

O obstáculo para uma candidatura própria petista é um acordo firmado no ano passado entre Boulos e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O PSOL aceitou retirar a candidatura de Boulos ao governo de São Paulo — para não concorrer contra o candidato petista, Fernando Haddad — e, em troca, teria apoio do PT para a eleição à prefeitura da capital em 2024.

— Se foi feito acordo, nós vamos cumprir. Mas vamos discutir as bases desse acordo. O Boulos poderia vir para o PT, por exemplo. O PT é grande demais para ficar sem candidato na cidade. Para o Boulos, seria a melhor coisa do mundo —afirma Tatto.

O secretário de Comunicação do PT defende que o partido monte uma força-tarefa o mais rápido possível para planejar a pré-campanha, sob o risco de que o declínio no comando de prefeituras se mantenha. Desde 2012, a legenda vem perdendo cidades. Naquele ano, conquistou 637 prefeituras. Em 2016, 254. Na eleição passada, o número caiu para 183.

— O quadro não é bom para o PT. As eleições municipais são um momento de afirmação e crescimento dos partidos. Não podemos abrir mão disso —afirmou Tatto.

Procurado, Boulos não quis se manifestar. Seus aliados, no entanto, dizem que o acordo firmado será cumprido, mas que o líder dos sem-teto ainda precisa vencer resistências em grupos específicos dentro do PT. O deputado deve começar em junho uma série de agendas para se aproximar da militância petista.

Em 2020, o PT não elegeu prefeitos nas capitais pela primeira vez desde a redemocratização (em 2004, conquistou nove prefeituras). Em São Paulo, cidade que já governou três vezes, o partido concorreu com Tatto e foi desbancado do segundo turno por Boulos, ficando fora da segunda fase da eleição também de forma inédita.

Conversa com Datena

Na direita, os principais cotados para disputar a eleição já projetam o pré-candidato do PSOL no segundo turno. Aliados do prefeito Ricardo Nunes (MDB), que pretende disputar a reeleição, apostam que Boulos chegará com mais força que o PT para o pleito, avaliação compartilhada por bolsonaristas de São Paulo. A tarefa de Boulos de construir um consenso entre os petistas teve mais um ruído ontem. Ele foi criticado pela secretária nacional de Planejamento e Finanças do PT, Gleide Andrade, após a circulação de um vídeo supostamente vazado de uma conversa informal entre o deputado do PSOL e o apresentador José Luiz Datena

Na gravação, Datena tenta convencer Boulos a “peitar” Lula para que os dois concorressem juntos. Recémfiliado ao PDT, Datena sugeriu que ele assumisse o posto de vice na chapa de Boulos. O apresentador esteve na casa do deputado no sábado para um jantar.

— O PSOL tem o único cara de esquerda capaz de ser o substituto do Lula. O PT não aceita isso e vai querer fazer o Haddad. Se você peitar o PT e nós sairmos candidatos, se você falar para o Lula: eu quero o Datena como vice e sinto muito, nós podemos sair. Política é como nuvem. (O PT) vai lançar um candidato próprio e tomar um nabo violento — afirma o apresentador no vídeo.

“Como o mundo mudou, heim? Quem diria @GuilhermeBoulos com @DatenaOficial num jantar onde o cardápio era o @ptbrasil e o @LulaOficial. Vexame pior é o Boulos tentar explicar o inexplicáve. Para mim, vale a máxima: ‘a emenda ficou pior que o soneto’”, postou Gleide.

Nas redes sociais , o deputado do PSOL lamentou a divulgação da “conversa privada” que, em sua opinião, ocorreu para “criar polêmica”. Datena também repudiou o vazamento do vídeo no programa que apresenta, o Brasil Urgente.

— Primeiro, eu não pedi para o Boulos para ser vice dele coisa nenhuma. Segundo, que o vídeo de dois minutos e pouco é contexto de uma conversa de quase quatro horas (...) — afirmou.