O Globo, n. 32746, 03/04/2023. Política, p. 4

Aos derrotados, cargos

Bernardo Mello


Aliados do presidente Luiz Inácio Lula da Silva que saíram derrotados das eleições de 2022 miram uma reabilitação política no segundo escalão do governo federal. As nomeações vêm contemplando apoiadores do presidente, do próprio PT e de siglas como MDB, PP e PSB, que aspiram à manutenção de influência em seus estados.

Os cargos de segundo escalão, especialmente as diretorias em autarquias e estatais, também são disputados por partidos da base do governo no Congresso e por parlamentares de siglas como PP e Republicanos, cujo apoio é cobiçado pelo Palácio do Planalto. Em alguns casos, a costura para acomodar apoiadores de Lula ultrapassou pretensões de diferentes grupos. Na última semana, após articulação de Paulo Okamotto, atual presidente da Fundação Perseu Abramo e um dos aliados mais próximos de Lula, o exdeputado Carlos Melles apresentou sua carta de renúncia à presidência do Sebrae, abrindo espaço para que o petista Décio Lima assuma o comando da entidade no próximo dia 10.

O Sebrae é uma entidade autônoma, mas um terço de seus conselheiros representam órgãos do governo, que exerce influência em sua atuação. Okamotto, que presidiu o Sebrae no primeiro mandato de Lula, pressionou pela saída de Melles por sua proximidade com o ex-presidente Jair Bolsonaro. A escolha de Décio Lima, que chegou ao segundo turno da última eleição ao governo de Santa Catarina, foi pensada por ser um nome do PT de um estado conhecido por reunir pequenos e microempreendedores com atuação no setor varejista e de vestuário, o que é foco da atuação do Sebrae.

— Quanto mais próximo desta realidade, melhor — resumiu Okamotto.

Outra tentativa de projetar um aliado de Lula em um cargo com impacto em sua base eleitoral ocorre no Ministério da Agricultura. O ex-deputado Neri Geller (PP-MT), que não conseguiu se eleger ao Senado, deve assumira Secretaria de Política Agrícola, pasta responsável por suporte e incentivos a produtores rurais. Geller, cuja trajetória é ligada a entidades de classe do agro, já tem apadrinhado nomeações na estrutura da secretaria.

Barreiras legais

Por ter sido cassado em agosto do ano passado em decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), por abuso de poder econômico, Geller passou a incidir na Lei da Ficha Limpa, o que pode ser empecilho à nomeação. Atualmente, um decreto presidencial de  

2021 veda que pessoas inelegíveis assumam cargos de confiança.

— As nomeações emperraram, mas estão caminhando. Acredito que, com o retorno do ministro Fávaro da viagem à China, possamos encaminhar essa questão —disse Geller.

Na última semana, a sinalização do Senado de que chancelará a flexibilização da lei das estatais, já aprovada pelos deputados, deu luz verde para a indicação do ex-governador de Pernambuco, Paulo Câmara, para a presidência do Banco do Nordeste. Câmara, que se desfiliou do PSB depois de não conseguir emplacar seu sucessor no estado, é tido como uma indicação pessoal de Lula, por ter sido um dos primeiros articuladores da aliança do PSB com o PT na disputa presidencial. No Banco do Nordeste, ele poderá tomar parte no financiamento de obras com impacto em seu estado, como a conclusão da ferrovia Transnordestina até o Porto de Suape (PE).

Outro ex-governador em vias de ganhar espaço em uma estatal é o petista Fernando Pimentel (MG), que deve assumir a Emgea (Empresa Gestora de Ativos), vinculada à Caixa. Na última semana, Pimentel reuniu-se com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, e escreveu em suas redes sociais que estará “em breve” na sua equipe, “ajudando o governo do presidente Lula a reconstruir o país”.

No Ministério das Cidades, um acordo com a bancada do MDB na Câmara promoveu indicações de parlamentares para as secretarias de Saneamento e de Mobilidade Urbana, servindo também como gestos do Planalto para valorizar apoiadores de Lula.

A pasta de Mobilidade Urbana ficou com Denis Andia (MDB-SP), aliado do presidente nacional do MDB, Baleia Rossi, que fez movimentos pró-Lula no segundo turno. Já a de Saneamento foi delegada ao ex-deputado Leonardo Picciani, presidente do MDB no Rio e representante da ala do partido que defendia a aliança com Lula desde o primeiro turno.

Picciani e Andia concorreram a vagas na Câmara e ficaram na suplência, mesmo caso de Maurício Quintella (MDB-AL), cotado inicialmente para a secretaria de Habitação. Quintella também fez campanha para Lula. Neste caso, porém, após uma queda de braço de quase três meses, prevaleceu a escolha do ministro Jader Filho por Hailton Madureira, servidor com passagens por ministérios nos governos Temer e Bolsonaro, nomeado no dia 20.

Reposicionamento

Além de Picciani, outro representante do Rio que almeja uma renovação de capital político no segundo escalão é o ex-deputado Marcelo Freixo, recém-filiado ao PT. Derrotado na disputa pelo governo estadual em 2022, quando buscou se reposicionar como um nome moderado após uma trajetória com pautas associadas à esquerda, Freixo assumiu a presidência da Embratur. Voltada à promoção do turismo brasileiro no exterior, a agência tem atribuições que envolvem interlocução com empresários e representantes do mercado.

O movimento é similar ao feito pelo hoje ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino (PSB), após ser derrotado na sua primeira disputa pelo governo do Maranhão, em 2010. À época filiado ao PCdoB, Dino assumiu a Embratur no governo Dilma Rousseff e deixou o cargo, em 2014, para se eleger governador na sua segunda tentativa. Freixo minimiza a “coincidência” e se diz voltado a acumular bagagem numa nova área.

— A Embratur me permite fazer entregas e acumular experiência de gestão, num setor que é fundamental para modernizar a economia do país. Me pareceu um bom momento para passar por esse desafio novo, e quero ficar aqui nesses quatro anos — afirmou Freixo.