O Globo, n. 32746, 03/04/2023. Opinião, p. 3

Bolsa Família ganha mais recursos, mas perde foco e eficácia



O Bolsa Família foi um instrumento vital na redução da pobreza extrema no Brasil. Mas, depois da pandemia, quando o governo distribuiu o Auxílio Emergencial, foi desvirtuado. Rebatizado como Auxílio Brasil, passou a distribuir R$ 600 mensais por família sem levar em conta o número de filhos nem cobrar contrapartidas como frequência escolar ou carteira de vacinação. Agora, no resgate do nome original, o governo pretende retomar também o espírito original do programa.

Além do valor de R$ 600 destinado a cada família, serão distribuídos R$ 150 por criança de até 6 anos e R$ 50 por filho de 7 a 18 anos ou gestante. O benefício médio, pelas contas do governo, ficará em R$ 714. O orçamento à disposição do Bolsa Família, que já havia triplicado de R$ 35 bilhões para R$ 100 bilhões, recebeu novo incremento para R$ 175 bilhões. Como resultado do pente-fino no Cadastro Único dos beneficiários de programas sociais, o governo afirma ter retirado do programa 1,5 milhão de famílias. O objetivo é atender 20,9 milhões de famílias, ou cerca de 55 milhões de brasileiros.

Pelos últimos dados do IBGE, havia em dezembro do ano passado 12,47 milhões de brasileiros em situação de miséria ou pobreza extrema, definida pela renda mensal per capita de até R$ 208 mensais. Se o novo Bolsa Família já estivesse em vigor, haveria 3 milhões a menos de pobres e miseráveis, revela um estudo do economista Daniel Duque, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (Ibre-FGV).

O ponto forte do Bolsa Família sempre foi o foco: fazer o dinheiro chegar a quem precisa. Foi isso que permitiu a um programa que custava em torno de 0,4% do PIB gerar R$ 1,78 por cada real nele investido, segundo o Centro de Políticas Sociais, da FGV Social. Esse impacto equivale ao triplo do gerado pelos benefícios da Previdência e é 50% maior que o Benefício de Prestação Continuada (BPC), destinado a idosos de baixa renda ou deficientes.

Para Duque, é preciso recuperar o desenho original do Bolsa Família para aumentar seu impacto na redução da pobreza. As mudanças promovidas pelo governo vão na direção certa, diz ele, mas ainda é preciso aperfeiçoá-lo. “O estrago feito no desenho do programa foi muito grande”, afirma. Ele sugere um benefício variável para crianças e jovens até 17 anos, maior nas faixas de 15 a 17, para que possam concluir o ensino médio. Outra ideia é um Benefício de Superação da Pobreza Extrema, para complementar uma quantia mínima por integrante da família.

No curto prazo, segundo Duque, o aumento do Bolsa Família favorecerá as economias locais de regiões rurais. “O efeito agregado deve ser mais diluído, mas ainda assim deverá aumentar o consumo das famílias em torno de 3%”, diz. Será um alento.