Correio Braziliense, n. 21517, 13/02/2022. Brasil, p. 6

Movimento deve ser combatido

Tainá Andrade


As declarações a favor da criação de um partido nazista feitas pelo então podcaster Bruno Aiub, conhecido como Monark, causaram repúdio em comunidades judaicas e reações de diversas instituições democráticas. As falas receberam o apoio do deputado Kim Kataguiri (DEM-SP), causando mal-estar entre os parlamentares. Em entrevista exclusiva ao Correio, o senador Fabiano Contarato (PT-ES), autor de um projeto de lei que pretende criminalizar as condutas associadas à promoção do nazismo e do fascismo, correlacionou o aumento de simpatizantes ao movimento à ascensão da extrema direita ao poder. Para ele, o populismo autoritário é um terreno fértil para germinar movimentos como o defendido por Monark. Confira a entrevista na íntegra:

A extrema direita tem crescido nos últimos anos. A que se deve esse movimento?

Com o fortalecimento de partidos e grupos nazistas na Europa e nos Estados Unidos nos últimos anos, há uma importação dessa ideologia para o Brasil. E essa não é a primeira vez que isso acontece. Na década de 1930, o Partido Nazista do Brasil foi o maior do mundo fora da Alemanha, arregimentando quase três mil membros. Durante os 10 anos em que operou no país, o partido e seus membros disseminavam ideais totalitários e antissemitas, coletando apoio material e financeiro para o esforço de guerra da Alemanha na Segunda Guerra Mundial.

O senhor faz uma correlação entre o crescimento da extrema direita e do movimento em apoio ao nazismo?

É impossível enxergar o avanço do nazismo no Brasil sem considerar sua relação próxima com a ascensão da extrema direita ao poder nas eleições de 2018. A partir do momento em que temos pessoas em posição de poder que expressam apoio a ideais extremistas e preconceituosos e não sofrem qualquer tipo de punição — pelo contrário, são, às vezes, louvadas e aclamadas —, isso encoraja todo tipo de pessoa a manifestar os seus piores sentimentos. O ódio e o preconceito se tornam corriqueiros, são banalizados e passam a transitar no mercado de ideias como se fossem formas legítimas da expressão da liberdade de pensamento. Não são!

Há uma correlação entre o discurso de Bolsonaro e o crescimento do nazismo no país?

Ela contribuiu de forma decisiva para o crescimento do nazismo no Brasil. A extrema direita cresce e se sustenta num populismo autoritário que nega marcos civilizatórios, da mesma forma que fazia o nazismo. No ambiente das novas mídias de comunicação, o discurso de ódio ganha contornos ainda mais preocupantes porque ele repercute e ganha força com facilidade. O ordenamento jurídico atual já se mostrou incapaz de evitar a disseminação destas ideologias extremistas.

Como o governo pode evitar que essa onda cresça e se estabeleça?

Os governos devem repudiar e combater esse mal, bem como conscientizar a sociedade sobre os impactos negativos que a promoção do nazismo gera. As lacunas legais não podem ser exploradas estrategicamente por cínicos inconsequentes e cupins das liberdades democráticas, que evocam direitos fundamentais com o fim de destruí-los, notadamente quando fazem fortuna destilando ódio e insensibilidade à memória de milhões de vidas ceifadas por ideologias totalitárias, reconfortados pela certeza da impunidade.

Quais medidas a serem tomadas?

Devemos nos manter em vigilância permanente para impedir que esta ideologia novamente ganhe força. É preciso que, no Brasil, a Polícia Federal, o Ministério Público Federal e todos os demais órgãos públicos previnam, investiguem e responsabilizem criminalmente esses movimentos de defesa de regimes autoritários de extermínio e genocídio da população. Por isso, também entrei com representação no Ministério Público de São Paulo pedindo investigação do apresentador Adrilles Jorge, que realizou um gesto amplamente associado ao nazismo durante um programa veiculado pela emissora de TV Jovem Pan.

Como o parlamento pode contribuir para conter o crescimento desses grupos?

Entrei com um projeto de lei (PL 175/2022) para criminalizar condutas associadas à promoção do nazismo e do fascismo. Negar a ocorrência do Holocausto ou fazer apologia ou propaganda positiva alusiva ao nazismo ou ao fascismo, inclusive mediante gestos ou referências a indivíduos notoriamente associados a estes movimentos, vai ter pena de reclusão de dois a cinco anos e multa, tal como a Lei nº 7.716/1989 já garante hoje para quem fabricar, comercializar, distribuir ou veicular, inclusive por meios digitais ou de comunicação audiovisual, símbolos, emblemas, ornamentos, distintivos ou propaganda que promovam o nazismo ou o fascismo, inclusive aqueles que utilizem a cruz suástica ou gamada.

Por que o tema do nazismo voltou a ser assunto, principalmente nas redes sociais?

A internet, infelizmente, é um campo fértil e sem regulação, o que viabiliza a propagação de ideias e projetos extremistas e criminosos. Criminalizar toda forma de apologia ao nazismo e ao fascismo é uma medida urgente no Brasil para proteger a liberdade de expressão e o direito à vida de todos os brasileiros. A liberdade de expressão não é absoluta, mas está sujeita a limites morais e jurídicos.

Por que é tão importante evitar a proliferação desses ideais?

O nazismo conjuga uma série de preconceitos e discriminações. O antissemitismo servia de base para a construção de uma visão de mundo que distinguia raças, atribuindo a raça ariana um papel de primazia na história global e justificando a segregação e o extermínio de outras raças. Mas o núcleo de sua ideologia era o ódio à diversidade. Assim, negros e negras, pessoas com deficiência, nacionais de países diversos e a comunidade LGBTQIA sofreram inúmeros casos de discriminação e violência, inclusive morte, durante o período em que o Partido Nazista alemão governou.