O Globo, n. 32775, 02/05/2023. Opinião, p. 2

Aprovação do PL das Fake News será avanço civilizatório



Se confirmada hoje a aprovação na Câmara dos Deputados do Projeto de Lei (PL) das Fake News, a sensação não será apenas de júbilo, mas também de perplexidade. Por que demorou tanto? As plataformas digitais donas das redes sociais e aplicativos de mensagens abusam há anos da paciência de todos. Cúmplices, permitiram a proliferação de ódio e desinformação afetando diferentes esferas — dos direitos humanos à saúde pública, da segurança nas escolas à democracia.

Sob o argumento falacioso de defenderem a liberdade de expressão, elas permitiram que eleições fossem manipuladas por mentiras, campanhas de vacinação boicotadas por teorias conspiratórias e assassinos adestrados por racistas, neonazistas e outros extremistas. A cada nova onda de desinformação, a cada novo massacre em escola, ficava evidente que havia algo de errado. E as plataformas pouco — se algo — faziam em prol do bem comum. Daí a necessidade de uma regulação mais dura.

A principal novidade do PL é torná-las corresponsáveis pelas consequências do que fizerem circular em suas redes. O texto do relator, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), acaba com a isenção garantida pelo artigo 19 do Marco Civil da Internet. Se aprovado, as plataformas deverão ter um “dever de cuidado” com o ambiente digital, do contrário terão de arcar com sanções judiciais. Na prática, isso significa que continuarão a moderar conteúdo, mas com uma diferença crucial: até agora, fazem isso de acordo com regras que elas próprias inventam e com empenho tíbio. Quando a lei entrar em vigor, após aprovação no Senado e sanção presidencial, terão de seguir a legislação à risca, sobretudo no que diz respeito a democracia, pluralismo, liberdade de expressão e religiosa, privacidade, saúde pública e direitos humanos.

Será exigido que as plataformas ajam de forma preventiva para evitar disseminar conteúdo ilegal. Contas inautênticas e automáticas anônimas serão proibidas. Autores de conteúdos jornalísticos ou artísticos terão de ser remunerados. A veiculação de anúncios e conteúdos pagos deverá ser transparente, com identificação de quem pagou. Auditores independentes farão relatórios periódicos. Não será preciso esperar o Judiciário para haver remoção imediata do que representar xenofobia, pedofilia ou racismo. Nos serviços de mensagem, haverá limite para encaminhamento e será exigido consentimento prévio para inclusão em grupos. Se as plataformas descumprirem a lei, as penas irão de advertência a multas de até 10% do faturamento.

A resistência delas tem uma razão evidente: a lei lhes custará dinheiro. Elas têm plena capacidade de se adequar às novas regras, como já fazem noutros países. As redes sociais no Brasil não terão de se fechar por seguir regras locais. A Alemanha tem legislação similar, e seus internautas acessam postagens de todos os cantos. Os investimentos necessários para ficar em dia com a Justiça serão altos, mas não tornarão inviáveis as operações no Brasil.

O texto final do PL não é perfeito e teve de acomodar todo tipo de demanda. Seja como for, a aprovação representará um avanço civilizatório no ambiente digital brasileiro. Vários pontos estarão sujeitos ao teste da realidade e deverão ser aperfeiçoados no futuro.