O Globo, n. 32776, 03/05/2023. Política, p. 4

''Abuso econômico''

Mariana Muniz
Daniel Gullino
Dimitrius Dantas


Em meio a uma ofensiva liderada pelo Google contra o PL das Fake News, com suspeita de práticas abusivas, Judiciário e Executivo reagiram ontem e estipularam sanções à plataforma. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou que os presidentes do Google no Brasil, além das empresas Spotify, Meta (responsável pelo Facebook) e Brasil Paralelo prestem depoimentos à Polícia Federal. A Corte também ordenou que sejam retirados do ar conteúdos impulsionados com ataques à proposta legislativa, que pune a disseminação de desinformação e responsabiliza as redes sociais pela propagação de informações falsas. O Ministério da Justiça, por sua vez, estabeleceu multa diária de R$ 1 milhão caso o Google não cumpra requisitos como deixar de privilegiar nas buscas resultados que sejam convergentes ao posicionamento da própria empresa.

A reação após uma sequência de denúncias de que o Google estaria omitindo conteúdos a favor do projeto e estimulando o acesso a páginas que o tratavam como, por exemplo, “PL da Censura”. Um link na página inicial do buscador afirmando que a iniciativa aumentaria a “confusão sobre o que é verdade ou mentira” chegou a ser veiculado, mas foi retirado do ar após as manifestações das autoridades.

O Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) também abriu um procedimento para apurar o “suposto abuso de posição dominante” de Google e Meta, enquanto o Ministério Público Federal (MPF) cobrou o Google após a campanha.

Como mostrou O GLOBO na semana passada, um estudo do NetLab, da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), revelou que as plataformas permitiram o impulsionamento de postagens com informações falsas sobre o projeto.

“Tais condutas podem configurar, em tese, não só abuso de poder econômico às vésperas da votação do projeto de lei por tentar impactar de maneira ilegal e imoral a opinião pública e o voto dos parlamentares, mas também flagrante induzimento e instigação à manutenção de diversas condutas criminosas praticadas pelas milícias digitais”, escreveu Moraes a respeito do Google, em decisão tomada de ofício no inquérito das fake news. “As condutas dos provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada e seus dirigentes precisa ser devidamente investigada, pois são remuneradas por impulsionamentos e monetização, bem como há o direcionamento dos assuntos pelos algoritmos, podendo configurar responsabilidade civil e administrativa das empresas e penal de seus representantes legais”.

Além da remoção e da exigência de explicação sobre os critérios que levam à exposição dos resultados das buscas, o ministro também ordenou que Google, Meta, Spotify e Brasil Paralelo informem quais as providências concretas tomaram para coibir práticas ilícitas relacionadas a temas como ataques à democracia, discurso de ódio, terrorismo, crimes contra crianças e adolescentes e contra mulheres.

Na esteira do debate legislativo, Moraes voltou a defender a necessidade de regulação das plataformas. Ontem, a Câmara adiou a votação do projeto, a pedido do relator do texto, o deputado Orlando Silva (leia mais detalhes na página 5). Antes da definição, líderes da Igreja Católica e de diferentes denominações evangélicas fizeram um ato no Congresso em defesa do projeto, para combater o extremismo nas redes.

Busca por isonomia

O ministro da Justiça, Flávio Dino, defendeu a determinação do Supremo e afirmou que a regulação das atividades empresariais das plataformas é uma exigência constitucional e um caminho fundamental para o enfrentamento de crimes. Mais cedo, a pasta já havia adotado sanções por meio da Secretaria Nacional do Consumidor, determinando uma medida cautelar que obriga a plataforma a agir para garantir isonomia nas discussões do PL das Fake News. Entre os pontos, estão a obrigação de sinalizar os conteúdos publicitários e informar consumidores sobre conflitos de interesse; relatar qualquer interferência no sistema de busca sobre o PL das Fake News; não censurar resultados divergentes dos posicionamentos da empresa e não privilegiar os convergentes com a opinião da companhia. A norma institui ainda multa de R$ 1 milhão por hora em caso de descumprimento.

— Precisamos acabar com o faroeste digital. A legislação que está sendo debatida no Brasil é fortemente inspirada em práticas internacionais, inclusive em leis já votadas e já vigentes. E não há nenhum registro de que a internet acabou nesses países —afirmou Dino.

O Google afirmou que apoia as discussões de medidas para combater a desinformação e que o debate deve ocorrer de forma “mais ampla”. “Nunca alteramos manualmente as listas de resultados para favorecer a posição de uma página de web específica. Não ampliamos o alcance de páginas com conteúdos contrários ao PL 2630 na busca, em detrimento de outras com conteúdos favoráveis. Nossos sistemas de ranqueamento se aplicam de forma consistente para todas as páginas, incluindo aquelas administradas pelo Google”, sustenta a empresa.

O Spotify disse que não aceita anúncios políticos e que um anúncio de terceiros foi veiculado por engano e removido assim que detectado. A Meta não se manifestou, e o Brasil Paralelo não foi localizado para comentar.