O Estado de S. Paulo, n. 46641, 29/06/2021. Notas & Informações, p. A3

Fim de um debate descabido



Os presidentes de 11 partidos políticos – PSDB, MDB, PP, DEM, Solidariedade, PL, PSL, Cidadania, Republicanos, PSD e Avante – reuniram-se no sábado passado para fechar questão contra a volta do voto impresso. O acordo fulmina a tentativa do presidente Jair Bolsonaro de implantar o retrocesso em 2022.

A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 135/2019, de autoria da deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF), pode até ter votos suficientes para passar pela comissão especial, mas não terá o quórum qualificado para passar pelo crivo dos plenários da Câmara dos Deputados e do Senado. Juntas, aquelas legendas representam 63% dos deputados e 67% dos senadores. Já há "caciques", como Luciano Bivar, presidente do PSL, que falam abertamente em engavetar a PEC. "Acho que nem vai a votação", disse Bivar ao Broadcast/estadão.

O voto impresso é uma excrescência que só voltou a ser tema de debate público porque seu maior defensor é ninguém menos que o presidente da República. Bolsonaro alega que houve fraudes nas eleições de 2014 – o tucano Aécio Neves teria derrotado a petista Dilma Rousseff – e de 2018, quando ele teria vencido o pleito "no primeiro turno". No discurso de Bolsonaro, só o voto impresso, "auditável", seria capaz de impedir "fraudes" como as que sustenta ter havido nas duas últimas eleições presidenciais. Balela.

Não há uma só evidência, ou mera suspeita que seja, de que o sistema de voto eletrônico, instituído no País há 25 anos, seja inseguro, sujeito a fraudes. Na semana passada, o ministro corregedor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Luís Felipe Salomão, determinou que Bolsonaro apresente em 15 dias as provas de suas gravíssimas afirmações (ver editorial O TSE pede provas a Bolsonaro, publicado em 24/6/2021). O ministro Luís Roberto Barroso, presidente da Corte, já havia exortado o presidente da República a fazê-lo por "dever cívico" (ver editorial O dever cívico do presidente, e o nosso, de 20/6/2021). É evidente que não há quaisquer provas das alegadas fraudes, ou Bolsonaro há muito já as teria apresentado.

A defesa do voto impresso, portanto, não tem qualquer relação com o suposto zelo do presidente da República com a segurança do sistema eleitoral, como se Bolsonaro estivesse engajado em uma cruzada por "eleições limpas", pedra fundamental da democracia. Ora, como são hígidas as eleições no Brasil, a defesa do voto impresso esconde uma tentativa canhestra de Bolsonaro de subverter a própria ordem democrática ao envolver em uma névoa de suspeição o processo de escolha dos eleitores. A cilada pode funcionar para inflamar a militância bolsonarista, sempre refratária aos fatos. No entanto, não convence a maioria dos eleitores brasileiros – 73% defendem as urnas eletrônicas, segundo o Datafolha – e tampouco, como se viu no fim de semana, as lideranças dos maiores partidos políticos do País.

É importante notar que nem mesmo as legendas que compõem a base de apoio ao governo no Congresso, notadamente PP, PL, PSL e Republicanos, aderiram à tese do voto impresso defendida por Bolsonaro. A bem da verdade, talvez o próprio presidente não esteja tão preocupado com a aprovação da PEC proposta por sua aliada fiel. O ardil de Bolsonaro consiste apenas em lançar suspeitas sobre a segurança do sistema eleitoral. Na mente suja de quem está sustentando este estratagema, caso Bolsonaro seja derrotado no pleito do ano que vem, debite-se a fraude à falta do voto impresso.

Em maio, Bolsonaro chamou de "republiqueta" o país que governa porque aqui se vota por meio eletrônico. Na mesma ocasião, ameaçou a Nação afirmando que "não haverá eleições em 2022 sem voto impresso". Tudo indica que a partir de agora dirá coisas ainda piores. O que importa é que o Brasil com juízo já não lhe dá ouvidos.