O Globo, n. 32777, 04/05/2023. Economia, p. 15

Ainda sem corte à vista

Renan Monteiro
João Sorima Neto
Ivan Martínez-Vargas


Na primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) após a divulgação da proposta do governo de um novo arcabouço fiscal, o Banco Central manteve a Taxa Selic em 13,75% ao ano, conforme esperado pelo mercado financeiro e até por integrantes da equipe econômica. No comunicado, os membros do Copom não deram sinais de que cortarão os juros na próxima reunião, em junho, e reforçaram não haver “relação mecânica” entre a aprovação do texto do arcabouço pelo Congresso e o relaxamento da política monetária.

A decisão ocorre em meio a repetidas críticas do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e integrantes do governo ao efeito dos juros sobre a atividade econômica e o mercado de trabalho. Até o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, chegou a afirmar que o cenário econômico atual já seria favorável à redução da Selic.

Embora tenha reafirmado que “não hesitará em retomar o ciclo de ajuste” caso a inflação não caia como esperado, o BC atenuou um pouco o discurso, classificando esse cenário de “menos provável”.

A Selic em 13,75% é o maior patamar de juros desde novembro de 2016, quando a taxa estava em 14% ao ano. Esta foi a sexta manutenção seguida nesse patamar e a terceira durante o governo Lula.

‘Paciência e serenidade’

O BC voltou a falar em “paciência e serenidade”, expressão já usada em março:

“O Comitê reforça que irá perseverar até que se consolide não apenas o processo de desinflação como também a ancoragem das expectativas em torno de suas metas. O Comitê avalia que a conjuntura demanda paciência e serenidade na condução da política monetária.”

O comunicado faz três referências ao arcabouço fiscal. Ressalta que, se por um lado este reduz as incertezas sobre as contas públicas, por outro não se sabe qual será seu desenho final, já que ainda está em tramitação no Congresso. E o BC enfatiza não haver “relação mecânica entre a convergência de inflação e a aprovação do arcabouço fiscal.”

A presidente do PT, Gleisi Hoffmann, criticou a decisão pelas redes sociais, citando o presidente do BC, Roberto Campos Neto: “Quanto já custou ao país o negacionismo econômico de Campos Neto? Quantos empregos, empresas falidas, famílias destruídas?”

O deputados federais Lindbergh Farias (PT-RJ) e Orlando Silva (PCdoB-SP) fizeram coro. Silva chamou os juros de 13,75% de “pornográficos” e “terraplanismo econômico.”

Entre economistas, ainda que não haja consenso, no geral a análise é que os juros não cairão em junho. O economista-chefe do Opportunity Total, Marcelo Fonseca, diz que o BC reconhece o esforço do governo com a regra fiscal, mas quer as projeções de inflação mais perto da meta:

— O Copom confirmou as expectativas de que não há condições para redução da taxa de juros no horizonte próximo, enfatizando a necessidade de “paciência e serenidade” na condução da política monetária. O BC deixa claro ser necessário que as expectativas de inflação sejam positivamente impactadas pelo novo arcabouço para que este tenha impacto na definição da Selic.

Alex Agostini, economista chefe da Austin Rating, avalia, no entanto, que se o Conselho Monetário Nacional (CMN) elevar a meta de inflação deste ano e de 2024, há chance de um corte de até 0,5 ponto percentual em junho. Se a meta não mudar, só em agosto.

— O BC sinalizou que a aprovação do arcabouço não significa queda de inflação e não é garantia de queda de juros. Mas se a meta de inflação for elevada para 4% este ano, com intervalo de 1,5 ponto percentual para cima ou para baixo, acredito que há espaço para redução de juros de até 0,5 ponto percentual em junho —diz Agostini.

Preocupação com a meta

O BC define a Selic visando o cumprimento da meta de inflação, definida pelo CMN. A meta para este ano é de 3,25%, com intervalo de tolerância de 1,5 ponto porcentual, ou seja, teto de 4,75%.

Para o estrategista-chefe do banco Mizuho, Luciano Rostagno, a decisão do Copom levou em conta a piora das expectativas de inflação para este ano, de 6%, e 2024, de 4,18%, segundo o Boletim Focus. Ele diz que um aumento da meta pelo CMN não significará uma redução automática da Selic.

Para o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, uma alta da meta de inflação fará o mercado elevar suas expectativas, o que pode levar o BC a subir ainda mais os juros.

Silvio Campos Neto, sócio da consultoria Tendências, diz que, apesar da “pressão e ansiedade” de empresas e governo pela redução da Selic, o cenário fiscal do país “inspira alguma preocupação”:

— Uma redução da Selic dependerá de como os agentes econômicos perceberem a proposta final da regra fiscal. Na próxima reunião do Copom, pode ser que isso já não seja incerteza.

A Tendências vê o início do corte de juros em agosto. Já para Vale, será em setembro.

Com a decisão do BC, o Brasil se manteve à frente do ranking dos juros reais entre 40 países, com 6,82%, segundo a Infinity Asset Mangement.