O Estado de S. Paulo, n. 46638, 26/06/2021. Política, p. A4

Bolsonaro ligou suspeitas a “rolo” de Barros, diz Miranda

Vinicius Valfré
Lauriberto Pompeu


Em depoimento à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Covid, o deputado Luis Miranda (DEM-DF) disse que o presidente Jair Bolsonaro citou o líder do governo na Câmara, Ricardo Barros (Progressistas-pr), como o parlamentar que queria fazer “rolo” no Ministério da Saúde. Miranda e seu irmão, Luis Ricardo Miranda, servidor de carreira do ministério, confirmaram à CPI ter avisado Bolsonaro, há três meses, sobre suspeitas de corrupção na compra da vacina indiana Covaxin. Eles também relataram uma “pressão atípica” para acelerar a importação. Bolsonaro teria mostrado saber a origem da pressão ao dizer “é mais um rolo desse (parlamentar)...”

A dupla pôs Bolsonaro no centro de um escândalo e, a partir de agora, a CPI passará a mirar o presidente. Ao relatar a conversa com Bolsonaro no Palácio da Alvorada, no dia 20 de março, um sábado, Miranda indicou que o presidente estava ciente de todas as irregularidades. Em seu depoimento, porém, ele se recusou 12 vezes a dizer o nome do deputado “da base do governo” citado por Bolsonaro, sob o argumento de que não se lembrava. Recuperou a memória após sete horas de sessão, quando a senadora Simone Tebet (MDB-MS) o pressionou.

“A senhora também sabe que é o nome do deputado Barros que o presidente falou. Foi o Ricardo Barros que o presidente falou. Foi o Ricardo Barros”, disse o deputado, que chegou à CPI vestido com um colete à prova de bala. Ex-ministro da Saúde no governo de Michel Temer, Barros também é um dos líderes do Centrão. “Eu queria ter dito desde o primeiro momento, mas é que vocês não sabem o que eu vou passar”, emendou.

A sessão da CPI foi tensa e marcada por bate-boca. Questionado, Miranda confessou o motivo de ter demorado tanto para revelar a identidade do deputado citado por Bolsonaro. “Apontar um presidente da República que todo mundo defende como uma pessoa correta, honesta, que sabe que tem algo errado, sabe o nome, que sabe quem é e não faz nada por medo da pressão que pode levar do outro lado? Que presidente é esse que tem medo de pressão de quem está fazendo o errado? De quem desvia dinheiro público de gente morrendo por causa dessa p... de covid?”, perguntou, chorando.

O deputado disse que ele e o irmão Luis Ricardo, chefe de importação do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, só procuraram Bolsonaro porque queriam avisá-lo sobre denúncias de pagamento de propina por parte de gestores da pasta, falar sobre a pressão para acelerar o negócio com a Covaxin, além do superfaturamento do preço das doses.

“Aí ele cita para mim assim: ‘Vocês sabem quem é, né? Sabem que ali é foda e tal. Se eu mexo nisso aí, você já viu a merda que vai dar'. Falou assim: ‘Isso é fulano’, para mim e para o meu irmão. ‘Vocês sabem que é fulano, né? É mais um rolo desse .... ’”

Foi o vice-presidente da CPI, senador Randolfe Rodrigues (Rede-ap), quem afirmou que a servidora responsável por fiscalizar o contrato do ministério com a Covaxin era Regina Célia Silva Oliveira, indicada por Barros. Célia deu aval para a negociação, mesmo sem a assinatura de Luis Ricardo.

O empresário Francisco Emerson Maximiano, presidente da Precisa Medicamentos e da Global Saúde, já foi alvo de ação por irregularidades em contrato com o Ministério da Saúde, em 2018, na época em que Ricardo Barros comandava a pasta. Na ocasião, o ministério pagou R$ 20 milhões para comprar remédios de alto custo, mas produtos nunca foram entregues. A Precisa é justamente a empresa que negociou a importação da Covaxin para o Brasil.

“Não participei de nenhuma negociação em relação à compra das vacinas Covaxin. Não sou esse parlamentar citado”, disse Barros, em nota divulgada nas redes sociais. “A investigação provará isso. Também não é verdade que eu tenha indicado a servidora Regina Célia, como informou o senador Randolfe. Não tenho relação com esse fatos.”

Tanto Miranda como Luis Ricardo disseram à CPI que mostraram a Bolsonaro “erros primários” na nota fiscal da Covaxin, com exigência de antecipação de pagamento de US$ 45 milhões. “O que eu senti? Que o presidente, apesar de toda a força que demonstra, de tudo que a gente conhece, ele, nesse grupo específico, na minha percepção, não tinha força para combater. Ele deu a entender isso porque falou o nome, mas não tem certeza também. Disse assim: ‘Deve ser coisa de fulano, puta merda, mais uma vez. Vou acionar o DG (diretor-geral) da Polícia Federal para mandar investigar esse troço’. Não foi uma ação de conivência, foi uma ação de ‘tô amarrado’ ”, afirmou.

Antes, em mensagem enviada ao irmão, o chefe de importação havia mostrado estranheza com o rumo das negociações. “Aquele rapaz que me procurou, dizendo que tem vacinas... Disse que não assinaram porque os caras cobraram dele propina para assinar o contrato”, escreveu.

Segundo Luis Ricardo, o “rapaz” que fez o alerta sobre a propina seria um servidor do Ministério da Saúde chamado Rodrigo. Trata-se de Rodrigo de Lima Padilha, que agora a CPI quer convoca para depor. “O Ministério estava sem vacina e um colega de trabalho, Rodrigo, servidor, me disse que tinha um rapaz que vendia vacina e que esse rapaz disse que alguns gestores estavam pedindo propina”, contou.

O Estadão localizou Lima Padilha, que tentou minimizar o assunto. “Isso foi muito mais conversa de corredor, sabe como é? Ali na salada de fruta... ‘E aí, como tá? Vai comprar vacina, não vai? Ah, tem oferta? Deve ter oferta, muita empresa está oferecendo. E por que não fechou? ‘Tá’ pedindo propina?’”

Gritaria. Houve muitos momentos de gritaria entre aliados do governo, que tentavam desqualificar os depoentes, e senadores de oposição. Logo no início, Luis Ricardo – que desembarcara em Brasília havia pouco tempo, vindo de uma viagem dos Estados Unidos – disse que não era filiado a nenhum partido. “Meu partido é o SUS”, destacou.

O depoimento teve várias interrupções e reclamações de que o relator Renan Calheiros (MDB-AL) e o presidente da comissão, Omar Aziz (PSD-AM), estariam fazendo “julgamentos”

ao questionar os depoentes. Tanto Miranda quanto o servidor estavam munidos de documentos, trocas de mensagens pelo aplicativo Whatsapp e nomes de servidores, que apresentaram como provas de que havia irregularidades no contrato com a vacina indiana.

Aos senadores, o deputado disse que o general Eduardo Pazuello deixou o comando do Ministério da Saúde porque não aceitou participar de um esquema de corrupção. Miranda afirmou ter conversado com Pazuello, que hoje ocupa a Secretaria de Assuntos Estratégicos, no Palácio do Planalto.

“(Pazuello) Falou apenas que pessoas muito poderosas, que são do Parlamento, avisaram a ele que, se ele não soltasse aquelas famosas emendas de final de ano para um grupo específico – entregaram uma lista –, ele estaria fora”, disse Miranda.

Ao deixar o Ministério da Saúde, em março, Pazuello chegou a afirmar que havia sido “jurado de morte” por políticos insatisfeitos com a falta de “pixulé”. Quando depôs à CPI, porém, o general desconversou e disse que “pixulé” era um termo usado no Rio de Janeiro para se referir a restos a pagar de emendas. Em conversa com senadores governistas, no entanto, o ex-ministro afirmou que ordenou, em março, uma apuração interna sobre o caso Covaxin ao então secretário executivo da pasta, Elcio Franco, e que nada teria sido encontrado.

Líder do governo, o senador Fernando Bezerra (MDB-PE), interrompeu em vários momentos Luís Ricardo e contestou os indícios de irregularidades. Aos berros, Bezerra classificou as afirmações como “mentiras”. “Hoje o senhor está demais”, reclamou Aziz, diante das interrupções. “Nunca vi o senhor desse jeito”, disse Randolfe. / Colaboraram Lorenna Rodrigues,Julia Affonso e Daniel Weterman

Nome

“A senhora (Simone Tebet) também sabe que é o nome do deputado Barros que o presidente falou. Foi o Ricardo Barros que o presidente falou. Foi o Ricardo Barros.”

“O presidente falou, com clareza, que iria encaminhar todas as informações para o DG (diretor-geral) da Polícia Federal e chegou a tecer comentário de um nome de um parlamentar.

“Disse assim: ‘Deve ser coisa de fulano, puta merda, mais uma vez. Vou acionar o DG da PF para mandar investigar esse troço’. Não foi uma ação de conivência, foi uma ação de ‘tô amarrado’.”

Luis Miranda (DEM-DF)

Deputado Federal